Fundeb e os rumos da educação básica brasileira

Entenda por que a aprovação do novo Fundeb é determinante para o futuro da educação no país

Laís Barros Martins Publicado em 22.07.2020
Fundeb: um menino negro de cabelos crespos aparece em frente a um portão verde com mochila nas costas e uma camiseta branca. As mãos juntas e a expressão facial denotam preocupação.
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Resumo

Entenda como novas votações podem impactar os rumos do Fundeb, o fundo responsável por financiar a educação básica pública no país.

Criado para garantir o direito à educação, valorizar e promover a formação de educadores, e reduzir as desigualdades entre redes de ensino estaduais e municipais, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) é o principal responsável por financiar a educação básica pública no país – da creche ao ensino médio. O fundo funciona como um “cofre” usado para o pagamento dos salários de professores, gastos com transporte, compras de material escolar e manutenção das escolas da rede pública.

Como a vigência do fundo nacional vence em dezembro deste ano, ele precisa ser renovado para continuar existindo em defesa da educação pública brasileira. Depois de cinco anos de discussões, o relatório da deputada Professora Dorinha Seabra (DEM-TO), mediante proposta de emenda à Constituição (PEC 15/15), recebeu aprovação quase unânime na Câmara dos Deputados, nesta terça (21) – foram 499 votos a favor e 7 contrários no primeiro turno, e 492 a 6 no segundo turno. Agora, o texto segue para o Senado.

Mudanças com o novo Fundeb

Se aprovado, o novo Fundeb não terá prazo de expiração; será uma política de Estado assegurada na Constituição Federal, garantindo condições de ser cobrada e efetivada; aumentará a contribuição complementar da União de 10% – cerca de 16 bilhões por ano – para 23% até 2026; e irá alterar a maneira como são distribuídos os recursos, repassando as verbas de forma proporcional às redes públicas municipais e não mais aos estados, como é feito atualmente, de modo a reduzir desigualdades.

“A ausência desses 10% representaria um desequilíbrio muito grande para as redes públicas no Brasil”, comenta Raquel Franzim, coordenadora da área de educação do Instituto Alana. “Antes, o estado com maior arrecadação estaria fora desse cálculo de complementação da União. Porém, estados muito ricos têm municípios muito pobres. Então, a PEC revê essa lógica e passa a olhar para a camada municipal além da camada estadual, entendendo que esse regime de colaboração precisa ser melhorado.”

Para Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação – conjunto de organizações da sociedade civil que defende a promoção de direitos educacionais,

“O Fundeb não só é o fundo que garante acesso e permanência para mais de 40 milhões de estudantes como também é a única política estrutural na educação que se efetivou plenamente”

O novo Fundeb corrige o principal desafio de um aumento de financiamento mais substancial da União à educação. Também está em jogo o CAQ (Custo Aluno-Qualidade), um mecanismo garantidor de lastro de qualidade, de controle social e de justiça federativa. “Este parâmetro avalia o padrão de qualidade nas escolas, com número adequado de alunos por turma, professores bem formados e valorizados, condições de acessibilidade, bibliotecas, laboratórios, internet, equipamentos, entre outros insumos básicos de qualidade na infraestrutura das escolas, sobretudo nesse momento em que estamos debatendo a volta às aulas presenciais com segurança sanitária devido à pandemia”, aponta Andressa.

Com o Fundeb, segundo cálculos da ONG Todos pela Educação, até 2026, o valor anual investido por aluno na rede pública aumentará de 3.700 para 5.700 reais. A participação da União chegará a quase 30 bilhões de reais, aumentando os recursos de 24 das 27 Unidades da Federação, beneficiando principalmente Bahia, Maranhão, Ceará, Pará e Pernambuco.

Entenda como funciona o Fundeb
Originado em 1996, como Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), o modelo atual do Fundeb (2007 – 2020) reúne parte dos impostos arrecadados pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, subsidiando, por meio de 165 bilhões de reais, cerca de 63% dos recursos destinados à educação pública no Brasil. O fundo também ajudou a ampliar massivamente o número de estudantes matriculados na escola fundamental.

Atualmente, a União distribui 10% adicionais sobre esse somatório para as unidades da Federação que tiveram menor arrecadação a fim de complementar o custo mínimo por aluno, embora este valor não seja suficiente. A média de investimento público por aluno no Brasil fica atrás de países como Chile, Argentina e Colômbia, e é quase três vezes menor do que os países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Como se posiciona o governo federal?

A aprovação do novo Fundeb pode ser considerada uma derrota para o Governo Federal, que defendia a implementação das regras somente a partir de 2022. Além disso, pretendia destinar cinco pontos percentuais dos 12% de financiamento do Fundeb, previstos para 2021, ao Renda Brasil, programa social desenhado por Paulo Guedes para substituir o Bolsa Família.

A proposta também envolvia um “voucher” para a educação infantil, uma espécie de cupom a ser usado na creche ou escola privada. Isso significaria retirar 47,8 milhões de estudantes para priorizar voucher-creche de redes privadas com até R$ 250 para crianças de zero a seis anos, enfraquecendo o ensino público e ampliando as desigualdades sociais.

“Escolas de educação infantil com o mínimo padrão de qualidade custam cinco, seis vezes mais do que esse valor apresentado pelo governo, não sendo uma política consistente que facilite o acesso das crianças a uma educação infantil de qualidade. É um grande nó que deixaria as crianças receptoras desse voucher mais vulneráveis, com uma escolha muito precarizada em termos de atendimento”, diz Raquel.

O que ainda precisa ser aprimorado no Fundeb?

Raquel destaca que gestores públicos e a comunidade escolar precisam ainda compreender o fundo como dispositivo para prever “a inclusão das quase três milhões de crianças fora da rede de educação municipal e estadual pública do país, em sua maioria negras, em situações de extrema vulnerabilidade social, com deficiência”. Sem o Fundeb, esse número pode chegar a 20 milhões de crianças fora da escola. Além disso, ainda falta atenção para fatores básicos, como aumentar vagas em creches, universalizar o acesso à pré-escola e ampliar o ensino em tempo integral.

Antes da pandemia, os recursos previstos para a educação em municípios e estados já eram escassos, havia desequilíbrio nas contas públicas e queda na arrecadação tributária. O fundo traz o mínimo de segurança financeira e jurídica para as redes públicas seguirem se organizando, mas, com a crise sanitária, foram exigidos esforços financeiros para compra de insumos e adaptações para recursos remotos de comunicação e tecnologia, bem como um planejamento para aplicar mais cuidados sanitários num possível retorno presencial às aulas no segundo semestre.

Sem o financiamento do Fundeb, apoio do governo ou investimentos justamente quando as escolas precisarão se reerguer pós-pandemia, poderá haver “um colapso”, alerta Raquel. “A paralisação ou estrangulamento levaria muitas redes públicas a não conseguirem prestar atendimento a crianças e adolescentes”.

Segundo especialistas, a aprovação do novo Fundeb é determinante para atender a grande quantidade de alunos que migrará das escolas privadas para as públicas devido à perda de renda das famílias e também como um meio de combate à evasão escolar, refletindo a realidade de muitos jovens que perderam o vínculo com as escolas ou passaram a integrar o mercado de trabalho para ajudar nas despesas de casa durante a pandemia.

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