Evolução da medicina reprodutiva segue sendo alternativa ao sonho da maternidade 45 anos após o nascimento do primeiro bebê de proveta
Com novas tecnologias menos invasivas, a fertilização in vitro é responsável pelo nascimento de mais de 7 milhões de bebês no mundo e dá esperanças para pacientes com infertilidade.
O ano era 1978 e nascia a primeira “bebê de proveta do mundo”, na Inglaterra. Seis anos mais tarde, Ana Paula Caldeira, gerada por fertilização in vitro (FIV), inaugurava a técnica bem-sucedida no Brasil e na América Latina. À época, era difícil imaginar a vida humana iniciada em um laboratório antes de chegar ao ventre materno.
Questionamentos sobre o assunto acompanharam a infância de Caldeira. Em live transmitida com a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRH), em 2021, ela recordou que sempre “queriam saber se me sentia diferente, se tinha todos os dedos das mãos e dos pés, e se eu ficava doente com frequência”.
Com a evolução da medicina, a técnica passou a ser uma aliada para o sonho da maternidade e paternidade para quem é infértil. Um a cada seis adultos enfrenta questões reprodutivas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). “A medicina reprodutiva avançou bastante e a própria FIV é muito mais assertiva daquela de anos atrás”, explica Raphael Haber, médico especialista em reprodução. Atualmente, a taxa de sucesso da fertilização varia entre 40% e 55%, dependendo da idade e condições gerais de saúde dos pacientes.
Haber conta que o perfil das famílias que procuram o procedimento é variado. “Há casais heteroafetivos, homoafetivos e futuras mães solos”. Mas, a predominância é de “casais com mulheres de mais de 35 anos e que já têm filhos de outros relacionamentos”. Casos semelhantes ao de Caldeira, cuja mãe já tinha cinco filhos do primeiro casamento.
“Sei o quanto o meu nascimento é especial e importante para a medicina, para as mulheres que não podem ter filhos e para os casais que não podem construir uma família. Mas meus pais sempre trataram isso com muita naturalidade dentro de casa e nunca foi encarado como uma diferença”, diz Caldeira.
“A primeira coleta para a FIV precisou acompanhar a ovulação direta da mulher e foi necessário fazer uma cirurgia. Hoje, fazemos tudo por ultrassonografia, que é muito menos agressiva”, explica a ginecologista e obstetra Hitomi Nakagawa, membro da diretoria da Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA). Novas técnicas que auxiliam no procedimento da fertilização in vitro também incluem laser, investigação genética e exames de imagem sem precisar de cirurgias e anestesias. “Espero que até a inteligência artificial, por exemplo, seja inserida na tecnologia de reprodução assistida para melhorar as taxas de sucesso e que seja mais acessível.”
Após 45 anos, mais de 7 milhões de bebês no mundo nasceram a partir da FIV, segundo a Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE). No Brasil, mais de 45 mil fertilizações in vitro foram feitas em 2021, de acordo com o relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio).
A evolução da medicina reprodutiva e dos direitos civis possibilitou a indicação da FIV para duas principais vertentes, “a médica e a social”, explica Nakagawa. Segundo ela, as indicações médicas estão relacionadas à preservação de fertilidade em pacientes com alguma doença como câncer, lúpus, endometriose e HIV, por exemplo. Já a indicação social entra no contexto do “adiamento de gestação de mulheres que passaram a entrar cada vez mais no mercado de trabalho, além dos novos modelos de família com mães ou pais solos, e casais homoafetivos.”
• Assisted hatching
Procedimento que utiliza um laser na película que envolve o embrião para facilitar sua implantação no útero materno.
• Fertilização por injeção intracitoplasmática de espermatozoide
Técnica sugerida para casos de infertilidade masculina em que apenas um espermatozoide é escolhido para ser injetado no interior do óvulo.
• Rastreamento genético de pré-implantacional
A partir de uma análise de células do embrião que formarão a placenta, é possível diagnosticar eventuais alterações do número de cromossomos e mutações genéticas.
Fonte: Dra. Hitomi Nakagawa, Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA)
Optar pela FIV requer planejamento familiar e financeiro, já que custa de 15 a 30 mil reais, em média, dependendo do local escolhido, da quantidade de medicamentos, consultas, exames e procedimentos que serão realizados.
Após duas perdas gestacionais e a retirada das trompas, aos 24 anos, Renata Wenceslau foi diagnosticada com infertilidade. A partir de então, iniciou o tratamento para continuar com o sonho de ser mãe. “Na primeira tentativa deu certo. Fertilizamos três embriões, fizemos a transferência de dois, mas só um implantou, que é a minha Catarina”. A menina completou 3 anos este ano.
Wenceslau conseguiu realizar todo o processo pré e pós-gestacional pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Quando perdi meus bebês, não tinha esperança de fazer um tratamento que custava caro”, conta. “Passamos por uma triagem e seguimos todas as orientações médicas. Fiz a medicação para estimulação ovariana e esperei dois meses para a transferência embrionária, além de diversos exames.”
Desde 2012, a partir da portaria 3.149, é possível realizar a FIV e inseminação artificial pelo SUS, com o diagnóstico de infertilidade. O paciente pode pedir o encaminhamento médico para o atendimento em hospitais de referência vinculados ao sistema, se o programa estiver disponível na cidade. Os pacientes passarão por uma triagem para então fazer as primeiras consultas.
Para a família, o nascimento de Catarina foi um sonho realizado, graças à reprodução assistida acessível e mais avançada. “Eu achava que não seria mais uma mãe de gestar. Sempre quis ter a sensação de uma gravidez. Hoje, minha filha é tudo pra mim, eu lutei muito para ter ela.”
A técnica é completamente eficaz?
As condições variam conforme a situação e fatores como a qualidade dos óvulos ou dos espermatozoides utilizados.
É possível escolher o sexo do bebê?
O Código de Ética do Conselho Federal de Medicina proíbe a escolha prévia do sexo do bebê, exceto em casos de doenças genéticas ligadas ao gênero.
Crianças geradas por fertilização in vitro têm a saúde frágil?
Não. Bebês gerados por FIV se desenvolvem da mesma maneira que um bebê concebido naturalmente.
Qual a diferença entre inseminação artificial e fertilização in vitro?
Na fertilização in vitro, a fecundação é feita em laboratório, a partir da extração dos óvulos e coleta de espermatozoides. Após um período de cultivo, o embrião é transferido para o útero materno. Já na inseminação artificial, espermatozoides previamente preparados são inseridos no útero na época da ovulação, e a fertilização acontece dentro do sistema reprodutivo da mulher.
Quantos embriões cada paciente pode receber?
De acordo com o Código de Ética do Conselho Federal de Medicina, o número máximo de embriões depende da idade materna: dois embriões para mulheres até 37 anos; três para mulheres acima dessa faixa etária.
Fontes: Dra. Hitomi Nakagawa, Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA)
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A fertilização in vitro (FIV) é uma das técnicas de reprodução assistida, em que o óvulo e o espermatozoide são fecundados em ambiente laboratorial, formando embriões que serão cultivados e transferidos para o útero materno. Todo o processo é acompanhado por uma equipe médica especializada.