Gestantes, covid-19 e vacina: o que você precisa saber

Especialistas respondem as principais dúvidas em relação à doença e sua imunização no grupo de risco de mulheres grávidas e puérperas

Laís Barros Martins Publicado em 11.03.2021 Atualizado em 06.07.2023
Foto de uma mulher grávida na rua, usando máscara e olhando para o celular
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Resumo

Gestantes entraram para o grupo de risco, mas até agora não se sabe quando serão vacinadas contra a covid-19. Especialistas ajudam a entender as principais questões relacionadas ao tema.

O Brasil concentra o maior número de casos de morte por covid-19 em mulheres grávidas e no pós-parto no mundo (77%, segundo estudo publicado no International Journal of Gynecology). Após a média semanal de mortes pela doença entre grávidas brasileiras ter mais do que dobrado no começo de 2021 em comparação ao ano anterior — de 10,5 óbitos por semana para 25,8, o Ministério da Saúde passou a recomendar a vacina em gestantes e puérperas mesmo com a falta de estudos sobre os efeitos adversos dos imunizantes nesse público. Essas mulheres devem fazer uma avaliação dos riscos e benefícios com um médico, além de seguir o cronograma de vacinação dos municípios.

Gestantes com comorbidades devem ser incluídas no grupo prioritário da vacinação, e poderão ser imunizadas com as doses da Coronavac ou Pfizer. A vacina AstraZeneca/Oxford, um das duas mais utilizadas no Brasil, está vetada enquanto se investiga a morte de uma gestante por trombose após tomar o imunizante com tecnologia britânica.

O Lunetas consultou dois especialistas nas áreas de infectologia* e obstetrícia** para responder algumas das principais questões relativas à vacina em gestantes. Acompanhe as entrevistas a seguir:

Lunetas – Quais são os riscos do novo coronavírus na gestação? Por que as gestantes entraram para o grupo de risco?
Alexandre Rodrigues Marra (infectologista): A partir de estudos observacionais, gestantes sintomáticas que adquiram a covid-19 apresentam mais risco de doença grave e de complicações decorrentes dessa doença, com necessidade de internação em unidades de terapia intensiva e uso da ventilação mecânica, e também maior risco para óbito, em relação às mulheres não grávidas. Muitas mulheres grávidas podem apresentar também condições clínicas que as colocam em uma categoria de maior risco. Adicionalmente, gestantes infectadas podem ter risco aumentado de desfechos gestacionais desfavoráveis, como parto prematuro, se comparadas com mulheres grávidas sem a covid-19.

Daniela Menezes (ginecologista e obstetra): Gestantes são consideradas grupo de risco por estarem num estado de imunossupressão, o que as deixa mais vulneráveis a infecções, com mais riscos de morbidades e mortalidade, inclusive pela covid-19, e maior risco de coinfecção ao contraírem não só SARS-CoV-2, mas também outros vírus associados ou mesmo desenvolver uma pneumonia bacteriana. Também trazem mais risco à gestação, de pré-eclâmpsia, restrição de crescimento e mesmo maior risco de cesariana, de precisarem de intervenção para interromper a gestação. Assim como na população geral, gestantes diabéticas e obesas apresentam mais risco quando comparadas a gestantes rijas, saudáveis. Gestantes negras e latinas-hispânicas também têm mais risco de morte e dificuldade de acessar o sistema de saúde, o que está relacionado a fatores socioeconômicos.

Gestantes e puérperas podem tomar a vacina? O risco dos efeitos da vacina em gestantes (ou no feto) seria menor do que contrair a doença?
ARM: Até o momento nenhum estudo avaliou especificamente a vacina contra covid-19 em gestantes e lactantes, embora houvesse algumas mulheres grávidas inadvertidamente matriculadas nos ensaios das vacinas. Estudos preliminares de toxicidade e de toxicidade reprodutiva não indicam efeitos adversos sobre a reprodução ou sobre o desenvolvimento fetal.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) não aconselha que grávidas sejam vacinadas, mas o alerta se baseia exclusivamente na falta de dados, e não em evidências de que tomar a injeção possa causar prejuízos à saúde da gestante e do bebê. No Brasil, o Ministério da Saúde lembra que apesar de a segurança e eficácia das vacinas não terem sido avaliadas nos grupos de gestantes, puérperas e lactantes, a vacinação poderá ser realizada após “avaliação cautelosa dos riscos e benefícios e com decisão compartilhada, entre a mulher e o médico prescritor”.

DM: Gestantes e puérperas não só podem como devem ser vacinadas se tiverem acesso à vacina. A vacina que temos hoje no Brasil é a Sinovac, do Instituto Butantan, feita com vírus inativado, que é uma tecnologia utilizada em vacinas aplicadas durante a gestação, como a vacina do H1N1. A recomendação da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) e do ACOG (Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas)é que essas mulheres, mesmo sem estudo finalizado sobre o tema, sejam vacinadas. Isso porque o risco da vacina é potencialmente muito menor (os principais fatores de risco da vacina são efeitos colaterais como dor local) do que o risco de infecção pela covid-19, risco de complicações e mortalidade.

A Pfizer e a BioNTech iniciaram um estudo internacional com 4 mil voluntárias para avaliar a segurança e a eficácia de sua vacina contra a covid-19 em mulheres grávidas saudáveis. Serão testadas gestantes com 18 anos ou mais nos Estados Unidos, Canadá, Argentina, Brasil, Chile, Moçambique, África do Sul, Reino Unido e Espanha.

Estudos recentes apontaram que mulheres grávidas que se recuperam da covid-19 podem passar imunidade natural para seus bebês. Agora, outro estudo preliminar apontou que grávidas vacinadas podem transferir os anticorpos induzidos pela vacina ao feto pelo sangue do cordão umbilical e ao recém-nascido pelo leite materno. De acordo com o estudo, as respostas imunológicas à vacina foram equivalentes em mulheres grávidas e lactantes versus mulheres não grávidas. O levantamento se deu a partir das vacinas Moderna e Pfizer, ambas aplicadas nos Estados Unidos.

Caso a gestante não possa ser vacinada, como deve proceder?
ARM: Deve continuar procedendo com as mesmas práticas adotadas para prevenção da covid-19: uso de máscara facial, distanciamento social e evitar aglomerações. Mesmo as gestantes vacinadas devem continuar com essas mesmas práticas de prevenção.

Qual é a orientação para as mulheres que tomaram a vacina antes de saber da gestação?
ARM: Nenhuma preocupação sobre a segurança dessas vacinas foi levantada até o momento. Os fabricantes das vacinas estão monitorando as pessoas que participaram nos ensaios clínicos e que ficaram grávidas. Qualquer tipo de reação vacinal deve ser reportada por qualquer indivíduo vacinado, não somente as gestantes. As vacinas para covid-19 não contêm vírus vivo, nem partículas proteicas. Ou seja, essas vacinas não entram no nosso DNA e não têm como alterar o nosso material genético. Isso não acontecerá nem na paciente gestante e muito menos no feto ou no recém-nascido.

DM: Se tomaram a primeira dose ontem e tiveram o diagnóstico de gestação hoje, a recomendação é simplesmente observar sinais e cuidados sintomáticos da própria reação vacinal, e tranquilizá-las de que os riscos da vacina são mínimos. Não existe nenhuma recomendação de avaliação da gestação ou medicação além do que seria indicado a uma mulher sabidamente gestante que tomasse a vacina para covid-19. O risco de intervenção ou alteração fetal ou mesmo sistêmica da mulher é mínimo.

Há um senso comum de medo em relação às vacinas quando aplicadas em gestantes. Como isso se reflete na vacinação contra a covid-19 no Brasil?
DM: Ainda existe bastante receio em relação à vacina em gestantes, pela dificuldade de acesso a informações sobre vacinas que podem ou não ser tomadas nesse período. Vacinas não recomendadas na gestação são feitas com vírus ou bactérias vivas ou atenuadas, como as vacinas para sarampo, caxumba, rubéola e febre amarela. Apesar dos riscos de desenvolver uma doença tomando essas vacinas serem muito baixos, eles ainda existem e são doenças, em geral, potencialmente graves na gestação. Já uma vacina realizada com vírus inativado, como a da H1N1 e da hepatite B, não tem risco de gerar uma doença na gestação, sendo liberadas e incentivadas durante a gestação, se houver necessidade. A Sinovac, nossa vacina contra a covid-19, também vem sendo feita com vírus inativado, sendo bastante segura em relação à gestação. Esse desencontro de informações e a dificuldade de acesso das mulheres à informação acabam trazendo mais medo em tomar a vacina, o que potencialmente poderia causar dificuldade de vacinar esse grupo, mais morbidade e mortalidade, com maiores índices de internações. Hoje, temos uma dificuldade de vacinação no Brasil, e devemos demorar ainda para conseguir vacinar o país todo. Quando chegar a vez das gestantes serem vacinadas, que essas mulheres aceitem a vacinação. Talvez até lá os estudos com gestantes já tenham resultados divulgados para conseguirmos vacinar todas as gestantes.

ARM: Não se contrai a covid-19 por receber as vacinas disponíveis no Brasil ou qualquer outra vacina que esteja em uso em outras partes do mundo. É possível apresentar alguns poucos efeitos colaterais decorrentes da reação vacinal, mas isso significa exclusivamente que há um indicativo de resposta imune à vacinação, não à covid-19.

Há notícias de que em alguns países, como os Estados Unidos, gestantes estão sendo vacinadas. Por que isso está acontecendo? Há alguma relação com as vacinas disponíveis lá ou foi uma opção na gestão da saúde pública?
ARM: As vacinas para covid-19 que foram autorizadas pelo FDA (Food and Drug Administration), o órgão do governo americano que fiscaliza a liberação de medicamentos e vacinas, contou com o endosso do ACOG e também da Sociedade Materno-Fetal, de não descartar o uso dessas vacinas em gestantes. A recomendação é de que as gestantes conversem com seu médico sobre todos os fatores relacionados à sua gestação e à vacina contra covid-19. A decisão sobre receber a vacina ou não deve ser estabelecida entre a gestante e o médico que a acompanha. Até o momento, a limitação de dados sobre a segurança dessas vacinas em gestantes exige muito diálogo. Tanto o FDA como o CDC (Centers for Diseases Control and Prevention) estão monitorando de perto todas as informações sobre a vacinação, inclusive no período gestacional.

Algumas notícias revelaram casos em que os fetos infectados por covid-19 morreram no útero da mãe e outros recém-nascidos tiveram complicações. O que se sabe até agora sobre a covid-19 em fetos e recém-nascidos?
ARM: As evidências atuais mostram que a covid-19 em recém-nascidos é incomum. Se o neonato adquire a infecção pelo SARS-CoV-2, a maioria tem uma infecção assintomática ou uma infecção considerada leve, sem precisar de suporte respiratório, e se recupera bem. Doenças graves em recém-nascidos, incluindo a necessidade de ventilação mecânica, têm sido relatadas, mas são raras. Recém-nascidos com condições clínicas preexistentes e prematuros (com idade gestacional inferior a 37 semanas) podem ser de alto risco para a covid-19. Em relação às consequências da covid-19 aos fetos, ainda não é possível tirar conclusões devido à escassez de dados.

Quais são os direitos das gestantes e puérperas nesse período?

Quem responde à pergunta é a obstetra Daniela Menezes:
“Mesmo antes da pandemia, é garantida à gestante assistência pré-natal e ao parto na saúde suplementar. Embora existam algumas dificuldades de acesso em algumas partes do Brasil – isso não é uniforme sequer no município -, é direito dela chegar a uma unidade de saúde, fazer um Beta HGC, abrir o pré-natal e ter atendimento individualizado em relação ao pré-natal e ser encaminhada a serviços de alto risco, caso necessário. Durante a pandemia, também é um direito de mulheres que trabalham em situações de risco e estão em situação de maior vulnerabilidade (na área da saúde, no transporte público, por exemplo) solicitarem afastamento de seus espaços de trabalho por conta de insalubridade, uma vez que mulheres gestantes são grupo de risco.”

* Alexandre Rodrigues Marra, médico infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein e pesquisador do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa (IIEP) Albert Einstein

** Daniela Menezes, médica ginecologista e obstetra, especialista em sexualidade humana, e diretora do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp)

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