Pandemia aumentou em 30% o índice de mortes maternas no Brasil

Subnotificações distorcem a real situação em relação à morte materna; pandemia dificulta ainda mais o direito à saúde de gestantes e puérperas

Eduarda Ramos Publicado em 07.07.2022
Na imagem, a silhueta de uma mulher grávida com intervenções de rabiscos coloridos vermelhos atrás. A foto ilustra uma matéria sobre mortes maternas.
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Resumo

A subnotificação está amplamente presente no número de óbitos maternos registrados no Brasil: estima-se que as mortes sejam de 29 a 39% maiores do que o declarado.

Entende-se como “razão de morte materna” (RMM) o número de mortes maternas para cada 100 mil nascidos vivos: em 2019, o índice era o menor desde 2016. Com a chegada do coronavírus, em 2020, o número subiu de 55,3 para 71,9: um aumento de 30% com apenas um ano de diferença. O impacto da pandemia nos números de óbitos maternos é um dos tópicos abordados na pesquisa “Óbitos de gestantes e puérperas no Brasil”, realizada pelo Observatório Obstétrico Brasileiro (OOBr).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é considerada uma morte materna aquela que acontece durante a gestação ou em até 42 dias após o nascimento, por causas relacionadas ou agravadas pela gravidez ou por medidas referentes a ela (excluem causas acidentais ou incidentais). Além dos impactos da pandemia na saúde de gestantes e puérperas, também há o problema da subnotificação: o número de mortes registradas pelo OOBr foi 29 a 39% maior em relação às mortes maternas declaradas.

Para as pesquisadoras Agatha Rodrigues, docente do departamento de estatística da Universidade Federal do Espírito Santo, e Rossana Francisco, docente do departamento de obstetrícia e ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, “a subnotificação de casos de morte materna falseia a realidade. A opção por não incluir as mortes maternas após 43 dias neste índice também distorce a real situação da qualidade de assistência prestada a gestantes e puérperas”, explicam, em coletiva realizada à imprensa hoje (7).

Como é feito o processo?

As informações apresentadas pela pesquisa contabilizam meninas, adolescentes e mulheres gestantes de 10 a 49 anos, com óbitos registrados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Sistema Único de Saúde (SUS). Na metodologia utilizada pelo Ministério da Saúde (MS), as causas para morte materna se dividem em seis grandes grupos:

  • Doenças infecciosas e parasitárias, como tétano obstétrico e algumas complicações pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV);
  • Neoplasias (tumores nos órgãos genitais femininos ou na placenta);
  • Doenças endócrinas, como hipopituitarismo (associado a alterações na produção de leite materno, infertilidade e funcionamento dos ovários);
  • Transtornos mentais e comportamentais associados ao puerpério;
  • Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, como a osteomalácia do puerperal;
  • Complicações na gravidez, parto e puerpério, exceto as que ocorrem há mais de 42 dias, que são categorizadas como óbito tardio.

 

No processo realizado pelo OOBr, são procurados casos em que a declaração de óbito apontava para morte de gestante e puérpera até 42 dias, mas que não foram incluídos nos dados de morte materna declarados oficiais. As causas de óbito são inúmeras, como tuberculose, infarto, embolia pulmonar, apendicite, diabetes mellitus, entre outras. A cada 100 mulheres que morrem durante a gestação, parto, aborto e até um ano após o parto (consideradas todas as causas), 28 não foram contabilizadas. Estima-se também que anualmente, mais de 250 gestantes ou mulheres que tiveram seus filhos há menos de um ano morrem por causas externas, como acidentes, violência ou suicídio. 

“Quando começou a pandemia da covid-19, a sobrecarga no sistema de saúde tornou ainda mais grave a situação”, conta Agatha sobre as expectativas da saúde pública para diminuição dos casos de morte materna no país. Em maio de 2018, o MS assumiu uma meta de redução de 51,7% da RMM até 2030, o que corresponde a 30 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos. Enquanto em 2020 a RMM foi de 55,3, os dados preliminares de 2021 atingiram 107,4, um aumento de quase 95% no número de óbitos maternos e 258% maior do que a meta proposta. 

* O OOBr é uma plataforma interativa de monitoramento, análise de dados públicos cientificamente embasados (saúde, socioeconômicos e ambientais) e disseminação de informações relevantes na área da saúde materno-infantil. Os estudos estão alinhados ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3 do Unicef: “Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades”, com ênfase em saúde reprodutiva, materna, neonatal, infantil e adolescente.

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