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Ideias para substituir os ultraprocessados da dieta das crianças

Imagem de capa para matéria sobre ultraprocessados mostra mãos de crianças segurando um prato com hambúrguer, batata frita e refrigerante.

Nas prateleiras dos supermercados, os produtos ultraprocessados destinados ao público infantil, geralmente, têm nas embalagens o anúncio de alguma vitamina ou mineral. A estratégia surge como uma tentativa de transformar os industrializados ditos “pobres em nutrientes” em algo pretensamente “mais saudável”. No entanto, por mais atrativa que a embalagem pareça, nem sempre esses produtos fazem bem à saúde das crianças.

Conforme o relatório divulgado pelo Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI), mais de 24% da dieta de crianças entre 6 meses e 5 anos é composta por ultraprocessados, como biscoitos doces e salgadinhos. Apesar do Ministério da Saúde recomendar uma alimentação livre desse tipo de alimento e de açúcar antes dos dois anos de idade, o estudo também constatou que produtos industrializados são 20,5% da alimentação de crianças nessa faixa etária.

O Guia Alimentar para a População Brasileira, que completou 10 anos em 2024, distribui os alimentos em quatro categorias, de acordo com sua natureza:

  • Grupo 1: produtos in natura e minimamente processados, como hortifrutis, ovos e leite.
  • Grupo 2: ingredientes culinários processados, como óleo, açúcar e sal.
  • Grupo 3: alimentos processados, como peixes em conserva, geleias de frutas e queijos.
  • Grupo 4: ultraprocessados, alimentos e bebidas desenvolvidos pela indústria, ricos em açúcar, sódio e gorduras (refrigerantes, salsichas, bolachas, macarrão instantâneo).

Nesse sentido, além da maior oferta de produtos que vendem praticidade e preços acessíveis, é preciso levar em conta que muitas pessoas têm dificuldade em ler e assimilar as informações dos rótulos. Isso porque as notificações de micronutrientes adicionados a esses alimentos podem passar a impressão errônea de que é um produto mais saudável, como explica a nutricionista Amanda Martins, especializada em alimentação materno-infantil.

“Nas consultas, muitos pais dizem que acreditavam que os produtos com vitaminas e minerais adicionados seriam melhores para as crianças. Mas, na verdade, quanto menos coisa adicionada, melhor.”

Sabores artificiais podem se tornar padrão para as crianças

Amanda ressalta que o consumo de alimentos hiperpalatáveis – ricos em açúcar, sódio e gordura – compromete a qualidade nutricional da dieta das crianças. Além disso, é especialmente prejudicial à formação de hábitos alimentares. “Esses produtos têm uma grande quantidade de realçador de sabor e outros aditivos que vão mexendo com o paladar infantil. Por isso, aos poucos, a criança perde a percepção do sabor real dos alimentos”, diz.

Dessa forma, quanto mais a criança consome ultraprocessados, mais desafiador é a inserção de alimentos in natura ou naturais. Isso acontece porque o registro desses sabores na formação do paladar é alavancado artificialmente. Então, a tendência é que a memória gustativa da criança fique marcada mais pelo sabor forte de morango artificial de uma bebida láctea, por exemplo, e não pelo gosto natural de uma fruta.

A consequência de ofertar os hiperpalatáveis às crianças pequenas é ainda mais problemática quando o sabor artificial se torna um padrão. Ou seja, quando o paladar delas se molda a partir do sabor desses produtos industrializados e não aceita sabores naturais. Portanto, a nutricionista explica que, “mesmo frutas naturalmente doces como banana, manga e melancia não serão suficientemente doces em comparação com um produto de sabor artificial de morango, por exemplo”.

Hábitos alimentares começam em casa, com toda a família

Maité, de 3 anos, comia muito bem, até que passou a rejeitar quase tudo. “Ela não queria mais comer feijão, só aceitava arroz e macarrão”, conta a mãe, Audrey Abarno. A seletividade alimentar da filha acabou alterando a forma como a família se alimentava. Há seis meses, eles têm o acompanhamento da nutricionista Amanda Martins, que os apresentou o “Método da Escadinha”. Ele consiste em uma maneira lúdica de incorporar novos alimentos às refeições das crianças.

É como uma sequência de ações a serem desenvolvidas no tempo de cada criança. Funciona basicamente assim: a criança é incentivada a tocar e cheirar o alimento. A seguir, ela prova a comida com a ponta da língua. Quando estiver confiante, o passo seguinte é morder com os dentes da frente e depois com os de trás. E, por fim, comer.

O acompanhamento com a nutricionista trouxe outras mudanças importantes: os ultraprocessados já não têm vez na alimentação da família. Ou seja, bolachas e leite de soja aromatizado saíram da lista de compras. Assim a mudança de hábito se estendeu também aos avós. “Meus pais costumam oferecer bolacha recheada, que a Maité adorava comer só o recheio. Conversamos sobre isso, eles entenderam e não compram mais”, explica Audrey.

O horário das refeições se tornou também o momento de compartilhar o preparo com a pequena, que adora colocar o avental e ajudar na cozinha. Saladas, que a família não tinha o hábito de consumir, agora fazem parte das refeições. Audrey conta, aliviada, que foi uma grande vitória ver Maité comendo brócolis. Nesse processo, os adultos da família também fizeram um esforço e conseguiram diminuir o consumo de pizza e de refeições entregues em casa, por exemplo. Desse modo, todos conseguem compartilhar a mesma comida.

Mudança de paladar exige tempo e paciência 

Reeducar o paladar das crianças acostumadas a consumir alimentos com altas taxas de sal, açúcar e gordura pode ser difícil, mas é possível. Segundo Amanda Martins, esse processo envolve a disposição de toda a família, pois a reeducação alimentar precisa ser para todos. Embora o início seja mais complicado, a nutricionista aponta algumas dicas:

  1. Diminua a compra de ultraprocessados.
  2. Aumente o consumo de produtos in natura, como frutas e vegetais.
  3. Converse com a criança sobre a importância de uma alimentação saudável.
  4. Explique que doces e salgadinhos podem ser consumidos de forma equilibrada.
  5. Não exclua alimentos de uma hora para outra.
  6. Faça uma transição com substituições graduais para que a criança entenda e aceite as mudanças.

Publicidade positiva sobre ultraprocessados atraem as crianças

Segundo o Guia Alimentar para a Alimentação Brasileira, a publicidade intensa em torno dos produtos ultraprocessados é um dos principais atrativos para que crianças e adolescentes se interessem por esses alimentos.

“Mais de dois terços dos comerciais sobre alimentos veiculados na televisão se referem a produtos comercializados nas redes de fastfood, salgadinhos ‘de pacote’, biscoitos, bolos, cereais matinais, balas e outras guloseimas, refrigerantes, sucos adoçados e refrescos em pó, todos esses ultraprocessados”, diz o texto do Guia.

“Se comerciais, anúncios, ofertas, promoções e embalagens são convincentes e sedutores para os adultos, para as crianças são ainda mais, pois estão em um processo especial de desenvolvimento e, sozinhas, ainda não conseguem compreender muitos dos elementos do mundo adulto.” – Guia Alimentar para a População Brasileira (2014)

Em sua pesquisa de mestrado, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Amanda Martins estudou a notificação de vitaminas e minerais em mais de 500 rótulos de alimentos industrializados direcionados às crianças. O estudo avaliou que avisos como “rico em vitaminas” e “fonte de ferro”, é um recurso para “elevar a qualidade” desses alimentos.

Além disso, ela constatou que os micronutrientes (vitaminas A, B3, D, e os minerais ferro, cálcio e zinco) apareciam com maior frequência, mesmo causando incongruências. “Um alimento como o leite, que já é uma fonte natural de cálcio, não precisa de adição extra de cálcio”, questiona.

Por fim, Amanda constatou que leites, iogurtes e bebidas lácteas são os produtos que mais tem avisos de adição de micronutrientes. Já as bolachas e os doces, são ricos em carboidratos e gorduras, mas são pobres em nutrientes.

‘Gente ultraprocessada’: quais os efeitos dessa alimentação na prática?

Inspirado nos estudos do pesquisador brasileiro Carlos Monteiro, responsável pela expressão mundialmente conhecida como “ultraprocessados”, o médico infectologista britânico Chris Van Tulleken decidiu fazer uma experiência em seu próprio corpo. 
Por quatro semanas, ele fez dos ultraprocessados a base de suas refeições. Então, 80% das calorias viriam desses produtos. Assim, os efeitos na saúde apareceram assustadoramente rápido. Em um mês, ele ganhou 6 quilos e notou mudanças significativas em seus hormônios de saciedade, e em partes monitoradas de seu cérebro. Essa experiência, além de uma contundente explicação sobre o que são os ultraprocessados e como eles atuam no corpo humano, estão documentadas no livro “Gente ultraprocessada: por que comemos coisas que não são comida, e por que não conseguimos parar de comê-las” (Editora Elefante), com o prefácio assinado por Carlos Monteiro.
Segundo Van Tulleken, ele precisava descobrir se os ultraprocessados seriam mesmo os grandes responsáveis pela epidemia mundial de doenças crônicas não transmissíveis, como a obesidade. A inquietação surgiu após conhecer os artigos de Monteiro junto ao Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens), da USP. Para o núcleo, o consumo crescente desses produtos deveria ser tratado como um problema de saúde pública.
Em entrevista ao portal O Joio e O Trigo, Tulleken reforçou a necessidade de regulação urgente.

“Precisamos parar de vender para crianças coisas que não sejam comida usando personagens de desenhos animados. Uma criança simplesmente não deveria poder entrar em uma loja e comprar uma lata de ácido fosfórico, açúcar e cafeína.”

Você pode trocar o ultraprocessado por…

Mudar hábitos alimentares, especialmente quando se trata de produtos que as crianças amam, nem sempre é fácil, mas é possível. Confira as sugestões da nutricionista Amanda Martins para diminuir e substituir os ultraprocessados nas refeições da família:

Comece com suco natural da fruta, levemente adoçado. A seguir, tente oferecer suco natural sem coar e sem adoçar.

Experimente diluir o néctar de fruta com água com gás. Aos poucos, substitua o néctar por suco natural com água gaseificada.

Um ótimo substituto ao iogurte saborizado, rico em açúcar e corantes, é bater o iogurte natural com frutas que já são bem doces, como banana, uva, manga, uva-passa e frutas secas.

Experimente preparar um achocolatado caseiro usando cacau em pó, ou chocolate com 50% de cacau, e um pouco de açúcar mascavo. Preparar o achocolatado em casa é uma alternativa mais saudável. Os achocolatados da indústria são ricos em açúcares e glicoses que atendem por nomes variados, como maltodextrina.

A estratégia para diminuir o consumo de ultraprocessados muito queridos pelas crianças é não eliminar por completo, salvo em questões de saúde, alimentos que fazem parte da rotina. A sugestão é deixar esses produtos para ocasiões específicas e fazer escolhas mais saudáveis para o dia a dia. Uma boa opção são cookies caseiros de amendoim ou bolachas de frutas.

Aqui vale a mesma abordagem das bolachas: se for algo de que a criança goste muito, não exclua por completo. Portanto, uma boa dica é ir substituindo por opções de melhor qualidade e preparar petiscos salgados, como bolinhos caseiros com frango, legumes, pão de queijo, entre outras receitas práticas, em casa.

O pãozinho ultraprocessado pode ser substituído por opções mais saudáveis, como, por exemplo, pães em formato pequeno disponíveis nas padarias. Se possível, opte por pães de fermentação natural. O mesmo vale para o pão de forma: o pão da padaria, preparado apenas com trigo, fermento e sal, é uma escolha melhor que a versão do saquinho.

Sai o macarrão instantâneo com tempero rico em sódio e outros aditivos para, então, entrar um macarrão rápido e fácil de preparar, como o capellini e aletria (cabelinho de anjo). Ambos são mais finos e levam poucos minutos para ficar prontos. Combine com molho de tomate, com carne moída ou passe na manteiga com queijo ralado.

O melhor substituto é o preparo caseiro. Coloque pedaços de frango cozido no processador com um pouco de azeite de oliva e temperos a gosto. A seguir, faça bolinhas e empane com farinha de milho. Asse na air fryer ou no forno até ficar dourado.

Sabe a batata congelada, para ser frita em casa ou preparada na air fryer? Ela leva uma série de ingredientes, além do tubérculo, e costuma ser rica em sódio. Por isso, o ideal é preparar em casa a batata com um pouco de azeite na fritadeira elétrica. Se a vontade é de batata frita mesmo, a dica é usar óleo novo (o de girassol é uma boa pedida).

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