Casamento infantil rouba a infância de 40 meninas por dia

Índices altos de evasão escolar, gravidez precoce e violências de vários gêneros mostram que o casamento priva as meninas de inúmeros direitos

Cintia Ferreira Publicado em 15.04.2024
Foto em preto e branco mostra a barra do vestido e os sapatos brancos de uma menina que carrega uma cesta de flores para ilustrar uma matéria sobre casamento infantil
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Resumo

Considerado uma violação dos direitos humanos, o casamento infantil está presente na vida de muitas meninas brasileiras. Em entrevista ao Lunetas, a advogada Mariana Zan explica quais medidas poderiam ajudar a evitar essa realidade.

Quando uma menina se casa, “sua vida acaba vinculada a uma relação, e não a projetos e sonhos que promovam sua independência, autonomia e liberdade”, afirma Mariana Zan, advogada do Instituto Alana.

Assim, “ao abreviarem a infância para se encerrarem em uma vida doméstica, muitas vezes caracterizada por violências de vários gêneros, diz Zan, “existem inúmeras consequências negativas em relação ao desenvolvimento socioeconômico de toda a sociedade, mas principalmente à vida dessa menina”.

Elas têm riscos maiores de passarem por uma gravidez precoce, contraírem infecções sexualmente transmissíveis, e sofrerem abuso sexual ou violência física. Também é comum uma maior dependência econômica em relação aos parceiros, inserção tardia no mercado de trabalho e a falta de garantia de direitos, por causa da informalidade da maioria das uniões, detalha a advogada. “Muitas esposas vivem em situações vulneráveis, isolamento social, exploração comercial, criando ou aprofundando um cenário de total vulnerabilidade e desigualdade de gênero.” Além disso, cerca de 30% das adolescentes mães abandonam a escola para cuidar dos filhos, mostrou um estudo realizado pela Fundação Abrinq.

Nesse sentido, além de educar crianças, adolescentes e suas famílias quanto aos riscos e às consequências do casamento infantojuvenil, por meio de políticas públicas e programas transversais e específicos, defende Zan, “deve-se apoiar e acompanhar de perto aquelas que vivenciam essa realidade”.

A pressão para buscar parceiros românticos e ser mãe

“A naturalização do casamento infantojuvenil, a adultização e sexualização de crianças e adolescentes, como pessoas ‘maduras’ o suficiente para se relacionarem e casarem”, lembra Mariana Zan, pedem medidas de empoderamento dessas meninas. Isso pode acontecer com orientação para que questionem os sistemas de crenças que ainda atribuem às mulheres, desde cedo, as tarefas do cuidado e que impõem especialmente às adolescentes uma maturidade que elas, evidentemente, ainda não têm.

Todos os dias, 40 meninas se casam no país. O dado do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) foi analisado pela Folha e divulgado recentemente. Casamento infantil é a união formal ou informal que envolve ao menos um cônjuge menor de 18 anos. No Brasil, em 2021, de acordo com o IBGE, ao menos 17 mil meninas menores de 18 anos casaram-se. No mundo, essa situação se repete 33 mil vezes ao dia, segundo estudo do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA-2020). Todos os anos, 1 em cada 5 meninas se casa antes dos 18, diz o relatório “Girls Not Brides”. Esses números se referem apenas a uniões legais, mas existem ainda muitas meninas vivendo em casamentos informais.

Diante de um cenário tão desafiador, e de uma questão pouco abordada, como as meninas podem viver plenamente suas infâncias, sem precisarem entrar em casamentos que as afetam tanto? Para Zan, não pular etapas é um dos grandes ensinamentos a se passar para as meninas. “Tudo começa na prevenção.”

A garantia dos direitos de crianças e adolescentes se faz combatendo violações, mas também fortalecendo as meninas, as adolescentes e toda a comunidade para a efetivação dos direitos delas, casadas ou não, ao estudo, à profissão, ao mercado de trabalho, aos direitos sexuais e reprodutivos, e a uma vida livre de violências e opressões.”

“Toda menina precisa ter conhecimento a respeito de seus direitos e autonomia para poder exercê-los”

O que diz a legislação?

O casamento infantojuvenil é considerado uma violação dos direitos humanos em tratados internacionais vigentes no Brasil. Entre eles, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção dos Direitos da Criança. Até 2019, o Código Civil permitia que crianças e adolescentes com menos de 16 anos se casassem em casos de gravidez. Mas esse artigo foi alterado pela Lei n° 13.811/2019.
Enquanto se procura proibir a ocorrência de tais casamentos, a interpretação em relação ao consentimento pode levar a ambiguidades e lacunas. Assim, embora a idade legal no país para o casamento seja de 18 anos para homens e mulheres, ambos podem se casar aos 16 com o consentimento dos pais ou responsáveis legais. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por exemplo, só traz esse tema no artigo 148. Lá, estabelece que a Justiça da Infância e Juventude pode interferir sobre a capacidade e o consentimento para esse tipo de casamento em casos envolvendo crianças e adolescentes ameaçados ou violados por omissão do Estado, dos pais ou responsáveis legais.

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