Abrigos exclusivos, atuação do conselho tutelar e protocolos de acolhimento são medidas para garantir a proteção das crianças vítimas das enchentes no estado
Diante da catástrofe climática no Rio Grande do Sul, mulheres e crianças ficam mais expostas a violências. Além da urgência de ter abrigos exclusivos, também é importante saber acolher e conversar com elas nesse momento.
Já são quase 80 mil pessoas desabrigadas no Rio Grande do Sul por causa das enchentes que afetaram 447 de 497 municípios. Para acolher quem perdeu suas casas, a solução emergencial foi disponibilizar mais de 700 abrigos improvisados pelo estado.
Nos abrigos mistos, tem pessoas de todas as idades. Contudo, em situações de catástrofes climáticas, mulheres e crianças, principalmente as meninas, são as mais vulnerabilizadas. Longe de uma rede de apoio e proteção, seja da família ou dos órgãos públicos, elas ficam diretamente expostas à violência de gênero. Assim, logo vieram as denúncias de abusos sexuais em abrigos na capital e no interior. A polícia já prendeu 11 pessoas acusadas desse tipo de crime.
Para evitar que crianças e mulheres sofram qualquer tipo de violência, abuso, exploração e negligência, a pesquisadora Luísa Habigzang diz ser fundamental “organizar medidas para prevenção e estabelecer um monitoramento contínuo das crianças e adolescentes nos locais de acolhimento”. Ela é a coordenadora do Grupo de Pesquisa Violência, Vulnerabilidade e Intervenções Clínicas (Gpevvic), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), que disponibilizou uma cartilha de identificação e manejo para situações de violências.
Entre informações práticas com dicas de como denunciar e acolher as vítimas, o documento lista alguns pontos de atenção sobre o tempo de permanência das crianças nos abrigos:
Do mesmo modo, o Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes divulgou orientações para a prevenção e o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes nos abrigos temporários. Além disso, a publicação traz também os contatos dos principais canais de ajuda.
Após as denúncias de abusos sexuais em abrigos, movimentos sociais se mobilizaram para estruturar locais exclusivos para mulheres e crianças. Nos últimos dias, campanhas como a do Me Too Brasil, Instituto Survivor e SOS Mulheres RS, por exemplo, buscaram conseguir doações e locais para abrigos femininos em Canoas e Novo Hamburgo. O foco são mulheres grávidas, mulheres em situação de violência e vulnerabilidade, mães, idosas, mães solo e crianças.
A mobilização se espalhou por outros municípios e pela região metropolitana de Porto Alegre, onde escolas, igrejas e galpões de empresas privadas acolhem esses grupos e contam com voluntárias mulheres. Ao mesmo tempo, na capital, a prefeitura anunciou mais locais exclusivos para esse público, além dos dois que já estavam ativos.
De acordo com a Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, esses lugares terão salas para crianças, berçário e brinquedoteca. Já a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, anunciou que o governo vai estabelecer um protocolo emergencial para que as mulheres tenham uma rede de apoio com especialistas da área da saúde e da assistência social.
Segundo a pesquisadora Luísa Habigzang, da PUCRS, caso um voluntário se depare com uma denúncia de abuso ou violência contra mulheres ou crianças, ele deve encaminhar a situação para os profissionais de saúde ou de assistência social presentes no local. “Ao receber um relato ou ao observar algo que levante suspeita, leve a situação ao conselho tutelar, que pode encaminhar a denúncia à brigada militar. Então, os órgãos competentes farão a investigação. O nosso papel [das pessoas que estão atuando nos abrigos] é a prevenção e o acolhimento das pessoas.”
Nesse momento, todos – voluntários, profissionais e familiares – estão enfrentando uma carga emocional e física. Mas é importante escutar principalmente as crianças que passaram pelo trauma e podem ter mais dificuldades em entender a complexidade do que está acontecendo. “As crianças que estão abrigadas não estão ali em um momento confortável”, diz Andreia Mendes, pesquisadora do Laboratório das Infâncias (LabInf), da PUCRS. Por isso, ela recomenda que a interação com quem está nessa situação de vulnerabilidade seja “respeitosa e saudável”. “Elas expressam no olhar inúmeros sentimentos. Se formos sensíveis, seremos capazes de reconhecer nosso papel na sociedade.”
Para que possam se distrair nos próximos dias, alguns abrigos recebem doações de brinquedos, livros e material de pintura. Além disso, voluntários promovem atividades recreativas, como a própria sede da PUC, onde há sessões de cinema e contação de história. Todo o material vem de doações recebidas a partir de campanhas como a da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul.
Com abordar crianças após um trauma
Como explicar o que aconteceu e segue acontecendo
Fonte: Laboratório de infâncias da PUCRS
Como denunciar casos de violência e abuso contra crianças?
Disque 100, disponível para denúncias contra os direitos humanos, abriu um canal específico para atender ao Rio Grande do Sul. Após a ligação atendida, basta discar a opção 0 (zero) para informar sobre crianças e adolescentes desaparecidos ou desacompanhados em abrigos. De acordo com a Associação dos Conselheiros Tutelares do Rio Grande do Sul, as equipes voluntárias encaminham meninas e meninos que estão sem os responsáveis para o acolhimento institucional. Essas crianças podem, então, ser atendidas por assistentes sociais e psicólogos. Nas centrais de triagem, busca-se cruzar os dados com as famílias que procuram suas crianças. No entanto, como o volume de desabrigados é muito grande, ainda há crianças desencontradas de suas famílias.
Além disso, os conselhos tutelares também podem ser acionados pessoalmente ou pelo plantão local do estado, no contato (51) 99158-1348. Já em casos de urgência, deve-se chamar a Polícia Militar pelo 190.