Apesar da queda nos índices de mortalidade infantil, em períodos de transição de governos, muitas crianças ficam sem atendimento e sem acompanhamento adequado
A cada eleição municipal sobem as taxas de mortalidade infantil e baixa a cobertura pré-natal. Decisões políticas sobre o orçamento e as demissões no período de transição de prefeituras influenciam diretamente na saúde das crianças.
O Brasil reduziu em 60% as taxas de mortalidade infantil. Segundo o último levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU), eram 35 mortes para mil crianças, em 2000, e, atualmente, são 14 mortes de menores de um ano para cada mil nascidos vivos. Desse modo, o país acompanha os resultados mundiais, que mostram uma queda histórica de 51% na mortalidade infantil entre crianças menores de cinco anos.
A ONU também destaca que “o acesso à saúde primária e o trabalho dos agentes comunitários de saúde podem melhorar significativamente a situação“. Mas, o que fazer para manter o atendimento de crianças nas cidades em anos eleitorais?
Segundo uma pesquisa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), quando acontecem eleições com uma disputa acirrada, há interrupções no acompanhamento de pré-natal e queda nas consultas de crianças nas unidades de saúde. Isso impacta diretamente nas taxas de mortalidade infantil, que costumam aumentar 6,7% em anos eleitorais.
De acordo com o IEPS, geralmente há demissões de profissionais da saúde durante a transição. A contenção de gastos para que o orçamento do município não ultrapasse os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal é uma das possíveis explicações. Mas, quando médicos, enfermeiros e agentes comunitários deixam seus cargos, os tratamentos em curso são prejudicados e até casos graves podem ficar em espera.
Em outubro, mês que os eleitores vão às urnas votar e que as campanhas eleitorais estão mais acirradas, há uma redução de consultas. Em dezembro, último mês da gestão que vai deixar o cargo, a redução é maior. São 10,3% a menos de consultas mensais de pré-natal, o que corresponde, portanto, a 8,6 pacientes que deixam de ter acompanhamento adequado.
Se não houver mais pré-natal disponível ou atendimento pediátrico na unidade de saúde, o paciente deve ser encaminhado a outras unidades, conforme diz o Ministério da Saúde. Mas, mesmo com o encaminhamento, não há um prazo máximo de espera para marcar consultas. Apenas pacientes com câncer têm até 60 dias para iniciar o tratamento após o diagnóstico.
Desse modo, se o atendimento a mulheres grávidas e crianças for descontinuado, existem alguns caminhos. Um deles é ligar para o Disque Saúde, pelo número 136. O serviço é gratuito e orienta como e onde conseguir atendimento.
Outra maneira é denunciar o caso aos órgãos competentes, como a secretaria de saúde do município, o Ministério Público ou o Conselho Regional de cada estado. Além disso, os Conselhos Tutelares podem requisitar serviços de saúde a crianças e adolescentes, e também encaminhar ao Ministério Público casos prováveis de violação de direitos.
A pesquisa “Cenário da infância e adolescência no Brasil em 2023”, da Fundação Abrinq, aponta que mais de 20 mil crianças morrem a cada ano por causas evitáveis no país. São bebês com menos de um ano de idade que perdem a vida por complicações de doenças como diarreia ou pneumonia, por exemplo. Outro índice importante é que 9,5% de bebês nasceram com menos de 2,5 kg em 2022. Conforme o Ministério da Saúde, esse é o peso mínimo para uma gestação saudável.
Crianças indígenas têm 14 vezes mais chances de morrer por diarreia. Já para as crianças negras, o risco é 72% maior do que em crianças nascidas de mães brancas. De acordo com a Fiocruz, mães indígenas são as que menos realizam um pré-natal completo. Apenas 29% conseguem fazer, pelo menos, três consultas durante a gestação. Além disso, mães negras, pardas e indígenas são as que mais vivem em condições desfavoráveis, residindo distantes dos serviços de saúde, o que aumenta o risco de mortalidade infantil.
Segundo a ONU, no mundo inteiro, acontecem 37 mortes para cada mil crianças. Países considerados de baixa renda, como Camboja, Malawi e Mongólia, por exemplo, também tiveram queda de mais da metade. Porém, os números ainda não baixaram o suficiente para considerar resultados satisfatórios, já que, na Europa e nos Estados Unidos, o índice é de apenas 5 óbitos para cada mil crianças.