A importância das amizades na infância

Ter amigos é mais que sorte. As relações de amizade fazem bem para a saúde e ajudam no desenvolvimento afetivo e social das crianças

Laís Barros Martins Publicado em 20.07.2021
Amizades na infância: um grupo de quatro amigas se abraçam e o olham para baixo, em direção à câmera
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Resumo

Histórias de amizades “na” e “de” infância reforçam o que especialistas dizem sobre a importância de ter amigos desde cedo: a amizade faz bem para o desenvolvimento emocional e social saudável da criança.

Oferecer ao outro o que há de melhor dentro da gente. A esta disponibilidade espontânea, desinteressada e feita essencialmente de afeto, quando encontra pessoas afins pelo caminho com quem partilhar experiências, damos o nome de amizade. Além da importância das amizades na infância evidenciada a seguir por especialistas, histórias de crianças que têm alguém para chamar de amigo comprovam a sorte que é poder dividir os dias e criar memórias para a vida toda.

Os amigos Gabriel e Catarina

Colegas de sala de aula desde pequenininhos, foi a partir de relatos dos professores sobre o carinho entre Gabriel e Catarina que as mães das crianças souberam do começo dessa amizade.

“A ligação entre eles é muito forte”, conta Marina Barone Dantas. “Foi Cláudia, a mãe dela, que propôs que eles pudessem se encontrar também fora da escola. Desde então, Cata passou a frequentar a nossa casa.”

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Arquivo pessoal

Gabriel, 10, e Catarina, 9, são amigos há oito anos, desde quando se conheceram no berçário

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Gabriel, 10, e Catarina, 9, são amigos há oito anos, desde quando se conheceram no berçário

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Gabriel, 10, e Catarina, 9, são amigos há oito anos, desde quando se conheceram no berçário

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Gabriel, 10, e Catarina, 9, são amigos há oito anos, desde quando se conheceram no berçário

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Gabriel, 10, e Catarina, 9, são amigos há oito anos, desde quando se conheceram no berçário

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Gabriel, 10, e Catarina, 9, são amigos há oito anos, desde quando se conheceram no berçário

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Gabriel, 10, e Catarina, 9, são amigos há oito anos, desde quando se conheceram no berçário

“Catarina encontrou formas de se comunicar com o Gabi, que é uma criança que tem paralisia cerebral. Percebemos isso porque a órtese que ele usa no pé sempre voltava errada da escola. Um dia, Catarina ia jantar em casa e disse que preferia tapioca a comida. Ao dizer que o Gabi também queria tapioca, revelou como ele havia confirmado a informação. ‘Ele me falou com o pé. Pé para cima é sim; pé para baixo é não’. Quando insisti para ter a mesma resposta, eles caíram na gargalhada. ‘Tia Marina, ele já te respondeu, não precisa responder de novo’”, alertou a menina.

Em uma videochamada, Catarina conta como “é bom viver a experiência com o Gabi, porque descobri várias coisas dele, prestando atenção nos seus movimentos e na respiração, por exemplo”, diz. “Ele é muito esperto, um dos melhores alunos de matemática da sala, acerta todas. Ele também nada muito bem.”

“Ele podia não querer, mas acho muito legal que ele queira ser meu amigo”

Cláudia Roberta Ferreira comenta como é recente para a filha falar sobre deficiência, porque “a amizade entre eles sempre veio antes destas questões, eles sempre criaram formas de se relacionar, naturalmente”.

Na pandemia, Catarina fez a família ficar sem sair de casa para poder visitar o Gabriel. Agora que as aulas presenciais voltaram onde estudam, em Campinas (SP), Catarina não quer ir porque sabe que não vai mais encontrar o Gabriel. Então, ela está tendo aulas com ele e mais quatro crianças no quintal da casa de Marina. “Como o Gabriel começou a ficar muito apático durante o isolamento, a escola mandou uma professora em casa para que ele pudesse ter contato com outras crianças”, comenta a mãe.

A amizade em tempos difíceis

Depois de um tempo sem poder sair de casa e de uma série de sentimentos acumulados neste período, crianças estão tendo crises de ansiedade por reencontrar amigos presencialmente. A criação de pequenas bolhas para flexibilizar o encontro entre crianças próximas foi uma medida incentivada por alguns profissionais da saúde para ajudar a contornar os desníveis emocionais causados pelo isolamento social.

No Brasil, uma pesquisa realizada com quase 10 mil crianças e jovens, entre 5 e 17 anos, pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), registrou que 15% apresentaram sintomas de ansiedade e 18% de depressão. Outro estudo, da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV), indicou que 27% das crianças de 0 a 3 anos – uma em cada quatro crianças de 1.036 famílias de todas as classes sociais entrevistadas -, tiveram regressão de comportamento durante a quarentena.

“De um dia para o outro, a vida mudou e as crianças foram privadas do convívio com os colegas, passando a interagir através da tela do computador. Sem poder racionalizar toda essa situação, houve um aumento expressivo das crises de ansiedade e medo entre as crianças”, comenta Denise Franco, psicóloga e educadora parental. “Sem a escola, as crianças perderam oportunidades não só de vivenciar as relações de amizade e criar memórias significativas, mas também aprender sobre regras e limites, valores e habilidades de vida.”

Maria Rita, 8, a filha do meio de Marina, é uma dessas crianças com medo da ressocialização. “Ela tem demonstrado ansiedade ao encontrar pessoas desconhecidas. Amigos, se estão todos de máscara e ao ar livre, tudo bem. Mas mesmo assim, se dá a mão para uma amiga, logo em seguida passa álcool. Outro dia, uma criança chegou de bicicleta sem máscara perto dela e ela correu para mim”, conta a mãe. “Ela também pediu que a médica abrisse a janela durante uma consulta”, exemplifica Marina.

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Arquivo pessoal

Maria Rita, 8, está com medo da ressocialização com desconhecidos e se cuida até na presença dos amigos mais próximos

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Maria Rita, 8, está com medo da ressocialização com desconhecidos e se cuida até na presença dos amigos mais próximos

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Maria Rita, 8, está com medo da ressocialização com desconhecidos e se cuida até na presença dos amigos mais próximos

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Arquivo pessoal

Maria Rita, 8, está com medo da ressocialização com desconhecidos e se cuida até na presença dos amigos mais próximos

“Num passeio de maria fumaça para uma pesquisa da escola, ainda na estação, pessoas se juntaram para ouvir as informações do guia. Mesmo afastados uns dois passos para trás e o espaço ser aberto, ela teve uma crise de pânico ‘mãe, vamos embora’ e fugiu para longe”, revela Marina.

Como o contato on-line não substitui as trocas presenciais, essas flexibilizações para um retorno gradativo de convívio da criança com seus pares e com o mundo lá fora têm mostrado efeitos positivos. Enquanto isso, para ajudá-la a atravessar essa fase, especialistas sugerem diálogo para acolher o que a criança está sentindo e respeito ao tempo necessário para nos reorganizar emocionalmente. A tendência é que estes comportamentos se diluam aos poucos, mas, como aponta a antropóloga e educadora Adriana Friedmann:

“As faltas impactaram os corpos e as emoções das crianças”

Os aspectos sociais e emocionais das amizades

Quando esses vínculos de amizade se estabelecem durante a infância, as crianças têm a oportunidade de um desenvolvimento social e um amadurecimento psicoemocional saudável. “Além das relações familiares, é necessário que as crianças interajam com outras crianças desde cedo, para conhecer novos jeitos de ser, sentir, agir e pensar”, opina Adriana.

“Ao sair do ‘universo individual’, as amizades apontam para muitas possibilidades de conhecer ‘outros mundos’”

Além de ser uma forma de ampliar o repertório na convivência com crianças fora do círculo familiar, amizades são referências fundamentais para a constituição de experiências de trocas e conhecimentos, em que as crianças vão adquirindo a capacidade de se colocar no lugar do outro e aceitar as diferenças. “As crianças experimentam a vida a partir destas inúmeras formas de convivência em tempos e espaços diversos”, define Adriana.

Para a psicóloga Denise, é através dessas interações que a criança começa a perceber as emoções e a lidar com conflitos e afetos, processo que também auxilia no desenvolvimento de suas percepções sobre si, ajudando-a a manifestar desejos e opiniões. “A amizade é capaz de fornecer estruturas para a fundação da própria identidade da criança, à medida que o olhar do outro ajuda a construir quem somos.”

“O mais interessante é compreender como as crianças acabam revelando diversas facetas da sua personalidade – em formação – dependendo de com quem, onde e como se relacionam”, continua Adriana. “Em algumas relações, a criança poderá se sentir mais à vontade, mais confiante, mais tímida, mais desafiada ou competitiva, mais inteira ou plena etc.”

“A criança aprenderá o que é possível compartilhar com cada amigo”

“Diferentes formas de amizade são também fundamentais para afiançar suas bases emocionais, desenvolvendo autoestima e empatia no decorrer das suas infâncias. Junto de seus pares, a criança começa a demonstrar confiança para ser quem é, passa a se familiarizar com as normas e os processos envolvidos nas relações interpessoais ao ir se inserindo em grupos diferentes, e aprende a ficar em contato permanente com as próprias emoções, descobrindo o melhor jeito de lidar com elas.”

“Pertencer a um grupo é experimentar ser quem se é. É aprender a apoiar e sentir-se apoiado nas suas experiências”

A amizade ensina sobre emoções básicas como…
lealdade, traição, raiva, competição, cumplicidade, manter segredo, confiança, compromisso, seriedade, revanche, cooperação, frustração, tristeza, alegria, humor, rejeição, conquistas, ceder, negociar, perder, conquistar, defender pontos de vista, solidarizar-se, apoiar, partilhar, se comunicar, ter autonomia, esperar, amar

Márcio e seu grupo de amigos da infância

A paixão pela bola rendeu a Márcio Mariano, 40, muitos amigos. “Crescemos juntos numa região periférica de São Paulo, bem no extremo da zona norte, e a convivência na comunidade confere uma marca bem interiorana às relações.” Por isso, ele acredita ser comum surgirem amizades duradouras ali. “O futebol de várzea, as escolinhas de futebol e os campeonatos com vistas à profissionalização quando já tínhamos 12, 13 anos… o esporte sempre foi o pilar que acabou unindo todo mundo”, conta.

“Os vínculos são construídos com bases na interação e na identificação”, pontua a psicóloga Denise. “Quando esses fatores permanecem, gerando cada vez mais afetividade, as amizades resistem ao tempo”, a exemplo do círculo de amizades de Márcio. Contudo, segue a especialista, nem todos os amigos de infância do seu filho precisam permanecer para sempre na vida deles. “Com o passar dos anos, a vida toma outros rumos.”

Apesar de ser natural que algumas relações se tornem menos frequentes, Márcio e seu grupo de amigos mantêm uma rotina que se repete há mais de 30 anos. “A amizade foi se solidificando. A gente já fez de tudo e passou por muita coisa: relacionamentos, viagens, churrascos, experiências escolares, problemas de saúde, perdemos familiares, nos apoiamos em dívidas…”

Entre os amigos mais antigos de Márcio estão Ricardo e Leonardo. “Aliás, Leonardo é marido da irmã do Ricardo. Eles começaram a se relacionar quando a gente ainda era muito novo, e tiveram a Lavínia, que cresceu dentro do nosso grupo”, comenta.

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Arquivo pessoal

Nina, 4, com os amigos do pai, Márcio Mariano

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Nina, 4, com o pai Márcio Mariano

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Márcio Mariano e os amigos

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Márcio Mariano e os amigos

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Márcio Mariano e os amigos

Como as amizades envolvem também esta troca familiar, em que os amigos acompanham o crescimento dos filhos uns dos outros, Márcio acredita que a tendência é que a filha Nina, 4, também se torne amiga das crianças, filhos e filhas de seus amigos, que têm idade mais ou menos parecida à sua. Isso porque, assegura Márcio:

“Eu e meus amigos seguiremos nos frequentando e nutrindo essa amizade pela vida afora”

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