‘Amoras’, livro de Emicida, é alvo de racismo religioso

O caso aconteceu em uma escola de ensino fundamental em Salvador, Bahia; especialista aponta intolerância religiosa

Eduarda Ramos Publicado em 07.03.2023 Atualizado em 08.03.2023
Ilustração do livro Amoras, de Emicida. A imagem mostra uma menina negra de perfil, com cabelos afro escuros e feição séria.
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Resumo

Livro “Amoras”, de Emicida, foi vandalizado com diversas mensagens de intolerância religiosa em uma escola de Salvador. Especialista aponta a importância de tratar o caso como racismo religioso.

Indicado para um projeto literário em uma escola de Salvador, “Amoras”, primeiro livro do artista Emicida, teve um exemplar riscado com diversas mensagens de cunho preconceituoso pela mãe de um aluno. Além de sugerir leituras de passagens bíblicas e tratar informações sobre religiões de matriz africana como “ideologias anticristãs e blasfêmias contra o Deus vivo, vulgo o criador”, as intervenções consideravam falsa a informação sobre a origem da raça humana na África e que os escritos sobre orixás eram “fake”.

Em resposta ao ocorrido, o rapper Emicida comenta como “é de entristecer viver entre radicais que vandalizam livros infantis” e “não se predispõem nem por um segundo a respeitar outras formas de viver, de existir, de manifestar sua fé”. Ele questiona se pessoas cristãs são capazes de criar um ambiente que respeite a fé alheia, além de reforçar que o candomblé, a umbanda e religiões de matriz africana “resistiram e seguirão resistindo em nome do respeito da vida”.

Sobre o que fala ‘Amoras’?

Inspirado na música de mesmo nome, Emicida escreve sobre uma menina negra que está aprendendo a se reconhecer no mundo. Com referências a personalidades negras importantes, como Martin Luther King e Malcolm X, e citações a orixás da cosmologia iorubá, o livro lembra as crianças desde muito cedo sobre a importância de se reconhecer no mundo e de se orgulhar de quem são.

Para Pedro Mendes, advogado do Instituto Alana, é importante considerar o ocorrido como racismo religioso, visto que a expressão é a mais adequada para contemplar as facetas dessa violência. “É preciso racializar o que chamamos de intolerância religiosa”, explica. Em nota, a escola disse que é contra as declarações escritas no livro, assegurou a reposição da obra e prevê uma reunião com familiares dos alunos.

Segundo o II Relatório sobre intolerância religiosa: Brasil, América Latina e Caribe, em 2021, o Brasil teve 966 denúncias de intolerância religiosa registradas pelo Disque 100, das quais 244 estavam relacionadas a religiões de matrizes africanas. Intolerância religiosa é crime previsto no Código Penal, com pena de 2 a 5 anos para quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas.

O que pode ser feito?

Na esteira da Lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira no país, Mendes defende que tratar de temáticas relacionadas às populações politicamente minoritárias no país, garantindo um ensino antirracista desde a infância, é “um mecanismo determinante para a construção de um ambiente de aprendizado e desenvolvimento mais saudável para todas as crianças”.

Por se tratar de um problema estrutural, o advogado complementa o posicionamento colocando o combate à intolerância religiosa como forma de garantir os direitos das crianças, principalmente das crianças negras.

“O Brasil existe sob um projeto racial no qual qualquer expressão da cultura negra, como a religião, é rechaçada em detrimento da prevalência da branquitude”

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