Como crianças e adolescentes se reconhecem no espelho que esse ambiente gerado por algoritmos apresenta?
Neste artigo, as autoras discutem pesquisa que mostra os algoritmos como um jogo de espelhos: ao mesmo tempo em que adolescentes entre 13 e 17 anos passam a se ver naquilo que recebem das redes sociais, acreditam que são de fato essa imagem refletida pelas plataformas.
Interagir com amigos, acompanhar o que acontece no mundo e, principalmente, sentir-se visto e escapar do julgamento do adulto. Embora sobre interação nas redes sociais, falta conexão, afetos verdadeiros e relações humanas. Por meio dos algoritmos, as redes aproximam os iguais. Isso cria grandes bolhas de pensamento único, prejudicando a expressão da criatividade e escondendo a singularidade que nos torna humanos.
Assim, a pesquisa “Teens see social media algorithms as accurate reflections of themselves”, realizada por professores da Drexel University, na Pensilvânia, Estados Unidos, com um grupo de estudantes entre 13 e 17 anos, levantou duas questões principais. Uma é sobre como podemos educar o público infantojuvenil a compreender os efeitos causados pelos algoritmos na percepção de quem são. A outra é sobre como as sugestões “para você” podem, inclusive, modificar a construção do seu modo de atuar no meio em que vivem.
Como afirma Nora MacDonald, autora do artigo, “descobrimos que o conteúdo algorítmico personalizado parece apresentar o que os adolescentes interpretam como uma imagem espelhada confiável de si mesmos. E que eles gostam muito da experiência de ver esse reflexo nas redes sociais“. No entanto, mais do que refletir, a influência algorítmica está moldando a personalidade dessa nova geração.
Estudos já comprovaram como esse espelho dos algoritmos tem influenciado na construção da autoimagem de crianças e adolescentes. Isso tem provocado questões de saúde mental como ansiedade, depressão, automutilação, em especial nas meninas.
O que chama atenção é o quanto os entrevistados parecem não apenas concordar com o que veem nas redes sociais, mas como gostam e se identificam com as dancinhas e os conteúdos superficiais que recebem das redes. “Os adolescentes com quem conversamos dizem que preferem uma mídia social totalmente customizada. Assim, o conteúdo retrataria com o que concordam, o que querem ver e, portanto, quem são”, diz Nora. “Eles acreditam que algoritmos os do TikTok se tornaram tão bons que veem seus próprios reflexos nas redes sociais como bastante precisos.”
Do mesmo modo, eles não apenas reconhecem quando um conteúdo não os representa – como algo preconceituoso ou que contém discurso de ódio – mas imediatamente o desconsidera, rejeitando a possibilidade de que possam vir a influenciá-los de alguma maneira. “De acordo com os adolescentes em nossas entrevistas, o espelho dos algoritmos da mídia social não os torna mais autorreflexivos nem desafia seu senso de identidade”, escreve Nora. Ou seja, eles não sabem ou não se preocupam com o fato de que seus dados privados capturados nos aplicativos contribuem para a criação dessa autoimagem.
No entanto, não se pode ignorar a influência dos algoritmos na construção da autoidentidade. Se considerarmos o que se sabe sobre o cérebro de crianças e adolescentes em desenvolvimento, e o que se pode razoavelmente supor sobre a maleabilidade da autoimagem com base nos comentários que recebem (de pessoas próximas ou não), deve haver consequências nessa constante negociação da identidade com os algoritmos.
Já não é mais possível imaginar um mundo que não seja mediado pelas mídias sociais. Simplesmente afastá-los ou mesmo controlar seu acesso às redes tem sido um jogo de “gato e rato” cotidiano, e ao que parece, pouco eficaz.
Uma vez que a própria Geração Z diz estar preocupada em participar da formação de seu futuro, buscando alternativas para reverter os danos dos algoritmos à formação de sua personalidade, nosso papel – e grande desafio – é educar.
Para isso, como sugerem os autores do estudo, é preciso envolvê-los, empoderá-los e instrumentalizá-los. Assim, poderão aprender a fazer escolhas a partir da construção de padrões éticos e sustentáveis que lhes sejam oferecidos pelas experiências reais. Ou seja, para que possam conviver com as redes sociais, os jovens precisam de ferramentas de controle e conscientização de como funcionam os algoritmos, além de senso crítico.
* Clara Becker é jornalista com especialização em combate à desinformação e cofundadora do Redes Cordiais. É também formada em Letras pela UFRJ e coautora dos livros “The Football Crónicas” e “Los Malos”. Januária Cristina Alves é mestre em Comunicação Social pela ECA/USP, educomunicadora, autora de mais de 50 livros infantojuvenis e duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti. É colunista do Nexo Jornal e membro da Mil Alliance, a Aliança Global para Parcerias em Alfabetização Midiática e Informacional da Unesco.