Amamentar é um ato político: mulheres se fortalecem no lactivismo

Além de priorizar a saúde da criança, mulheres lactivistas prezam por mais informação e autonomia sobre seus corpos e se posicionam contra a cultura do desmame

Eduarda Ramos Publicado em 01.08.2023
Na imagem, uma mulher negra amamenta sua criança. A foto ilustra uma matéria sobre lactivismo.
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Resumo

O “lactivismo” é a defesa da amamentação como um ato político. Entre assédios de fórmulas lácteas e a cultura do desmame, mulheres lutam pelo direito à amamentação num país que tenta alcançar a meta da OMS de 50% de amamentação exclusiva para bebês até seis meses.

Para se unir ao lactivismo basta pertencer à classe política de “mãe”, diz Veronica Linder. Para que a amamentação não seja um caminho tão solitário e cheio de dúvidas, ela divide sua experiência com as filhas Bia e Alice, 5. Seu desejo é falar sobre o tema para “que as crianças recebam o melhor alimento e que as mulheres sejam donas das suas escolhas”.

“Todos os dias, mães desmamam seus filhos sem querer, por alguma ‘escolha’ que ‘precisou’ ser feita”

O “lactivismo” ou ativismo da lactação é a defesa da amamentação com um viés político, em resposta ao declínio significativo e à desvalorização da prática de amamentar, define a antropóloga Raquel Braga a partir do trabalho da mexicana Francesca Sanz Vidal. Segundo sua dissertação, o lactivismo busca também contribuir com mais conhecimento sobre a amamentação, com base em evidências científicas.

Amamentar é resistir

Além de violências cotidianas contra a mulher que amamenta, com exemplos de pedidos para que se retirem de espaços por estar amamentando, sexualizadas por homens ao amamentar em público, questionadas sobre o porquê de ainda amamentarem, não se consideram muitas vezes aspectos relacionados à cultura do cuidado.

Para a médica pediatra Helena Scharlau, a conta simplesmente não fecha: “como amamentar por 180 dias e ter licença-maternidade de 120?”. Além de faltar incentivo ao programa “Empresa Cidadã”, que estende as licenças, ela fala da ausência de estrutura nas empresas ou flexibilidade para a ordenha. Nas creches, a especialista destaca o gerenciamento do leite materno, para não forçar o uso de mamadeia, e não oferecer chupeta para acalmar o bebê.

No Brasil, a amamentação exclusiva até os seis meses chega a 45,8%, segundo dados do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani). Até 2025, é esperado alcançar a meta de 50% e, até 2030, 70%, como estipula a Organização Mundial da Saúde (OMS).

A cultura do desmame

“Depois de ter tido meu parto roubado e ter sido submetida a uma cesariana de emergência, acordei na UTI com uma sonda na uretra e sem minhas filhas. Após 18 horas, quando vieram mamar, a enfermeira disse que elas haviam sido alimentadas com mamadeira. Ali conheci a cultura do desmame. Quando vieram pro meu colo e pegaram o meu peito, a enfermeira disse que eu tinha sorte”, conta Linder.

Para ela, ir contra o desmame é enfrentar como as lactantes são “manipuladas pela indústria do cuidado, farmacêutica e alimentícia”. Neste caminho, ofertas para o consumo de alimentos ultraprocessados e pelo marketing de fórmulas infantis atravessam mulheres. Sem contar o mercado de acessórios, inclusive com a ‘ostentação’ da chupeta mais cara, da mamadeira ‘da moda’”, complementa Scharlau.

“Lutar contra a cultura do desmame, é, antes de tudo, tirar a amamentação do status de tabu, para que as próximas gerações encarem o ato de amamentar com naturalidade. E é uma luta diária”, diz Scharlau. “Precisamos de heroínas de filmes amamentando, não somente na hora do parto.”

A Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras (NBCAL) regula a propaganda e a rotulagem de alimentos destinados a recém-nascidos e crianças de até três anos, como fórmulas lácteas. Apesar disso, 60% dos pediatras que participaram da pesquisa “Assédio da indústria de alimentos infantis a profissionais de saúde em eventos científicos” relataram assédios de marcas em eventos, com a oferta de patrocínios materiais ou financeiros em congressos, por exemplo.

Scharlau reforça a importância dos profissionais que cuidam da criança estimularem a amamentação, embora muitas vezes seja mais “fácil” prescrever fórmula. “São menos dúvidas, questionamentos e inseguranças com as quais lidar. Mas o médico deve se colocar disponível, inclusive tendo trocas com outros profissionais da saúde, como odontopediatras, fonoaudiólogos e consultores de amamentação”.

Como se juntar ao lactivismo?

Linder e Scharlau listam medidas para que toda a família incentive a amamentação e o que fazer para apoiar mães:

  • Divulgar benefícios e promover uma educação contínua sobre a importância de amamentar, em cursos de gestantes ou campanhas realizadas pelo Ministério da Saúde. “Amamentar é também falar sobre saúde pública, sobre um ser humano mais resistente a doenças e às próximas pandemias que virão. É o caminho para uma vida saudável”, diz Linder.
  • Questionar o uso indiscriminado de fórmulas infantis e os familiares que querem dar mamadeira ou chupeta às crianças.
  • Treinar equipes de Estratégias de Saúde da Família (ESF) e Unidades Básicas de Saúde (UBS) para esclarecer dúvidas relacionadas ao aleitamento e identificar fatores de risco.
  • Capacitar e atualizar os profissionais envolvidos nas maternidades sobre a importância de evitar a suplementação exagerada em cada setor que atende gestantes e puérperas.

“A amamentação é o caminho para a continuação da espécie humana” – Linder

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