‘Eles só brigam.’ Como lidar com os conflitos entre irmãos

Será mesmo que a convivência fraterna sempre ocorre em meio a muitas discussões? O que fazer para tornar a convivência mais saudável?

Cintia Ferreira Publicado em 24.03.2022
Duas crianças, uma menina mais velha e um menino menor, estão de costas um para o outro com os braços cruzados. A matéria é sobre conflitos entre irmãos
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Resumo

Quem tem irmãos sabe que os desentendimentos podem fazer parte da rotina tanto quanto dormir e comer. Mas será que é normal ter tantos conflitos assim? Quais são as recomendações dos especialistas na hora de mediar essas brigas?

Aparentemente, tudo está em paz. Até que, de repente, uma das crianças começa a brigar com a outra. O volume das discussões aumenta, um dos pais entra em cena, perguntando o que houve. Segue-se uma troca de acusações: “foi ele que começou”, “eu não fiz nada”… Nessa hora, os pais respiram fundo, sem saber o que fazer, e pensam: o que há de errado com meus filhos que só brigam? Talvez esse seja o som ambiente de muitos lares que precisam lidar com os conflitos entre irmãos. Mas será que isso é normal? Irmãos realmente brigam muito? Quando é que os pais devem se preocupar com esses desentendimentos? 

“Conflitos entre irmãos são normais”, tranquiliza a psicóloga clínica Mariuza Pregnolato. “Já a capacidade de solucioná-los adequadamente deriva da existência de um ambiente emocional saudável e acolhedor no âmbito familiar”, explica. Segundo ela, é natural que o primogênito, quando pequeno, tenha ciúmes do irmão mais novo, em relação aos pais. Isso porque ele sente que perde parte da atenção que recebia e pode passar a ver o irmão como rival. “Esse sentimento pode ser amenizado com uma preparação para introduzir o novo membro da família, evitando-se mudanças drásticas próximo ao nascimento do bebê para que o filho mais velho não associe suas perdas à chegada do irmão”.

Conforme o irmão mais novo cresce e vai ganhando autonomia, ele passa a “avançar” sobre o espaço e os brinquedos do mais velho, que pode não estar tão acostumado a compartilhar. Foi o que ocorreu na casa da Adriana Caldas, mãe do Vincenzo, 14, e da Pietra, 12. “Quando pequenos, eles brincavam e brigavam na mesma proporção por qualquer motivo. Agora, brigam por opiniões diferentes e, muito mais, para fazer atividades domésticas. Tem que fazer igual, um não pode fazer mais que o outro, se não brigam”, conta.

Mesmo se amando muito, os conflitos entre irmãos vão aparecer e devem receber a devida atenção. “Esse aprendizado deverá ocorrer na medida em que surgem os conflitos, sem que se cobrem comportamentos maduros de crianças pequenas. Pelo contrário, é importante aceitar como naturais essas situações e permitir que algumas discussões e pequenas desavenças sejam resolvidas entre eles, interferindo apenas para corrigir excessos, apontando comportamentos disfuncionais e ensinando melhores estratégias”, diz Mariuza. 

Conforme as crianças crescem, elas vão experienciar situações que podem gerar ciúmes, competição e rivalidades, mas, se bem acolhidos e orientados desde o início, podem trazer aprendizados e sentimentos de cumplicidade, companheirismo e solidariedade. Embora eles não sejam os únicos responsáveis por promover uma boa relação entre irmãos, os pais têm importante papel nessa mediação.

Neutralidade possível

A publicitária Kátia Angelini é mãe de dois meninos: um de 13 e outro de 8 anos. “Quando o mais velho tinha quase 4 anos, passou a pedir a companhia de um irmãozinho para tornar-se seu parceiro de aventuras no mundo da imaginação e da vida e, no ano seguinte, o caçulinha chegou”, conta. “Aqui em casa, tomamos sempre muito cuidado em dar atenção e acolher o mais velho, nesse momento de chegada do caçula. Então os ciúmes deixaram espaço para a curiosidade, a proteção e o amor entre eles”, acredita.

É exatamente o que recomenda a psicóloga. “Por exemplo, antes do nascimento do irmão, o primogênito já deverá ocupar sua cama definitiva para não ter o berço ‘roubado’ pelo irmão; ter sido desfraldado, se possível; estar habituado a ser cuidado por algumas horas por outra pessoa para que a mãe tenha tempo de dedicar-se ao novo bebê com exclusividade, nos primeiros dias após o nascimento; ter sido exposto a situações em que compartilha a atenção da mãe com outra criança em situações variadas; ter momentos lúdicos a sós com a mãe”, detalha.

Num cenário de conflito, o ideal é ter tranquilidade para mostrar os comportamentos inadequados, como bater ou tirar o brinquedo à força, lembrando que a criança reage instintivamente quando se sente agredida, e isso é normal, pois ela ainda não conta com um bom repertório de habilidades sociais. “Num espaço acolhedor, embora até mesmo situações de violência física possam ocorrer, a capacidade de ponderação tenderá a prevalecer para baixar a temperatura e ajudar na recuperação do controle”, diz a psicóloga. 

Adriana tenta, ao máximo, ser justa. “Procuro entender o motivo da briga e dar razão a quem tem. Elogio quando fazem algo juntos, numa boa. Digo que vou ficar feliz se eles forem amigos e cuidarem um do outro”, diz.

Especialistas recomendam que os pais não expressem preferências, não façam comparações, nem tomem partido por nenhum dos filhos. As normas de comportamento devem valer igualmente para todos e ser colocadas com firmeza, mas de modo amoroso, pontua a especialista. “Assim, embora algum dos irmãos possa se sentir prejudicado, se a norma geral está sendo cumprida, ele não tenderá a alimentar a sensação de ter sido injustiçado ou preterido, o que costuma ser a causa de grande parte das rivalidades fraternas”, detalha Mariuza.

O respeito a cada um é o respeito a todos

Para inspirar relações saudáveis, cabe intermediar os conflitos quando eles aparecem, adotando regras claras, coerentes, democráticas e sempre falando a verdade para que a confiança seja estabelecida desde o início, mas sem antecipar informações irrelevantes ou complexas. Essa é a base para criar um ambiente no qual as individualidades são preservadas, ao mesmo tempo em que todos se sentem respeitados e respondendo a uma mesma norma. 

“A vivência dessas situações fornece subsídios para que os filhos se sintam seguros na resolução de conflitos futuros, durante sua socialização expandida, construindo uma postura ética, senso de justiça e autoestima saudável”, comenta Mariuza. Conforme crescem, vão tendo os recursos para lidar com as diferenças individuais, respeitando o outro e a si mesmos. “Isso porque o repertório adquirido abriu caminho para um fácil diagnóstico e enfrentamento de eventuais situações de conflito que vierem a enfrentar”, completa. 

Na casa de Kátia, por exemplo, a diferença de personalidade e idade nunca foi obstáculo. “Eles brigam sim, mas são mais parceiros que rivais. Nos momentos de discórdia, intervimos, escutamos ambos e os fazemos refletir e pedir desculpas. Dependendo da ocorrência, quando é algo que justifique, há uma perda ou castigo, como redução de tempo de tela etc.”, conta. 

Olhando para dentro

Para um bom gerenciamento dos conflitos entre irmãos, é essencial que os adultos tenham condições de exercer esse papel sem perpetuar as próprias dificuldades nos filhos, o que nem sempre acontece. “Com autoconhecimento, podemos aprender a avaliar melhor o que é razoável, normal e aceitável no conflito entre eles. Também é importante rever a dinâmica do casal em relação ao trato com as crianças e, se algo não estiver funcionando bem em termos comportamentais, procurar ajuda para entender a causa e corrigir o problema”, indica a psicóloga.

É essencial também tolerar a dor de assistir a tantos desentendimentos. Embora os pais queiram que os irmãos se deem bem, se amem e se ajudem, discordâncias vão sempre existir entre pessoas diferentes. “Isso é saudável, pois trata-se de individualidades, felizmente. O que talvez ajude a aceitar as diferenças entre eles será lembrar das divergências que temos nas nossas próprias relações e, mesmo a despeito de alguns desacordos, seguimos sendo irmãos queridos ou amigos queridos”, emenda. 

Como qualquer relacionamento afetivo, a relação entre irmãos tem potencial para trazer ganhos durante toda a vida, como a cumplicidade de compartilhar da mesma família. “Houve uma situação engraçada quando o Vincenzo tinha uns 3 anos e a Pietra, 1. Ela aprontou algo no carro e eu dei bronca nela. Os dois estavam no banco de trás, cada um em uma cadeira e eu, dirigindo. De repente, o Vincenzo virou para a Pietra e falou, supercalmo: ela é brava mesmo, tudo bem”, lembra Adriana. Já que os conflitos entre irmãos são inevitáveis, nada como o humor das crianças para tornar tudo mais leve. E nada como um irmão para rir junto de tudo isso. 

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