A despedida da infância na série ‘O dia em que minha vida mudou’

A série retrata com delicadeza e humor o turbilhão de emoções que é a adolescência

Renata Rossi Publicado em 19.09.2025
Montagem com várias capas dos livros da série O dia em que minha vida mudou, de Keka Reis. Em tons de azul e roxo, os personagens Mia e Bereba ilustram as capas.
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Resumo

A série “O dia em que minha vida mudou” é um retrato do luto pela infância e a inauguração de uma fase cheia de transformações. Em vez de julgar, Keka Reis recomenda às famílias acolhimento e tentar "falar a língua” dos adolescentes para melhorar a comunicação.

A infância dura apenas 12 anos. Se o brasileiro vive, em média, 76 anos, então somos crianças durante apenas um sétimo de toda a vida. No entanto, é comum encurtar essa fase. Para a educadora e psicanalista Carolina Delboni, o tempo para brincadeiras é cada vez mais cedo ocupado com tarefas que miram um futuro brilhante.

Nesse sentido, o psicanalista Joel Birman afirma que o início precoce da adolescência tem relação com o aumento da exigência de performance e que esse processo impacta a construção da identidade na juventude. De acordo com ele, acelerar etapas acaba por borrar os limites entre infância, adolescência e vida adulta. Isto é, crianças começam a agir como adolescentes antes da hora e jovens têm dificuldades para lidar com as responsabilidades da vida adulta que se aproxima.

Não bastassem essas novidades do desenvolvimento, quem chega ao fim da infância hoje enfrenta desafios ainda mais complexos: as redes sociais, a pressão por desempenho na escola e até preocupações em relação à crise climática, por exemplo. Em seu livro “As dores da adolescência: como entender, acolher e cuidar” (Summus Editorial), Carolina fala sobre “a intensidade com que o corpo e a mente reagem às experiências” dessa fase. E como os questionamentos aparecem cada vez mais cedo. “É comum ouvir dos pais que aos 11 anos os filhos trazem questões que antes apareciam com 14 ou 15 anos”, afirma.

Quem está preparado para a despedida da infância?

De um dia para o outro, aquela criança fofa, que adorava os passeios em família e ficava ansiosa pelo fim de semana bate a porta do quarto, acha tudo um tédio e não quer mais conversar.

Para lidar com a angústia de conviver com esses “seres estranhos” debaixo do mesmo teto, a escritora e roteirista Keka Reis escreveu o primeiro livro da série “O dia em que minha vida mudou”. Sua filha, que hoje tem 20 anos, estava então se despedindo da infância. “Acho que foi uma despedida um pouco forçada, de um jeito até acelerado. No sentido que o mundo está pedindo isso para as crianças hoje em dia”, explica. “Vê-la passar por isso foi desafiador. Então, escrevi com o coração de mãe, vendo alguém que não está pronto. Que está de boa na infância e o mundo ao redor puxando para a próxima fase.”

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“O dia em que minha vida mudou por causa de um chocolate comprado nas Ilhas Maldivas”, Keka Reis e Vin Vogel (Escarlate)

Mia, uma menina do sexto ano, vê sua rotina virar de cabeça para baixo ao receber um presente inesperado: um chocolate raro, cheio de memórias afetivas, e um bilhete escrito por Bereba, até então apenas um amigo. Com delicadeza e humor, a narrativa captura o turbilhão de emoções que é a despedida da infância. Além disso, existe o olhar de quem tenta redescobrir novos jeitos de ser mãe e mulher em meio a essa nova fase. “É um pouco sobre essa despedida e o quanto também é dolorido para os pais. Especialmente para uma mãe que botou na educação da filha quase todo o seu desejo”, destaca Keka.

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“O dia em que minha vida mudou por causa de um pneu furado em Santa Rita do Passa Quatro”, Keka Reis e Vin Vogel (Escarlate)

No segundo livro da série, Mia vai enfrentar dois grandes desafios: o seu medo de dormir fora de casa por conta de uma excursão da escola e a vontade de dar o primeiro beijo em seu namorado, o Bereba, o garoto do chocolate no primeiro livro. Em meio a tudo isso, Mia também vai precisar lidar com as emoções de estar no sexto ano e se acostumar com o namorado da mãe.

Para falar a língua deles

A literatura juvenil, ao refletir as dores e as aventuras vivenciadas durante a adolescência, pode indicar outros jeitos de ser e estar no mundo por meio dos seus personagens. “A literatura pode ajudar a sustentar o tanto de interrogação que eles têm nessa fase. Quem eu sou? Para onde eu vou?”, diz Keka Reis. “E sustentar também o silêncio necessário para ler um livro, para pensar, criar imagens a partir daquela narrativa internamente.”

Para pais e mães, a escritora recomenda acolher, em vez de julgar ou diminuir a importância dos dilemas. Segundo ela, embora a comunicação muitas vezes seja desafiadora, tentar falar a língua deles e demonstrar interesse por esse universo que é novo para todos pode ser um bom caminho. “A gente tem mania de achar que tudo que diz respeito à aventura e à delicadeza que é crescer e sentir tanto é uma bobagem. Eu parto do princípio de que é muito genuíno. Dói, mas é legal também.”

Das páginas para as telas

Para a autora e roteirista Keka Reis, o desafio de criar conteúdo para pré-adolescentes está em não menosprezar a intensidade dos sentimentos comuns a essa fase. De acordo com ela, é preciso olhar com empatia e não com o ar de quem já passou por isso, sobreviveu e acha tudo uma grande bobagem.

Depois de mais de 30 mil cópias vendidas dos livros e de cinco temporadas no teatro na cidade de São Paulo, é possível acompanhar a história de Mia na televisão. A segunda temporada da série em live-action “O dia em que minha vida mudou” está disponível na Globoplay.

Por fim, para continuar a explorar histórias sobre adolescência nas telinhas a partir de adaptações de livros, Lunetas também indica o filme “O diário de Pilar na Amazônia”, previsto para estrear em janeiro de 2026. Pilar, protagonista da série “Diário de Pilar” (Pequena Zahar), de Flávia Lins e Silva e Joana Penna, vivencia situações comuns a essa fase e pode assim inspirar quem está se despedindo da infância.

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