Ecoansiedade: quando a emergência climática assusta as crianças

É preciso escutar e acolher os sentimentos das crianças, conversar sobre o tema mostrando as soluções e prepará-las para serem cidadãs neste novo mundo

Alice de Souza Publicado em 20.09.2021
Um menino, de pele branca, está olhando pela janela, com semblante aparentemente preocupado e triste
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Resumo

Notícias sobre a emergência climática estão causando medo e ansiedade nas crianças. Adotar o discurso catastrófico não ajuda: é preciso acolher seus sentimentos e conversar sobre as consequências da crise, mostrando as soluções existentes.

O mundo de Heitor, 10, tem prazo de validade. Vai acabar com toda certeza, “pois o homem é bobo”. A dúvida dele é somente como será o fim. Se haverá uma queimada tão grande quanto a do Pantanal, como assistiu na televisão, se chegará por um tsunami ou se uma enchente será capaz de engolir a sua casa, no 15º andar de um prédio no Recife (PE). As conclusões de Heitor, que também podem ser de outras crianças, são fruto de como o menino interpreta as informações sobre a emergência climática.

As mudanças climáticas têm diversos efeitos na saúde das crianças, especialmente daquelas moradoras de países subdesenvolvidos ou vulnerabilizadas, sem acesso a serviços básicos de saúde e educação, desde exposição a eventos traumáticos, passando por maiores chances de subnutrição e risco de doenças infecciosas. Além disso, outro problema começou a surgir entre os pequenos: a ecoansiedade ou ansiedade climática.

As crianças poderão viver um cenário com temperaturas mais quentes e um futuro mais poluído e menos seguro, do ponto de vista físico e emocional. Se os desastres ambientais podem levar a transtornos de estresse pós-traumático, só o medo causado pela possibilidade de eles existirem é suficiente para mexer com a saúde mental dos pequenos. 

Um informe da Associação Americana de Psicologia afirma que de 25% a 50% das pessoas expostas a um desastre climático extremo têm risco de desenvolver problemas de saúde mental. O material também mostra que 45% das crianças sofrem de depressão após um acontecimento como esse. 

A ecoansiedade é um efeito sobre o psicológico das crianças e adolescentes diante dos impactos visíveis do colapso ambiental e da sobrecarga de notícias sobre o tema. Segundo a revista Psychology Today, a ansiedade climática é “um distúrbio psicológico bastante recente, que afeta um número crescente de indivíduos que se preocupam com a crise ambiental”.

Por causa desse fenômeno, a Associação de Psiquiatria Americana (APA) publicou um relatório que mostra a importância de incluir o cuidado à saúde mental no contexto da crise climática. Nas crianças, o estresse dos impactos climáticos, diz o relatório, pode causar mudanças de comportamento e desenvolvimento, ataques de pânico, pensamentos obsessivos, perda de apetite, taquicardia, falta de ar, insônia, além de efeitos na memória, na tomada de decisões e no desempenho escolar. Segundo especialistas, esse é um comportamento que tem sido observado, sobretudo, em crianças maiores e adolescentes.

Para o cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) Paulo Moutinho, esse movimento é percebido quando crianças e adolescentes começam a pensar no futuro. “A crise climática tem dois momentos: um presente, no qual você já sente os efeitos, e um futuro, de alterações que ficarão piores”, explica.

“Vislumbrar hoje o que pode ocorrer amanhã, numa dimensão pior, gera uma série de desconfortos”

Diferente de muitos adultos, que passaram a maior parte da vida considerando a crise climática como uma questão de futuro, “as crianças já nasceram nessa realidade”, explica a assessora política e de direito socioambiental no Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos. Nesse sentido, percebem os efeitos imediatos e são cada vez mais estimuladas a pensar em soluções. Se no passado, os pequenos eram convocados a “cuidar” do meio ambiente, hoje eles precisam “salvar” o meio ambiente, ou seja, a eles é imposta uma responsabilidade que também contribui para os desconfortos psíquicos.

“O tema está na mídia, todos os dias. A não ser que a criança ou o adolescente esteja completamente desconectado, haverá contato com o assunto”, afirma Paulo. Por outro lado, nem sempre são atores ativos do debate, isto é, não são ouvidos. “Quem escuta as crianças e o que elas querem? Elas só recebem informação e, muitas vezes, é informação atravessada. Isso vai se acumulando no jovem, principalmente o jovem urbano, que está desconectado da área rural.”

O catastrofismo

Um dos problemas ao abordar as mudanças climáticas ou eventos relacionados em alguma instância a elas são os exageros no diálogo com as crianças. A falta de informação qualificada pode gerar nelas uma percepção catastrófica sobre o futuro e um sentimento de desesperança. Com isso, crianças e adolescentes podem repensar decisões profissionais e até pessoais, como ter filhos ou parar de comer carne, por exemplo – mesmo sendo algo positivo para o meio ambiente, às vezes, é mais por medo e culpa do que por um processo de conscientização saudável.

“Já conversei com várias crianças, inclusive bem pequenas, que contaram ter visto na televisão que o mundo ia acabar, pois vai tudo esquentar e pegar fogo”, conta Paulo. Incêndio, por exemplo, é uma das maneiras que Heitor imagina o fim do planeta. Tornou-se uma possibilidade depois que ele viu notícias sobre as queimadas no Pantanal, em 2020, e na Amazônia, em 2019.

As reflexões sobre a crise climática começaram a ser recorrentes na vida do menino desde os sete anos, quando o tema foi introduzido na escola, e permanece também nas conversas com os pais, que costumam falar sobre o assunto e ver noticiários com frequência. “A partir do momento em que ele percebeu e associou a responsabilidade ao ser humano, passou a ter uma visão bem dramática. Tanto com o planeta como de ser atingido diretamente”, diz a mãe do menino, a advogada Julyana Pedroza.

Heitor já questionou os pais se há risco de falta de água ou se há uma floresta perto de onde moram que pode queimar até o fogo chegar à sua casa. Já disse que, se houver um tsunami, a água vai alcançar o prédio onde vivem. “Ele já me perguntou qual a quantidade de chuva para uma enchente chegar aqui em cima. E que se isso acontecesse muita gente já teria afundado”, lembra.

“Ele é totalmente catastrófico, não tem esperança, diz que o mundo não vai durar”

A abordagem de Heitor preocupa os pais, que tentam apresentar uma nova perspectiva a ele e às duas irmãs mais novas, Lívia e Laura. “Sempre que possível, falamos de maneira positiva, de como é importante fazer a parte de cada um e mostramos que há muita gente que se importa”, afirma Julyana.

Em um guia de ações para ajudar crianças e adolescentes a enfrentarem o estresse e a ansiedade causados pela pandemia do coronavírus, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a especialista em psicologia para adolescentes, Lisa Damour, lembram que é preciso deixar as crianças sentirem-se tristes e viverem suas próprias emoções. “A diferença nessa percepção é que um adulto compara essas perdas com a experiência de toda uma vida e a criança não. Quando houver dúvida sobre como responder, sempre prefira a compaixão e o apoio ao seu filho”, diz o guia. A recomendação é que os pais mantenham a calma e sejam proativos ao falar com as crianças. A especialista lembra que os pais podem “auxiliar as crianças a enxergarem além do medo e da preocupação dizendo que sabem do receio que elas têm”.

Contudo, é fundamental também estar atento às notícias externas. “Não adianta só passar a eles informações corretas. Caso eles tenham recebido algo incorreto, sem essa checagem, eles acabarão combinando as informações antigas com as novas. Por isso, é sempre necessário apurar o que eles escutaram por último e corrigir quaisquer imperfeições”, sugere o guia.

Cuidado com o diagnóstico

Apesar de o termo “ansiedade climática” ter sido incorporado ao vocabulário de quem trabalha com a defesa do meio ambiente e também com a agenda climática, a coordenadora do Grupo de Trabalho Criança, Adolescente e Natureza da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Evelyn Eisenstein, lembra que é preciso ponderação ao usá-lo e cuidado para não patologizar a criança. “Não é um termo coloquial. Existe a tendência de todos acharem que têm ansiedade, mas esse é um diagnóstico médico psiquiátrico”, afirma.

De acordo com Evelyn, é preciso que os pais estejam atentos a como as crianças se manifestam diante das notícias que recebem, mas que procurem apoio profissional quando percebem que há um comportamento que sinaliza estresse causado pela relação com as notícias sobre a crise climática. A médica lembra, ainda, que os pais são modelos para a criança, portanto, a formação da percepção deles sobre o meio ambiente e questões relacionadas às mudanças do clima depende do exemplo.

Outro cuidado é prestar atenção nos próprios sentimentos e na saúde mental dos pais. O Unicef lembra que os pais também sentem ansiedade e as crianças percebem isso. Logo, é preciso tratar dos próprios medos sem sobrecarregar os filhos com essas emoções. “É importante compreender que os filhos são os passageiros e os pais são os condutores do veículo. Sendo assim, mesmo que os pais se sintam ansiosos, eles terão sempre que pensar que essas emoções não podem arriscar a segurança das crianças.”

Como evitar ou atenuar a ansiedade climática

A emergência climática é uma realidade. Entretanto, segundo os especialistas entrevistados pelo Lunetas, adotar o discurso catastrófico não ajuda.

“É importante mostrar para as crianças que temos condições de agir, que existe tecnologia e acúmulo de conhecimento, portanto somos capazes de reverter o processo”, afirma Paulo Moutinho.

Essa conscientização precisa vir tanto da família quanto da escola e também da sua formação complementar, como o que ela lê, assiste ou ouve na mídia, na imprensa e nas redes sociais. 

Para a produtora audiovisual Clara Ramos, cofundadora do movimento Famílias pelo Clima, não é preciso poupar as crianças, mas ser transparente. “A gente fica na chave de que as crianças não vão dar conta, mas elas têm muitos recursos e mais abertura que os adultos para lidar com o desafio, com a necessidade de mudar.” No entanto, a abordagem sobre o tema irá depender da idade da criança. “A ideia não deve ser assustar, pelo menos o que eu faço com as minhas filhas é convidá-las à ação, à reflexão, propondo que a gente possa pensar juntas em soluções.”

De acordo com a psicanalista Joyce Goldstein, do Grupo Psicanalistas pelo Futuro, é importante acolher a criança “e escutar suas falas, medos e fantasias sobre a natureza”. A abordagem pode ser de forma lúdica, com afeto, sensibilidade e criatividade. “Podemos ajudá-las a registrar experiências criativas, o cheiro da terra, das plantas, da chuva”, sugere. 

A virada de chave é preparar as crianças para serem cidadãs em um planeta com problemas. “É fundamental trabalhar uma perspectiva de lógica de convivência com a situação e mostrar a possibilidade de alterar o quadro que nos trouxe até aqui. É importante que crianças e jovens entendam que eles têm o papel de olhar para esse mundo e o modelo de desenvolvimento nos levou a isso”, afirma Adriana Ramos.

Segundo ela, o discurso de fim do mundo deve ser substituído pelo “fim do mundo como o conhecemos, mas cenário de um novo mundo para crianças e jovens. Nesse caminho, é imprescindível criar oportunidade de escuta das demandas, medos e anseios das crianças, e pensar as conversas baseando-se sempre na premissa do “somos capazes”. Dessa forma, fala-se sobre as consequências da crise climática do ponto de vista das soluções. Adriana acrescenta:

“O ativismo, a tomada de participação e mostrar que somos capazes de fazer a diferença são um antídoto para a ansiedade, pois assim vamos tomando o futuro nas mãos”

Ansiedade climática em crianças: pontos de atenção

  • É importante monitorar mudanças de comportamento como: incapacidade de falar, fazer xixi na cama, estresse, medo quando não está em perigo e autoagressão. 
  • Observe também o excesso de exposição à cobertura midiática sobre a emergência climática.
  • Diante de um sinal de angústia, sempre tranquilize e conforte a criança para que ela se sinta protegida.

Fonte: Associação Americana de Psicologia

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