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A moda do cigarro eletrônico e o impacto na saúde dos jovens

Na imagem, uma jovem branca segura um cigarro eletrônico olhando para a janela. Não é possível identificar seu rosto.

Jaqueline* e Emília*, ambas com 13 anos, tiveram contato com cigarro eletrônico pela primeira vez em uma festa. Jaqueline descreve sua experiência como “nada de mais” e acredita que não vale prejudicar sua saúde “por uma coisa tão fútil”. Já Emília, apesar de ter achado a sensação “estranha”, seguiu fumando de vez em quando em festas e em reuniões com os amigos. Segundo ela, porque o uso não é frequente, ela vai conseguir parar “de boa”.

“Diferente do que alegam as empresas que produzem esses produtos em relação ao público-alvo, que supostamente são adultos que desejam parar de fumar cigarros tradicionais, a gente observa que quem tem consumido [cigarros eletrônicos] mais frequentemente são jovens”, diz Mariana Pinho, enfermeira e mestre em saúde pública pela Fiocruz.

Em 2023, o inquérito Covitel, que monitora os fatores de risco para doenças crônicas no Brasil, apontou que 5,7% da população com 18 anos ou mais já usou cigarro eletrônico uma vez na vida. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense) 2019, 2,80% dos estudantes brasileiros de 13 a 17 anos de idade usaram cigarros eletrônicos nos últimos 30 dias. No mesmo ano, dados da Pesquisa Nacional de Saúde, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que o consumo dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) é de 0,6% – aproximadamente 1 milhão de usuários. Desses, 70% têm idade entre 15 e 24 anos.

“Vape”, “pod”, “pen drive”: cigarro de jovem?

Além de aparecer em séries que se passam no ambiente escolar, como “Euphoria” (2019) e “Rebelde” (2022), Aline Mesquita de Carvalho, psicóloga do Programa Nacional de Controle do Tabagismo e Outros Fatores de Risco de Câncer, do Instituto Nacional de Câncer (Inca), considera que o formato dos cigarros eletrônicos “parecido com outros objetos encontrados nas mochilas escolares, como pen drives, corretivos e canetas” podem atrair o público jovem.

Para ela, o “próprio nome ‘vape’ cria a falsa impressão de que esses produtos só emitem vapor e não substâncias tóxicas”. Mas, embora o uso de aditivos “melhore o gosto e diminua a irritação nas vias respiratórias, aumenta também a capacidade de causar dependência”.

“Se os mais jovens deixam de fumar, a indústria decai, da mesma maneira que uma população em que não há nascimento acaba desaparecendo” – Mariana Pinho

“A indústria precisa de uma estratégia que estimule o consumo. Logo, se o primeiro cigarro é uma experiência ruim, embalagens e sabores agradáveis o tornam um produto muito mais atraente para a juventude”, diz Pinho.

Além disso, cigarros eletrônicos têm embalagens completamente diferentes dos cigarros convencionais. “Sem uma mensagem nítida de que não se deve consumir, passam a ideia de que não é prejudicial como o cigarro”.

Segundo ela, mesmo que não sejam o alvo das campanhas, o design do produto e a forma como o cigarro eletrônico vem sendo promovido globalmente são capazes de “despertar o interesse do público jovem para experimentar, obviamente, com o propósito de causar dependência”.

Os danos causados e os avanços contra o tabagismo

Em comparação aos cigarros tradicionais, em que um dos vilões é a geração da substância cancerígena alcatrão em decorrência da queima do tabaco, o cigarro eletrônico não pode ser considerado menos prejudicial. Como diz Pinho, os sais de nicotina presentes no aparelho são altamente absorvidos pelo organismo e têm grande potencial de causar dependência química, podendo desencadear mudanças duradouras no cérebro do jovem. “Quanto mais cedo a exposição a essa substância, mais receptores de nicotina o cérebro cria. Ou seja, um adolescente tem muito mais receptores do que alguém que começou a fumar mais tarde”, explica.

“A verdade é que a esmagadora maioria dos fumantes começou a fumar na adolescência”, diz Cheryl Healton, professora em política de saúde pública, sobre a possibilidade de viciar adolescentes em nicotina, no documentário “Big Vape”, que mostra a ascensão e a queda de uma marca de cigarro eletrônico.

Além de causar problemas no desenvolvimento emocional e cognitivo do adolescente, a exposição à nicotina pode afetar o sistema circulatório e vascular, aumenta riscos de infarto do miocárdio, acidentes vasculares cerebrais (AVCs), disfunção erétil e problemas no aparelho reprodutor, diz Pinho. No Reino Unido, uma jovem asmática de 12 anos sofreu um colapso pulmonar atribuído ao uso de “vape”. Estima-se que uma em cada cinco crianças entre 11 e 17 anos de idade no Reino Unido já experimentou cigarros eletrônicos.

Todo cigarro eletrônico consumido no Brasil é contrabandeado. A Agência Nacional de Vigilância e Saúde (Anvisa) proíbe a comercialização, importação e propaganda dos aparelhos. Por isso, Carvalho destaca a necessidade de fiscalização e combate ao comércio ilícito.

Para ela, a proteção de crianças e adolescentes está relacionada à proibição de aditivos nos produtos de tabaco e à implementação de uma política de impostos que incida no aumento do preço desses produtos.

Já Pinho comenta que, por não terem acompanhado “a evolução dos ambientes livres de cigarro e das restrições de propaganda no início dos anos 2000″, as crianças de hoje chegam na adolescência “sem conhecer a importância e relevância dos avanços contra o tabagismo”.

Como acolher os jovens que usam cigarros eletrônicos?

“Meus pais perguntaram se eu teria curiosidade de experimentar [cigarro eletrônico]. Falaram que eu podia fumar se não fosse algo tão frequente e se eu os avisasse antes”, conta Emília. No caso de Jaqueline, não tem conversa com os pais sobre o assunto. Ela não contou sobre a sua experiência pelo risco de apanhar se soubessem, diz. Para Pinho, o diálogo é a melhor forma de evitar o uso por crianças e adolescentes. Caso já fumem, “que sejam estimulados a todo momento a parar sem uma abordagem moralista”.

Mas os pais não estão sozinhos. “Não é a primeira vez que a indústria do tabaco acena com um produto com argumentos de que seriam menos danosos”, comenta Carvalho. “Portanto, nossa posição é informar crianças e adolescentes sobre o risco do uso destes produtos e sobre as estratégias da indústria do tabaco para atingi-los.”

O consumo de tabaco é uma causa de morte evitável. Há tratamentos gratuitos no Sistema Único de Saúde (SUS) para cessação do tabagismo, como a prescrição de gomas ou adesivos de nicotina. Apesar disso, a enfermeira recomenda “investigar quais são as formas mais adequadas e efetivas de abordar adolescentes que se veem dependentes do uso do aparelho”, considerando esse um grande e recente desafio para profissionais da saúde.

* Os nomes foram trocados para preservar a identidade das entrevistadas. Optamos também por não revelar seus nomes completos para garantir sua privacidade e proteção.

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