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Resumo
O protagonismo de crianças e jovens como agentes de transformação é visto em projetos de impacto social que utilizam plataformas virtuais e são exemplos de como exercer a cidadania digital na prática.
Há uma discussão que atravessa não apenas a segurança de dados e o consumo de conteúdos na internet por crianças e jovens, mas também sua participação como protagonistas no ambiente digital. Além de usar a internet como ferramenta de socialização, entretenimento e aprendizado, é possível explorá-la como meio de transformação? A resposta é sim, e são inúmeros os projetos criados por jovens que usam o espaço virtual como instrumento para o exercício pleno da cidadania.
Nesse contexto, é imprescindível que famílias e educadores estejam atentos e abertos a aprendizados, para ajudar crianças a se tornarem protagonistas no espaço digital e poderem expressar sua criatividade, suas opiniões e suas individualidades. Assim, tanto adultos quanto crianças poderão compreender e exercer direitos, deveres e responsabilidades no uso da internet a partir de um conjunto de elementos conhecido como cidadania digital.
O que é cidadania digital?
“Cidadania digital é um termo que vem sendo utilizado para destacar o rol de direitos e deveres de quem vive em uma sociedade cada vez mais permeada por tecnologias digitais”, explica Priscila Gonsales, fundadora e diretora do Instituto Educadigital, que tem como foco a promoção dos direitos digitais.
“Faz parte da cidadania digital exercer a participação ativa na sociedade, visando sua transformação e melhoria constante”
O professor Paulo Rená, mestre em Direito e pesquisador do Grupo Cultura Digital & Democracia, explica que o conceito também pode ser entendido como o exercício dos direitos civis mediados por ferramentas de informação e de comunicação.
“É a possibilidade de manifestar opinião, identidade, vontades e crenças na construção das políticas dentro da cidade, não só enquanto espaço físico, mas também de sua organização”, acrescenta.
Embora a cidadania digital esteja pautada no ambiente virtual, não existe uma dualidade entre o espaço on-line e o espaço físico e entre cidadania analógica e digital. Paulo explica que “assim como é impossível a gente falar de separação entre corpo e mente, a cidadania hoje só existe com o digital e com o analógico”.
“Para construir a cidadania digital, precisamos facilitar o acesso às ferramentas digitais via políticas que tornem a tecnologia um bem público”
Em tempos de pandemia e distanciamento social, em que o espaço virtual torna-se meio imprescindível para estudar, trabalhar ou falar com outras pessoas, a necessidade de acesso é ainda mais presente. “Não apenas porque precisamos nos conectar, produzir e aprender remotamente, mas também por evidenciar as desigualdades de acessoà internet”, acrescenta Priscila.
Como exercer a cidadania digital plena entre crianças e jovens?
“A cidadania digital deve estar na educação escolar e familiar”, afirma Priscila. A especialista recomenda que famílias e educadores possam, primeiro, entender os diferentes aspectos do ambiente e da cidadania digital para, então, discutir com crianças e jovens temas como cyberbullying– práticas depreciativas nas redes sociais que afetam outra pessoa -, direito e acesso à informação, importância da proteção de dados pessoais, perigos da superexposição, liberdade de expressão, identificação de notícias falsas, entre outros.
Um dos caminhos apontados pela especialista é o de conversar sobre o assunto abertamente em casa, incentivar a reflexão, trazer exemplos concretos e próximos da realidade das crianças, além de mostrar pontos positivos das tecnologias digitais.
“A internet pode encurtar distâncias, possibilitar viagens sem sair de casa, criar ações solidárias de forma colaborativa, além do potencial de aprendizagem constante”
No entanto, é importante ensinar desde cedo que o ambiente digital reproduz problemas existentes na própria sociedade e, por isso, é precisoatençãoao acessar conteúdos e usar plataformas digitais. “Devemos seguir os mesmos cuidados que temos ao andar na rua ou ao falar com pessoas que não conhecemos”, exemplifica.
Um exercício proposto por Paulo, diante da ameaça de exposição excessiva no ambiente virtual, é a possibilidade de criar dinâmicas com grupos menores, como a família ou a turma da escola. “Quer ser youtuber? Então, vamos fazer vídeo para a família. Podem surgir críticas, mas será em um universo de pessoas onde já existe vínculo afetivo”, aponta.
Nesse ambiente, há crianças e jovens utilizando plataformas digitais para mostrar que têm voz, promover causas e desenvolver projetos de impacto social. Em resumo, uma geração que exerce plenamente a cidadania digital.
Conheça alguns projetos
Luz, Câmera e Ação: audiovisual e ressignificação da própria história (MG)
Contar as próprias histórias a partir de animações audiovisuais é a proposta do projeto Luz, Câmera e Ação, que nasceu em 2017. Crianças, entre sete e 12 anos, foram apresentadas a uma série de livros infantis pela bibliotecária Sheila Rodrigues de Oliveira, da Escola Municipal de Ensino Fundamental Newton Amaral Franco, em Contagem (MG). Os contos inspiraram os alunos a criar suas narrativas envolvendo desde memórias familiares a sentimentos como bullying, racismo ou outras violências a partir de curta-metragens animados por meio da técnica de stop motion, sempre com a ajuda de seus educadores. “Nós escrevemos um texto sobre a nossa perspectiva, o que a gente pensa e o que a gente vê no mundo. Depois, colocamos em prática gravando e divulgando”, conta Kettelen, 12, uma das participantes do projeto e autora do filme “Menina Estranha“.Os vídeos foram publicados no YouTube, inspirando outras crianças da escola a também criarem suas produções. Em julho de 2019, os pequenos cineastas viajaram para o Rio de Janeiro (RJ), onde os filmes “Dia de Chuva” e “Chapeuzinho Vermelho” foram apresentados no maior festival de animação da América Latina, o Anima Mundi, e no mesmo ano foram finalistas do Desafio Criativos da Escola – iniciativa do Instituto Alana que encoraja crianças e jovens a transformarem suas realidades.
Cineclub Terra Firme: crianças no combate à Covid-19 (PA)
No primeiro mês de isolamento social no Brasil, Laura, 11, e seu irmão, Ian, 15, lançaram um vídeo acompanhado da hashtag #NãoTeFazDeLesa. A expressão, muito comum em Terra Firme, bairro da região metropolitana de Belém (PA), se tornou uma campanha para chamar a atenção da comunidade sobre os riscos do novo coronavírus e como se prevenir. Com pitadas de humor, mas cheios de informações, os irmãos falam sobre a importância de usar máscara, lavar as mãos e como se proteger ao sair de casa. Eles aproveitam também para fazer críticas sociais, apontando os desafios das periferias diante da pandemia.A ideia surgiu no projeto Cineclub TF (Terra Firme), que abrange uma série de ações para crianças e jovens negros. “A hashtag foi criada no intuito de orientar sobre a prevenção do coronavírus em uma linguagem periférica. É importante que as crianças e jovens da periferia usem a internet para se comunicar um com o outro e se ajudar”, conta Laura. Seu irmão, Ian, explica que “a Organização Mundial de Saúde ignora a realidade da periferia. Muitas vezes, não temos condições de comprar álcool em gel, falta saneamento básico e, assim, não conseguimos seguir as orientações”. Foi por meio do Cineclub TF que eles tiveram a oportunidade de refletir sobre assuntos que afetam a sociedade e disseminá-los nas redes sociais, sempre com a supervisão da mãe, Lília Melo, coordenadora do projeto e educadora.
Imprensa Jovem: crianças repórteres (SP)
Um microfone na mão, uma câmera e muitas perguntas na ponta da língua. Criado em 2005, o Imprensa Jovem, projeto da Secretaria Municipal de Educação da cidade de São Paulo busca mostrar como crianças e adolescentes podem criar seus próprios conteúdos multimídia, tornando-se pontes entre suas escolas e comunidades. Há cerca de 100 agências de notícias nas escolas de Ensino Infantil e Fundamental da capital paulista. O protagonismo é todo das crianças, mas o processo pedagógico é acompanhado pelos educadores. As coberturas realizadas pelos meninos e meninas envolvidos no projeto são divulgadas em blogs e compartilhadas nas redes sociais.Um exemplo disso é o que vem fazendo a EMEF Luiz David Sobrinho, com o Jornal LDS, sigla do nome da escola, localizada no bairro do Jaraguá, região norte da periferia de São Paulo. Sandy, 14, conta que aprendeu não só a comunicar, mas a se perceber de outro modo. “Eu tinha muita vergonha de tudo, eu não conseguia falar em público, começava a tremer. Agora eu consigo ter liberdade para falar”. O uso da internet vai desde a pesquisa para as entrevistas e programas até a publicação nas redes sociais, por meio do YouTube e Facebook. “Já fui âncora e entrevistadora. Mesmo sendo tímida, eu consigo me expressar na câmera. Eu sinto que as pessoas me veem. Na escola, dizem que acham legal como converso com a câmera, algumas alunas até falaram que queriam fazer jornalismo depois que me viram no jornal. Fiquei muito feliz, porque sinto que transmite confiança e inspira as pessoas a quererem fazer aquilo também”.
Manu Trigo: inclusão e protagonismo infantil (SP)
Manu tem 12 anos e, possivelmente, você já a viu nas telas. Isso porque ela atuou na série Aruanas (Globo/Maria Farinha Filmes), sendo a primeira atriz mirim com paralisia cerebral da televisão brasileira. Desde o início das gravações, Manu resolveu mostrar nas redes sociais os bastidores. Com apoio e mediação da mãe, Juliana Trigo, o grande objetivo era “mostrar para as pessoas como é a vida de uma criança com deficiência”, explica Manu. “Eu falo de inclusão, família, amigos, escola, mostro os bastidores da série e sobre as minhas terapias”.No perfil, adultos e crianças interagem com ela. “Eu chamo os meus seguidores de meus fãs e adoro quando me escrevem. Eu gosto de colocar vídeos, fazer lives e mostrar que tenho uma vida igual a de qualquer criança”. Manu faz parte também do Projeto LIA (Lazer, Inclusão e Acessibilidade), um movimento nacional que utiliza plataformas digitais para difundir a importância da inclusão em espaços de lazer da cidade.
Fora da Bolha: combatendo o preconceito com empatia (MG)
Meninas e meninos perceberam que nem sempre eram ouvidos como gostariam, seja no ambiente escolar ou em suas casas. Com o desejo de expressar o que sentiam e também refletir sobre os problemas familiares que alguns vivenciavam, eles criaram o projeto Fora da Bolha, dentro da escola, em Itabira (MG). A ideia partiu de uma aluna, que se incomodava com os casos de homofobia que presenciava no espaço escolar. “Não só eu, mas vários colegas percebiam o preconceito que vinha de outros estudantes e professores. Então, tivemos a ideia de conscientizar as pessoas sobre como as palavras e as piadas refletem na gente e causam sofrimento”, conta Maria Clara, 13.Em seguida, selecionaram os temas mais comuns em discussões e relatos de colegas, como racismo, violência doméstica e machismo. Com mediação da educadora, os alunos envolvidos no projeto entrevistaram outros estudantes e, a partir das histórias coletadas, criaram roteiros, gravaram e publicaram os vídeos no YouTube. “Dramatizamos as histórias que ouvimos de preconceito pela orientação sexual, de falta de empatia. A plataforma ajudou a mostrar para todo mundo como o preconceito faz com que o aluno sofra mais”. As primeiras sessões foram exibidas apenas no ambiente da escola, durante as aulas, com o intuito de trazer novas reflexões, incentivar a solidariedade e abrir um canal para o diálogo. “O projeto me mudou profundamente. Percebi que minha voz tem poder, porque quando estou gravando um vídeo, estou também combatendo o preconceito e fazendo cada vez mais pessoas entenderem o que é isso”. Em novembro, o projeto – um dos sete selecionados no Desafio Criativos da Escola 2019 – foi apresentado durante a 1ª Conferência Global de Crianças e Jovens Eu Posso, em Roma, na Itália.
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