Educação socioemocional transforma a vida de crianças brasileiras

Com dados inéditos do Brasil, estudo feito pela OCDE mostra que o desenvolvimento de competências socioemocionais contribui para um melhor desempenho escolar

Beatriz Carneiro Camilla Hoshino Publicado em 29.04.2024
Um grupo de crianças de diferentes etnias e usando roupas coloridas estão sentadas e conversam entre si. A matéria traz os dados de um relatório da OCDE apontou que as competências socioemocionais favorecem a aprendizagem, o bem-estar e a saúde mental dos estudantes.
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Resumo

Um relatório da OCDE apontou que as competências socioemocionais favorecem a aprendizagem, o bem-estar e a saúde mental dos estudantes. Experiências em Sobral, no Ceará, mostram como a educação socioemocional tem transformado a vida de crianças e adolescentes da região.

O desenvolvimento de competências socioemocionais faz parte da vida escolar e impacta na aprendizagem, no bem-estar e na saúde mental de crianças e adolescentes. De acordo com o relatório recém-divulgado pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a maneira como cada um pensa, age e se comporta tem relação com aspectos como colaboração, regulação emocional, engajamento, abertura ao novo e desempenho de tarefas.

Um dos principais resultados do estudo, realizado na cidade de Sobral, no Ceará, com estudantes de 10 e 15 anos de idade, é a confirmação de que as competências socioemocionais ajudam a obter melhores notas entre estudantes de 15 anos. Aqueles que relataram níveis mais elevados de entusiasmo tendem a se sair melhor em matemática e em artes, enquanto estudantes mais assertivos tendem a se destacar em matemática e leitura.

Isso desmistifica a ideia de que o tempo dedicado ao desenvolvimento ativo dessas habilidades poderia prejudicar os demais componentes curriculares. Pelo contrário, eles melhoram os índices de aprendizagem.” É o que afirma a pesquisadora Karen Teixeira, do laboratório de pesquisa do Instituto Ayrton Senna, responsável pela implementação do estudo no Brasil.

Mas esse desenvolvimento cai ao longo dos anos. A pesquisa indica que, em geral, os estudantes de 15 anos relataram níveis mais baixos na maioria das competências do que os estudantes de 10 anos. “Uma hipótese é a de que os estudantes mais novos, que estão no fundamental 1, têm laços mais estreitos com os docentes. Então, isso viabiliza a formação de desenvolvimento socioemocional em sala de aula”, pondera Karen.

Segundo a pesquisadora, o dado indica a necessidade de olhar com mais atenção para a promoção dessas habilidades no fundamental 2 e no ensino médio. Assim, estudantes podem se sentir mais saudáveis, seguros e preparados para lidar com suas emoções de forma mais positiva ao longo da vida escolar.

Sobral lidera expectativa de conclusão do ensino superior

Enquanto dados gerais do estudo da OCDE mostram que 84% dos estudantes esperam concluir o ensino superior, em Sobral, eles são 97% dos jovens de 15 anos. Em relação a ter um emprego gerencial ou profissional aos 30 anos, são 57% dos dados gerais contra 60% no município cearense.

Para Douglas Rubens Pires do Nascimento, 14, aluno da Escola Maria José Ferreira Gomes, em Sobral, os programas de desenvolvimento das competências socioemocionais da rede pública para estudantes do 6° ao 9° ano ajudaram a conectá-lo com seu projeto de vida: tornar-se engenheiro civil.

“No sexto ano, pós-pandemia, minha principal dificuldade foi me entrosar com as outras pessoas.” Mas isso mudou no início do 7º ano, afirma, após uma semana de acolhimento na escola. Naquela ocasião, a fala de outros alunos sobre a importância das competências socioemocionais despertaram nele a vontade de ser protagonista.

Atualmente, Douglas está envolvido com o Projeto de Vida (PV) e o Protagonismo Juvenil (PJ), ambos desenvolvidos pelo Instituto Ayrton Senna, em parceria com a Secretaria de Educação do município. Nessas iniciativas, o foco de disciplinas como história, artes e geografia não está apenas na parte cognitiva, mas também em competências como a autogestão e a autoconfiança dos jovens.

Hoje, capaz de falar em público sem dificuldade e de se relacionar bem com seus colegas, Douglas reconhece que isso só foi possível graças ao apoio da escola no manejo de suas emoções e em seu autoconhecimento. “É inviável imaginar uma comunidade que negligencie esse aspecto do desenvolvimento humano”, diz.

Educação socioemocional no combate à violência

Para a orientadora educacional Jamile Barbosa, que desde 2021 lidera a implementação dos projetos na escola e auxilia na formação dos professores para atuar no desenvolvimento das competências socioemocionais em sala de aula, é perceptível a diferença na vida de crianças e adolescentes. Especialmente daqueles que vivem em regiões periféricas do município, em um contexto marcado pela violência.

Dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), de 2023, mostram que Sobral registrou 61 homicídios dolosos, 124 armas de fogo foram retiradas de circulação, 241 mandados de prisão foram executados, bem como houve apreensão de 896 munições e de 61 quilos de entorpecentes, incluindo cocaína, crack e derivados da cannabis (maconha e haxixe).

Segundo ela, a escola reconhece o contexto em que os alunos estão inseridos e, por isso, prioriza o desenvolvimento de duas habilidades-chave: resiliência emocional e amabilidade. “A resiliência emocional tem ajudado os estudantes a lidarem com estresse e frustração. A autoconfiança é essencial para enfrentar desafios e superar adversidades”, afirma. “Já a amabilidade ajuda-os a construir relacionamentos interpessoais saudáveis, promovendo cooperação, colaboração e apoio mútuo.” Assim, desenvolver empatia, respeito e confiança permite aos alunos compreender as necessidades dos outros e agir de forma solidária.

“O desenvolvimento das competências socioemocionais tem contribuído para a construção de um ambiente escolar mais positivo, seguro e acolhedor, onde todos os alunos se sentem valorizados e capazes de alcançar seus sonhos”, diz Jamile.

“Após a pandemia, muitos alunos chegaram aqui tristes, sozinhos e com a convicção que não podiam sonhar. Eles eram apenas mais um número. Hoje, no entanto, eles estão se sentindo acolhidos”, complementa a orientadora.

Como resultado também da integração das competências socioemocionais nas disciplinas do currículo, a evasão escolar tem diminuído. Nesse sentido, o estudo da OCDE é um importante indicador para embasar políticas públicas que combatam o abandono escolar, defende a pesquisadora Karen Teixeira. “Quanto mais competência de autocontrole, responsabilidade, determinação e persistência, relacionadas ao desempenho de tarefas, menores são as taxas de faltas e atrasos.”

Sobre o estudo

Esta é a segunda rodada do estudo “Competências socioemocionais para uma vida melhor”, que envolveu 16 países e entidades subnacionais ao redor do mundo. Foi a primeira vez que a implementação do estudo principal aconteceu no Brasil, em Sobral (CE). Foram mais de 4.500 participantes, entre estudantes, professores, diretores escolares, e pais e responsáveis. As 15 competências socioemocionais avaliadas estão divididas em cinco macrocompetências, a saber:

  • Abertura ao novo: curiosidade, criatividade e tolerância;
  • Colaboração: confiança e empatia;
  • Desempenho de tarefas: autocontrole, responsabilidade, determinação e persistência;
  • Engajamento com os outros: iniciativa social, assertividade e entusiasmo;
  • Regulação emocional: tolerância ao estresse, controle emocional e otimismo.

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