A transformação passa por se pensar uma escola onde haja entendimento de quem somos, onde estamos e para onde queremos ir
A descolonização do currículo como potente caminho para ampliar as formas de trabalhar em sala de aula e conferir significados ao que as crianças aprendem, resgatando a história do Brasil e do povo brasileiro.
“Não se acende uma fogueira com lenha molhada.” Quando li esse provérbio iorubá pela primeira vez, passei a refletir sobre a importância de ir na raiz da história do povo brasileiro e trazer algumas ideias para trabalhar com as crianças em sala de aula, garantindo a elas uma aprendizagem significativa.
Não há como negar a influência e as consequências da colonização em vários aspectos da nossa história, cultura e economia, o que impacta também a educação. Por muito tempo, fomos afastados da nossa verdadeira história e de nossas origens, aceitando a cultura branca europeia como única e verdadeira.
Para evitar incômodos e desconfortos, colocamos as questões étnico-raciais de lado e alimentamos a ilusão de que não tocar no assunto resolveria. O silêncio nos custou caro. O resultado é um passado muito mal resolvido, e seguimos reproduzindo e reforçando aspectos da “herança” escravagista.
Esse apagamento nos distanciou do entendimento de quem somos.
Ao pesquisar como abordar a emergência climática no ambiente escolar, por exemplo, percebi como seria complicado tratar do assunto sem falar de questões raciais, do capitalismo, neoliberalismo e da colonização. Ao mesmo tempo, havia o desafio em trazer a temática ambiental para sala de aula de forma crítica, honesta e adequada a crianças de 10, 11 anos.
A conversa sobre a história do Brasil com a turma do 4º ano do ensino fundamental I se deu a partir de leituras, vídeos, imagens e muita pesquisa, de ambas as partes. Mesmo depois de tantos anos na educação, tenho muito a aprender com as crianças. Conseguimos, juntos, incluir diversos conteúdos que relacionavam as questões ambientais e raciais e uma série de debates (passando por ancestralidade negra, povos originários, racismo, problemas ambientais, alimentação, consumo, desigualdade de classe, raça e gênero, além da exploração e ganância usando pessoas e a natureza) evidenciou como os temas se conectam com nossa vida. A curiosidade, o interesse e o envolvimento das crianças para entender nossas origens só aumentaram.
A autonomia automaticamente leva ao protagonismo na aprendizagem.
Depois de me prender por muito tempo a alguns moldes, seguindo a ideia de conteúdos e resultados, entendi como o significado é importante na aprendizagem. A forma escolar estava martelando na minha cabeça: Como deixar as aulas mais interessantes? Como tornar as crianças protagonistas da própria aprendizagem?
Não é tarefa fácil, nem quero romantizar os inúmeros desafios enfrentados na escola pública e por uma educação precarizada. Estou na educação há duas décadas e jamais quero me colocar como alguém que está sempre satisfeita com a rotina escolar. O aprendizado é constante e os incômodos são fundamentais para nos movimentar. Apesar do esforço para proporcionar uma aprendizagem significativa com uma média de 30 estudantes por sala, é impossível ter uma aula diferenciada todos os dias.
Embora a fogueira não se acenda com lenha molhada, precisamos buscar alternativas possíveis através de temáticas que nos conectem com as práticas sociais e que estabeleçam relação com a realidade. Quem sabe ao pensar numa escola onde haja entendimento de quem somos, onde estamos e para onde queremos ir, poderemos sonhar com um caminho de transformações.
* Simone Goes é mestranda no Programa de Mudança Social e Participação Política na EACH-USP, e professora na rede pública municipal de São Paulo.
** Este texto é de exclusiva responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Lunetas.
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