Black Friday: o que a data ensina para crianças sobre consumismo?

Especialistas refletem sobre como a data voltada exclusivamente ao consumo impacta a infância

Da redação Publicado em 11.11.2020
Imagem de uma menina com vestido azul de bolinhas brancas sentada na escada olha para sacolas de compras à sua volta
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Resumo

Será que as crianças são consumistas ou tornam-se consumistas? Especialistas refletem sobre como a Black Friday impacta a infância e lembram que a publicidade infantil é uma prática abusiva e ilegal.

Ninguém nasce consumista. Mas, disposto a conseguir mais lucro, o mercado mira o alvo das crianças como consumidoras em formação e a publicidade (embora a publicidade infantil seja uma prática ilegal) se dirige, muitas vezes de forma velada, a esse público mais vulnerável, porém com grande poder de influência sobre as decisões de compra de uma família em relação a produtos ou serviços. 

Assim, cada vez mais cedo, as crianças são chamadas a participar do universo adulto ao serem expostas, principalmente por meio da TV e da internet (aplicativos, sites ou nos canais de youtubers mirins), às complexidades das relações de consumo sem que estejam efetivamente preparadas para isso.

A partir dessa lógica, os anúncios com apelos às promoções da Black Friday, embora seja uma data tradicional para o comércio nos Estados Unidos, tornou-se uma oportunidade também no Brasil de explorar o consumo excessivo com suas liquidações “imperdíveis” e acaba afetando a infância.

No Brasil, como a Black Friday afeta as crianças?

Ao questionar o consumismo e os apelos comerciais, conselheiros do programa Criança e Consumo convidam a repensar hábitos e incentivar ações que respeitem a infância. Isso porque o consumismo infantil não é um problema ligado apenas à educação escolar e à esfera doméstica/familiar, mas contribui, dia após dia, para o desequilíbrio global a partir de um ponto de vista ético, econômico e social quando crianças aprendem a consumir de forma inconsequente e desenvolvem critérios e valores distorcidos.

  • Publicidade em excesso e de forma repetitiva

Para o filósofo Pedrinho Arcides Guareschi, a estratégia de comunicação baseada na repetição incessante de peças publicitárias anunciando ofertas amplia o alcance da mensagem e estimula um comportamento de grupo, criando o efeito “todo mundo está falando sobre”. Essa estratégia é ainda mais eficiente e agressiva para as crianças que, por sua inexperiência e por estarem em uma peculiar fase de desenvolvimento, ainda não possuem recursos para se defender de comunicações mercadológicas em excesso.

  • Possibilidade x necessidade de compra

Por atingir todo o núcleo familiar e seus ambientes de convivência com o convite ao consumismo, o excesso de mensagens publicitárias acaba impactando também as crianças. Para a socióloga Inês Sampaio, “quando tudo está em promoção, a possibilidade de compra, nem que seja no imaginário, se torna maior”, comenta Sampaio sobre o poder da Black Friday no Brasil.

  • Consumo sem objetivo fraternal

O advogado Danilo Doneda destaca que a Black Friday introduz no calendário dos acontecimentos relevantes da vida de uma criança uma data centrada exclusivamente na comemoração do consumismo. Ao contrário de outras datas comemorativas que também movimentam fortemente o comércio (Natal, Dia das Mães e dos Pais), a Black Friday sequer tem um objetivo fraternal por trás do consumo. “Essa ideia do aproveitamento de uma oferta como algo que, independentemente de qualquer outra consideração, merece ser levado em conta como algo relevante”, pontua ele.

  • Relação entre consumismo e impactos ambientais

A ambientalista Rachel Biderman destaca que o consumo traz um prazer passageiro, mas gera consequências duradouras para o planeta e para a saúde. “A Black Friday ensina a consumir muito, ensina que estar junto com a família para consumir é uma coisa legal, sem trazer uma reflexão do que está por trás desse consumo”, reflete.

  • A felicidade está à venda?

Em contraponto ao excesso de mensagens publicitárias que dizem que seremos pessoas mais plenas e felizes por meio do consumo, o Procurador do Estado de São Paulo, Marcelo Sodré, nos convida a refletir se a felicidade é um produto que se pode comprar.

  • Por menos “dias de ter”

Para a psicanalista Ana Olmos essa data reforça a ideia de que a pessoa vale por aquilo que ela consome, e não pelo que ela é. Ela propõe a reflexão que podemos inverter esse “dia de ter” para um “dia de ser” ao questionar: “Eu preciso desse bem que estão me dizendo que está mais barato, hoje, na Black Friday?”

Denuncie publicidade dirigida às crianças
O programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, combate qualquer tipo de comunicação mercadológica e estratégias publicitárias dirigidas às crianças por entender que os danos causados pela lógica insustentável do consumo irracional podem ser minorados e evitados, se efetivamente a infância for preservada em sua essência como o tempo indispensável e fundamental para a formação da cidadania. Além disso, qualquer cidadão pode exigir das empresas anunciantes que parem de explorar comercialmente as crianças, cumprindo a lei (artigo 37, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), e reforçado pela Resolução 163 de 2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda).

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