Crianças negras desaparecidas: até quando vamos aceitar?

Ao lutar pelos direitos de crianças pretas e pardas estamos protegendo também todas as infâncias, de maneira integral e implacável. ‘Crianças negras importam!’

Renato Noguera Publicado em 08.01.2021
Perfil de um menino negro olhando para o lado esquerdo da tela.
OUVIR

Resumo

O desaparecimento de três crianças negras na Baixada Fluminense é mais um exemplo de como a sociedade negligencia o direito dessas crianças gozarem a infância. “É preciso um pacto político-social que garanta a infância das crianças negras”, convoca Renato Noguera.

Por que precisamos reforçar o chamado de que crianças negras importam? Um fato ocorrido no dia 27 de dezembro de 2020 é um dos motivos para não esquecermos essa convocação política.  Nesse dia, Lucas Matheus, 8, seu primo Alexandre da Silva, 10, e o amigo Fernando Henrique, 11, desapareceram após saírem de suas casas pela manhã para brincar num campo de futebol no bairro Castelar, na cidade de Belford Roxo (RJ)

A investigação foi assumida pela Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense e, até a publicação deste artigo, os meninos ainda não tinham sido encontrados. A Polícia Civil segue sem pistas sobre o paradeiro das crianças.

O caso desses três meninos não é isolado. As crianças negras (pretas e pardas) são maioria entre as desaparecidas: só no estado do Rio de Janeiro, representam 73,18% do total segundo dados da Fundação para a Infância e Adolescência.

Outro estudo demonstrou que, nas 17 cidades brasileiras com mais de 1 milhão de habitantes, 86% das crianças em situação de rua são negras.

A expressão “crianças negras importam” pretende chamar atenção para um problema crônico e incontornável: os assassinatos e os diferentes tipos de violências de que são vítimas, o alto número de desaparecimentos de crianças negras, a situação de rua que elas protagonizam, além da desigualdade no acesso à escolarização e a serviços de saúde.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018, a taxa de analfabetismo de pretos ou pardos é de 9,1% enquanto a de brancos é de 3,9%.

Quando o assunto é saúde, pesquisa da Unicef aponta que uma criança negra tem 25% mais chances de morrer antes de completar um ano do que uma criança branca e que  o risco de morte por desnutrição é 90% maior entre crianças pretas e pardas do que entre as brancas.

Todos esses dados compõem o que nós chamamos de necroinfância, ou seja, um  conjunto de práticas, técnicas e dispositivos que não permitem que as crianças negras gozem a infância.

O desaparecimento de Lucas, Alexandre e Fernando merece atenção como a ponta do iceberg  de um problema profundo. Não é de hoje que crianças desaparecem, são mortas e sofrem abusos, principalmente as crianças negras. As suas famílias estão buscando uma resposta e a opinião pública não está devidamente mobilizada.  

Este artigo é um convite para as mais diversas instâncias sociais, sejam da sociedade civil, de institutos de pesquisas e oficiais do Estado brasileiro, assim como aqueles comprometidos com o cuidado e a provisão das crianças e a construção de participação política infantil nos processos de elaboração da democracia. O convite é simples:

Nós precisamos urgentemente de um pacto político-social que garanta a infância das crianças negras.

Um esforço coletivo de toda sociedade para encontrar Lucas, Matheus e Alexandre faz parte desse pacto. “Crianças negras importam” significa que toda sociedade deve estar empenhada em cuidar da infância de modo implacável. 

Proteger as crianças é inegociável.

Não podemos aceitar que crianças desapareçam em hipótese nenhuma. O silêncio é um crime.

Leia mais

Comunicar erro
Comentários 1 Comentários Mostrar comentários
REPORTAGENS RELACIONADAS