Márcio Nagano

O grupo “Alpha Virgins” ensina de maneira voluntária estudantes de Capanema (PA) a construir foguetes com materiais acessíveis.

Márcio Nagano

Professores destacam a melhora no interesse em matemática e ciências naturais por causa do projeto.

Márcio Nagano

Foguetes são contruídos com materiais recicláveis, como, por exemplo, garrafas pet, rolos de papelão e até plástico de taças de festa.

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Adolescentes no Pará aprendem ciência construindo foguetes

imagem mostra duas meninas adolesecentes construindo foguete e preparando o lançamento

Em Capanema, município da região nordeste do Pará, um projeto voluntário ajuda jovens a desenvolverem conhecimentos em ciências naturais e matemática construindo foguetes. A iniciativa é do grupo “Alpha Virgins”, idealizado pelo casal Marcos e Suelen Nascimento que, motivados pela paixão pela aeronáutica espacial, começaram a frequentar eventos e torneios sobre o tema.

“Quando conhecemos todo esse movimento, num evento em São José dos Campos, em São Paulo, decidimos levar de alguma forma para adolescentes da nossa cidade”, conta Marcos. Para ele, “não seria justo a gente saber e não trazer esse conhecimento, porque é algo que eu gostaria que tivessem feito por mim nessa idade”.

Uma dessas adolescentes é Ângela Letícia, 15. Ao lado de outros dois colegas da escola pública estadual Maria Mirtes, Ângela construiu seu primeiro minifoguete para a primeira edição do “Festival de Foguetes de Capanema”, realizado no final de abril. Batizado pelo trio como “nebulosa”, esse foi apenas um dos 33 projéteis construídos por quase cem alunos de três escolas do município.

O nome é inspirado no filme “Estrelas além do tempo”, assistido por Ângela e os colegas Jamile Cristina, 15, e Antonio Wellington, 16. “Não só emocionou, mas inspirou a gente e estamos aqui hoje fazendo algo parecido”, diz. O filme conta a história de três cientistas negras que trabalharam na NASA e ajudaram o primeiro homem a chegar na lua. “Ela enfrentou o racismo e venceu pelo estudo e pela ciência”, afirma a estudante.

“Eu me esforcei bastante. É uma experiência incrível que vou levar para a vida toda”, comenta Ângela.

Mas se engana quem pensa que construir um foguete se resume a pegar uma garrafa e amarrá-la com fita. Suelen explica que o dia do festival é apenas uma das etapas. Portanto, antes disso, os foguetes são projetados pelos alunos junto com os professores, que explicam como é feito o motor, como acontece a combustão, a trajetória, a aerodinâmica. Um processo que, de acordo com Marcos, envolve muita pesquisa e cálculo prévio. “A gente usa matemática, química e física na montagem, no lançamento e na avaliação do resultado. Assim, fica bem mais fácil lembrar as fórmulas na hora que estamos estudando”, afirma Jamille Cristina.

Ensino de ciência e matemática ainda é desafio no país

Menos de 50% dos alunos brasileiros atingiram o nível mínimo de aprendizado em matemática e ciências no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2022. Conforme os dados, apenas 1% conseguiram os níveis 5 ou 6, considerados os mais altos, quando resolvem problemas complexos, comparam e avaliam estratégias.
Do mesmo modo, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2021 também revelou que 54,2% dos estudantes chegam ao último ano do ensino médio sem domínio das habilidades básicas em matemática. Essa porcentagem, que indica os estudantes concentrados nos níveis mais baixos de aprendizagem, cresceu desde 2019, quando era de 48,4%, evidenciando os efeitos da pandemia sobre os estudos.
Atualmente, no Brasil, o Distrito Federal lidera a melhor proficiência em matemática, seguido do Paraná (286,1) e Santa Catarina (286,5). O Pará (248,9) se encontra entre as três últimas posições da tabela nacional, ao lado do Amazonas (242,7) e Maranhão (244,2). Nenhum estado da Amazônia consta entre os líderes.

Construindo foguetes

Para o professor e voluntário do projeto, Bruno Rafael Guimarães, um dos problemas do ensino atual é o foco excessivo em quadros, livros e exposição oral. Por isso, a proposta do “projeto dos foguetes”, como é conhecido na cidade, passa a ser interessante, já que leva o aluno “para campo, para aplicar o aprendizado da sala de aula a problemas reais”. “Busquei algo diferente e que fosse divertido. Aí que os foguetes serviram bem. A gente vê no olhar deles”, diz.

Em 2023, Bruno acompanhou o passo a passo de 20 estudantes: discussão do problema em sala de aula, elaboração dos motores e desenhos dos minifoguetes, fabricação, lançamento e a análise dos resultados. Uma etapa final incluiu ainda uma nova avaliação para saber se a prática de fato ajudou os alunos a compreender a teoria. “Percebemos que eles decoravam fórmulas, sem muitas vezes entender de fato o que significa cada item, a lógica por trás”, descreve o professor. Após a aplicação da prova, no entanto, é possível notar o impacto da iniciativa.

“Tivemos um aproveitamento melhor em cerca de 90% dos alunos, com assimilação do conhecimento”

Conforme explica um dos participantes, Artur Vinicius, 16, ele utiliza a terceira Lei de Newton como exemplo para expor o nível de conhecimento que a atividade prática proporciona aos alunos. “Tem o cálculo do empuxo, que exerce uma força sobre o foguete. Tem o impulso do motor e a aerodinâmica, como vai agir sobre o corpo do foguete, para ele ir mais longe”, descreve. “E, na montagem do motor, a gente aprende sobre química, pois mexemos com reações de substâncias, na mistura para produzir o propelente”, complementa Artur.

O propelente é o nome dado para o combustível de foguetes e, no caso do experimento, é preparado na forma sólida. A mistura inclui KNO₃, o nitrato de potássio ou sal de potássio, com a sacarose (C₁₂H₂₂O₁₁) mais refinada, encontrada no açúcar de confeiteiro. A mistura é feita pelos coordenadores, com uso de luvas e sem contato direto com os alunos.

Material reciclável pode virar um foguete

A metodologia do projeto é fruto da dissertação de mestrado de Bruno pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e Sociedade Brasileira de Física. No estudo, ele explica com detalhes a montagem dos minifoguetes, possibilitando que a atividade seja reproduzida por outros professores.

Os materiais usados também são fundamentais para tornar o projeto mais acessível. “O primeiro obstáculo a ser superado, que demandou meses de pesquisa, foi a substituição de ferramentas específicas com acesso restrito por materiais de fácil acesso e baixo custo”, explica Bruno. Outra vantagem é a possibilidade de reutilização de materiais que costumam ir para o lixo, como, por exemplo, garrafas pet, rolos de papelão e até plástico de taças de festa.

A vantagem dessa metodologia é sua aplicação prática. Os alunos são incentivados quando trabalham para resolver problemas”, defende o professor. Segundo ele, durante a experimentação e construção do projeto, os estudantes trabalharam em equipe, desenvolvendo não só conhecimento em física, química e matemática, mas também habilidades motoras e cognitivas.

Engajamento de professores

A experimentação de 2023 produziu resultados tão bons que Marcos, Suelen e Bruno envolveram mais voluntários. Assim, na edição de 2024, o tempo de preparação dos projetos com alunos e professores foi menor. O número de foguetes lançados saltou de nove para 33. E a quantidade de participantes se tornou cinco vezes maior, alcançando 100 alunos em duas escolas públicas e uma particular de Capanema.

Contando apenas com recursos próprios, o grupo conseguiu apoio da empresa Cibrasa. Foi assim que conseguiram a liberação da área aberta para os experimentos. “Foi fundamental a conversa que tivemos com as escolas, o envolvimento direto dos professores e a liberação do espaço, inclusive com área de apoio”, avalia Suelen Nascimento.

A professora de física Onélia Sales Araújo, da escola estadual Maria Mirtes, abraçou a ideia do projeto. Embora tenha mais de 20 anos de sala de aula, os olhos de Onélia ainda brilham ao relatar a felicidade de conseguir prender a atenção dos alunos. “A gente tem muita dificuldade de material e de estrutura. Então, é uma competição com tanta coisa que chama atenção deles, como o celular”, desabafa. Por outro lado, ela expõe que, com o “projeto dos foguetes”, “eles deixam de lado e se envolvem, prestam atenção”.

Ela comenta que os exemplos de ex-alunos do projeto, hoje desenvolvendo suas carreiras, ajudam a inspirar os mais novos. Isso porque “a maioria dos alunos já estão num nível em que estudaram mais que os pais”, relata.

A gente trabalha muito a perspectiva de projetar um futuro melhor com o estudo”, diz Onélia.

É o caso do ex-aluno e participante do projeto, Danilo Leal, hoje estudante de engenharia de produção. Para ele, a prática foi um fator fundamental e ajudou no aprendizado durante a conclusão do ensino médio. Este ano, Danilo passou, então, a ser voluntário na iniciativa. “Eu vi o quanto isso motiva e envolve alunos, professores e a escola”, recorda.

Identidade local

Apesar do amor pelo espaço, o “Alpha Virgins” valoriza a identidade local. Por isso, enquanto pensava em um nome para o grupo de foguetes, Marcos refletia olhando para o céu de Capanema. Observando as estrelas, lembrou da bandeira do Brasil e a relação que destaca a estrela que representa o Pará. “É a que fica mais acima, após a faixa de Ordem e Progresso. A estrela leva o nome de Spica, também conhecida como Alpha Virginis. Ou seja, é a mesma que está no centro da nossa bandeira do Pará.”

Segundo ele, as aulas com os alunos começam com uma conversa. Além disso, a própria explicação do nome do grupo já tem o objetivo de reforçar a identidade e o orgulho de ser paraense. “Muitos não conhecem essa história e vemos que tudo tem um sentido e um objetivo”, diz. O grupo possui ainda um lema, puxado da frase que estampa o brasão da cidade de Capanema: “Progressum Facere”, que, em latim, significa “fazendo o progresso”.

Projeto vai continuar a inspirar mais estudantes

Marcos também compartilha do pensamento de que é a educação e o conhecimento que fazem o progresso de uma cidade, de uma região e de um país. “Com nosso projeto, queremos dar uma contribuição nesse sentido de despertar os jovens para a ciência, pois eles podem voar alto, tal como cada foguete”, comenta Marcos.

Na coordenação geral do grupo e do festival, ao lado do marido, Suelen Nascimento espera conquistar mais apoio. Além disso, pretende envolver mais alunos, professores e escolas. “Queremos um dia ter um festival, conseguir colocar aeronaves aqui para eles verem e ter mais escolas do Pará. Pois sabemos que não é um evento só, mas um despertar para esses jovens, como nós um dia tivemos”, afirma.

* A reportagem contou com a primeira edição de Alice Martins e fotos de Márcio Nagano. Também participaram da revisão alunos da turma 2D, da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Antônio Lemos, de Santa Izabel, Pará.

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