Pesquisas dizem que as mulheres se sentem mais sozinhas, especialmente as mães. Entre perdas e expectativas, muitas se apegam a grupos ou a objetos afetivos
Entre expectativas e perdas relacionadas à maternidade, mulheres que se sentem sozinhas devem receber cuidado, acessar oportunidades de compartilhar suas dores com quem passou por situações semelhantes e inclusive recorrer a um bebê reborn, sem julgamentos.
“Sentir que seu filho não está mais no seu ventre e também não está em seu colo é de um vazio inexplicável. É muito solitário. Só a mãe pode sentir isso”, diz a psicóloga Beatriz Siviero. Para ela, que perdeu o filho Francisco, cinco dias após o nascimento, a solidão foi profunda mesmo estando cercada de pessoas que a acolheram.
Sentir-se sozinha é um sentimento comum a muitas mulheres, especialmente no contexto da maternidade. As questões podem envolver o luto materno, mas também a tentativa de engravidar, a perda gestacional, o puerpério, o ninho vazio…
“Cuidar de um filho, parir, sempre foi um evento compartilhado entre mulheres”, diz Rafaela Schiavo, psicóloga perinatal do Instituto MaterOnline. Mas, “nas últimas décadas, isso tem se tornado cada vez mais solitário. Isso porque o número de filhos diminuiu, muitas avós estão no mercado de trabalho e o contato com vizinhos se perdeu”.
Além disso, segundo ela, a sobrecarga da mulher em função dos serviços de cuidado “contribui para a solidão de mulheres tentantes, enlutadas ou que estão vivenciando a maternidade. É um sentimento profundo de isolamento”.
Para lidar com a solidão, é essencial que a saúde pública olhe para a mulher de maneira integral. Ou seja, com assistência dedicada ao cuidado físico e mental. “Oferecer acolhimento psicológico reduziria significativamente as alterações emocionais e o sentimento de solidão que geralmente está presente em contextos de reprodução assistida, luto perinatal, gestação, parto e pós-parto”, exemplifica Rafaela Schiavo.
No entanto, segundo a psicóloga, as instituições que poderiam oferecer esse suporte não encontram profissionais especializados nem uma estrutura sólida de acolhimento psicológico para mulheres tentantes, gestantes ou enlutadas.
Para a psiquiatra Carla Mendes, “muitas enfrentam o luto gestacional ou perinatal em silêncio, porque essa dor ainda é invisibilizada. A ausência de protocolos específicos na saúde pública e o despreparo de familiares em lidar com o sofrimento psíquico agravam o quadro de solidão”, afirma. “O reconhecimento social e institucional da dor que elas sentem é essencial para sua saúde mental.”
O acolhimento ideal envolve:
A Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental garante apoio e cuidado às famílias que enfrentam perdas na gestação, no parto ou logo após o nascimento. Ela prevê acolhimento psicológico, espaços reservados, direito de registrar o nome do filho, escolher o tipo de sepultamento e guardar lembranças. Além disso, estimula a capacitação de profissionais e campanhas de conscientização, reconhecendo outubro como mês de reflexão sobre o luto gestacional e neonatal.
Para eternizar os momentos que teve com o filho, Beatriz Siviero está confeccionando uma caixa de memórias para guardar todas as lembranças físicas de Francisco. Além disso, o hospital ofereceu uma “bolsinha afetiva” com os pertences de seu bebê. “Tinha o polvinho que ele segurava no leito, as meias e luvinhas. A equipe ainda fez um chaveiro com o nome dele”. Ou seja, para ela, essas pequenas coisas acalmam e reforçam o amor que pôde viver com o filho.
Para quem passou por uma perda gestacional, os objetos ganham significados de afirmação, diz Rafaela Schiavo. “É um papel simbólico, que ajuda a expressar emoções. Então, a mulher pode olhá-los e reconhecer que aquele bebê existiu, mesmo que não tenha chegado ao quarto.” Nesse sentido, “uma mulher que perdeu um filho e guarda o berço ou uma peça do enxoval pode, ao abraçar aquele objeto e chorar, reconhecer que foi real”.
A psiquiatra do Hospital Santa Mônica, Carla Mendes, explica que é um mecanismo psíquico chamado de objeto transicional, que oferece consolo temporário diante da ausência e é uma forma de manter vivo o vínculo com o filho perdido.
Longe de julgamentos, modismos ou algoritmos comerciais, a psicóloga Rafaela Schiavo comenta que os bebês reborn costumam ser mais um item colecionável entre mulheres adultas do que um objeto transicional de terapia.
“Algumas mulheres colecionam bebês reborn com todos os acessórios: roupas, berços, objetos decorativos. Portanto, elas participam de encontros para mostrar suas coleções, compartilhar experiências, trocar informações e estar entre pessoas que partilham dos mesmos interesses”, explica.
Por outro lado, a psiquiatra Carla Mendes comenta que o vínculo com um bebê reborn é seguro enquanto ferramenta simbólica e recurso terapêutico de acolhimento emocional, especialmente em situações de perda ou vazio afetivo. “Eles já foram usados no tratamento de pacientes com Alzheimer ou com ansiedade severa”, exemplifica.
Mas, se o bebê reborn começar a interferir no julgamento da realidade, então é importante ter acompanhamento de um profissional de saúde mental. “O uso contínuo, como substituição emocional de um filho, por exemplo, demanda atenção para evitar que esse refúgio se torne um aprisionamento.”
Carla Mendes sugere observar o comportamento de mulheres que passaram por traumas em contexto de maternidade e procurar atendimento especializado em casos de:
“Toda dor compartilhada fica mais leve de carregar”, diz Beatriz Siviero. Foi então que ao frequentar o grupo de apoio Colcha, ela encontrou outras mães que sofreram uma perda gestacional ou neonatal. Naquele momento, percebeu que não estava sozinha. “Poder falar sobre isso com pessoas que passaram pelo mesmo me traz um senso de compreensão.”
Como reforça a psicóloga perinatal Rafaela Schiavo, “esses encontros promovem pertencimento. Isso porque ajudam a reduzir a sensação de isolamento e proporcionam momentos agradáveis”.
De acordo com a pesquisa “Queridos estranhos”, do grupo Koga, focado em estudos comportamentais, participar de reuniões de pessoas que têm interesses ou dores parecidas e que, na maioria das vezes, não se conheciam é uma prática comum para 50% dos brasileiros. Esses “grupos intencionais”, como assim são chamados, privilegiam “a troca, o envolvimento e a reciprocidade entre todos os participantes”.
Dessa forma, os resultados mostram que 85% dos entrevistados afirmaram que o grupo os fazem pessoas mais felizes e 87% disseram que as reuniões os fizeram perceber que não estão mais sozinhos.
Contar com esses espaços de compartilhamento e interação é uma forma de remediar o sentimento de solidão. Rafaela Schiavo conclui que, em meio a processos dolorosos, “a socialização é positiva tanto para quem se sente sozinho quanto para quem simplesmente busca companhia para dividir interesses e experiências que geram identificação”.
Solidão feminina
Pesquisas mostram que a modernidade, junto ao excesso de tecnologias, somam fatores para o que a Organização Mundial da Saúde (OMS) chama de “epidemia da solidão”. Oficialmente declarada em 2023, como um efeito pós-covid 19, é também uma questão de saúde global. Estudos do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, por exemplo, apontam que as mulheres vivenciam a solidão por causa das expectativas sociais em cima dos múltiplos papéis que desempenham.