Ações que incentivam a educação midiática nas escolas e por meio da arte são caminhos para combater notícias falsas
A educação midiática nas escolas é um direito de crianças e adolescentes contra a desinformação. Saiba o que pode ser feito em sala de aula e como a arte também ajuda a refletir sobre os impactos das fake news durante a infância.
“Embora não haja uma solução única e definitiva para o problema da desinformação e seus impactos entre crianças e adolescentes, certamente a educação midiática é uma das soluções para enfrentar as fake news”, afirma Daniela Machado, coordenadora do programa EducaMídia, que promove capacitação de professores e engajamento da sociedade para o tema. Isso porque a educação ou alfabetização midiática “prepara cada um de nós com um olhar mais crítico e responsável com a informação que recebemos, compartilhamos e produzimos”.
Quando 43% das crianças e adolescentes não sabem verificar se uma informação encontrada na internet está correta, como apontou a pesquisa Tic Kids 2022, e 91% dos brasileiros acreditam no poder que as notícias falsas têm de influenciar a opinião das pessoas, como mostrou a pesquisa “Redes sociais e notícias falsas”, publicada em junho pelo Instituto de Pesquisa DataSenado, especialistas procuram caminhos para combater a disseminação de conteúdo falso na internet.
Como estimular então essas reflexões e inspirar mudanças reais no dia a dia de crianças e adolescentes?
Mais do que tornar crianças e adolescentes aptos a consumir informações e formar opiniões de maneira mais crítica e reflexiva, a educação midiática é um direito. Machado comenta que, “sem essas habilidades, esse grupo fica excluído do poder de ter mais voz a partir da internet e das redes sociais”.
Para a especialista, a educação midiática deve fazer parte do dia a dia das escolas. Prevista na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), por meio de temas ligados à produção de conteúdo, ao radiojornalismo e à criação de habilidades específicas de combate à desinformação, Machado dá exemplos de como “abraçar a educação midiática de maneira direta”. Na matemática, “temos a oportunidade de discutir como uma determinada escala pode nos levar a interpretar um gráfico de maneira equivocada, ou como a informação pode ser distorcida ao ser apresentada graficamente”. Na história, “podemos discutir o perigo da história única, de um único ponto de vista”.
A BNCC define a “cultura digital” como a habilidade de “compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva” (BNCC, 2018).
Porém, um dos desafios que persiste é a desigualdade no acesso à tecnologia: enquanto 83,4% das escolas de ensino fundamental do Centro-Oeste contam com infraestrutura de internet banda larga, o número cai para 31,4% e 54,7% no Norte e Nordeste, respectivamente, conforme aponta o Censo Escolar 2022. Outro ponto de atenção é a falta de capacitação de professores e profissionais de educação para trabalharem efetivamente a educação midiática; como as tecnologias são atualizadas a todo instante e os investimentos em educação são insuficientes para que essa realidade possa ser acompanhada na mesma velocidade, muitos experimentam uma espécie de “corrida contra o tempo”.
Ana de Medeiros Arnt, mestre e doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), fala da necessidade de capacitar professores para que eles possam “trabalhar com a desinformação e combatê-la dentro do espaço escolar”. Contudo, segundo ela, “é preciso que os professores tenham tempo para preparar materiais adequados ao seu grupo de alunos”, o que vai na contramão do novo ensino médio, critica. “O NEM diminui a carga horária de conhecimentos específicos e pulveriza a formação em inúmeras áreas imprecisas, com docentes que não tiveram condição e suporte necessários para atuar de forma fundamentada com suas turmas.”
A coordenadora do EducaMídia reforça que, apesar de ainda estarmos em períodos de adaptação e discussão sobre como fica a BNCC, não devemos esperar que o problema do acesso seja resolvido para discutir esses temas urgentes. “É possível desenvolver projetos, ações ou planos de aula com alguns temas de educação midiática.”
Para ela, mesmo que a inserção da educação midiática nas escolas ainda seja feita de forma “desplugada”, sem continuidade, crianças e adolescentes têm direito a experiências de qualidade em ambientes digitais.
“Se algum professor realiza uma atividade em que incorporou à prática pedagógica debates ou reflexões sobre desinformação, é uma oportunidade de avanço”
Além do papel da escola em tratar os impactos da desinformação na vida de crianças e adolescentes, o letramento digital e a leitura crítica de informações devem estar garantidos em diferentes espaços sociais, como diz a BNCC. A Companhia de Teatro Heliópolis explorou a arte como caminho complementar para debater as consequências dos discursos de ódio e a escalada da intolerância no Brasil entre o público infantojuvenil.
Segundo oestudo “Social Media and Youth Mental Health” (Mídias sociais e saúde mental da juventude, em tradução direta), a maioria (64%) dos adolescentes entrevistados se diz exposta frequentemente ou às vezes a conteúdo com discurso de ódio. Então, o diretor Miguel da Guia Rocha Silva buscou “construir uma poética para falar de temas urgentes e necessários na atualidade” e como esses fatores afetam a população por meio de notícias falsas ao adaptar a pesquisa “Quando o discurso autoriza a barbárie” para o teatro. “É uma possibilidade de se falar sobre desinformação de maneira crítica.”
Já “Detetives do Espavô”, da Trupe DuNavô e Grupo Esparrama, quer “puxar um papo” com as crianças e convidá-las a brincar de investigadores para se livrar das notícias falsas, um dos maiores vilões dos tempos atuais. Por meio de música e circo, o Espavô, chefe do maior grupo de detetives do mundo, ensina um método simples, que batizou de ICC: Investigar e Confirmar antes de Compartilhar.
Com a intenção de evitar desastres ou pequenos embaraços causados pela desinformação, o diretor Iarlei Rangel conta que “é preciso ser curioso e ir a fundo naquilo que nos interessa” antes de compartilhar material na internet, para garantir que não se espalhem notícias falsas, que podem “gerar confusão e nos levar a tomar decisões muito ruins”.
“Às vezes, uma simples checagem no site de buscas é suficiente para encontrar evidências de uma mentira na internet!”
Está em tramitação o Projeto de Lei 2.630/2020, conhecido por PL das fake news, que, entre outros objetivos, visa combater a desinformação e tratar da responsabilização e transparência das plataformas digitais. Você pode contribuir com a construção de um marco regulatório brasileiro sobre plataformas digitais participando da consulta pública aberta pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), até 16 de julho. Outras iniciativas têm buscado a proteção de crianças e adolescentes nos ambientes digitais e virtuais. Nas regras definidas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para interpretação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em todas as análises de uso e tratamento de dados de crianças e adolescentes deve prevalecer o melhor interesse do menor de idade. Também a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado aprovou o PL 2.628/2022, que proíbe a criação de contas em redes sociais por menores de 12 anos, veda a publicidade infantil em ambiente on-line e regula os jogos eletrônicos. O texto segue agora para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
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