Os bboys e irmãos Menor e Flick movimentam a cena breaking em Feira de Santana

Os bboys e irmãos Menor e Flick movimentam a cena breaking em Feira de Santana

lang="pt-BR">A dança, o breaking e a influência do Tik Tok entre as crianças
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A dança, o breaking e a influência do Tik Tok entre as crianças

imagem de capa para matéria de dança crianças e break, mostra dois jovens negros, dançando break em um salão

Enzy ainda era um menino de 7 anos quando começou a ver o irmão, Dyron, arrastar os móveis em casa para dançar breaking. Curioso, ele pedia para ir às batalhas em Feira de Santana, onde moram, e também em Salvador, junto com a Legião Breaking Arts, grupo criado por Dyron e seus amigos. Assim, não demorou para Enzy se tornar o “Menor” do movimento.

Na próxima semana, quando o breaking estrear como esporte nos Jogos Olímpicos de Paris, os dois irmãos, de 9 e 23 anos, acham que vai ser uma chance de o mundo ver as danças urbanas com outros olhos. “Eu já escutei que breaking era ficar se esfregando no chão. Mas pode vir um outro pensamento daí, uma ascensão com as Olimpíadas”, diz Dyron Oliveira, mais conhecido como Flick. Em sua opinião, foi injusto o Brasil não ter classificado atletas para os Jogos. Isso porque o país tem dançarinos e dançarinas excelentes, os break boys e as break girls, ou bboys e bgirls.

A visibilidade positiva para esse estilo, entretanto, parece ser mais importante para Dyron, que recebeu o apelido de uma pessoa em situação de rua. “Ele dizia que flick era o barulho do fogo queimando a madeira, e que eu estava fazendo isso com os meus ossos”, lembra.

Para entrar nos Jogos Olímpicos, por exemplo, alguns ajustes precisaram ser feitos: as músicas não podem ter palavrões e os atletas devem fazer movimentos lembrando que são “um exemplo” para todo mundo. Assim, Menor considera que “vai ser bom ver outras crianças acreditando que podem ganhar campeonatos e, melhor ainda, querendo saber mais sobre o hip hop. As pessoas devem abrir a mente para essa cultura”.

Um bom bboy, uma boa bgirl

O breaking é uma dança urbana que surgiu no bairro do Bronx, em Nova York (Estados Unidos), nos anos 1970. Para se destacar nesta arte, alguns movimentos são básicos:

  • Respeite os fundamentos da dança e estude os passos
  • Respeite os outros dançarinos e dançarinas
  • Entre em sintonia com a música, ela deve estar integrada à sua dança
  • Tenha humildade para reconhecer que sempre há o que aprender
  • Busque foco, disciplina e determinação
  • Frequente os bailes, as batalhas e competições, mesmo que, às vezes, seja só para observar
  • Assista vídeos de gente dançando. O Tik Tok tem muitos, o Instagram e o YouTube também
  • Respeite seus mestres e suas mestras, mas seja você também o seu próprio professor ou professora
  • Leia sobre o breaking como filosofia e estilo de vida. Além de dança, isso é aula de cultura, de história e de política 
  • Cuide do seu corpo dançante! Treine, tenha uma boa alimentação, beba água e descanse boas noites de sono
  • Disciplina não significa ser uma máquina! Se divirta e aproveite 🙂 

Fontes: Os bboys Enzy Oliveira, Dyron Oliveira e Philipe Estevão

O que para uns é esporte, para outros é filosofia

A estreia do breaking nas Olimpíadas de Paris é um ponto de partida para pensar sobre a valorização das danças urbanas e, para além disso, sobre a importância da dança na educação de crianças e adolescentes. O professor de breaking Philipe Estevão, que na cena de Salvador é o bboy Sabotage, defende o seguinte: “Entrar nos Jogos foi bom, mostrando o breaking de forma séria, especialmente porque ainda há muito preconceito com as danças de rua. Mas, para mim, isso não é um esporte, é um estilo de vida, e a caixinha esportiva limita demais. O breaking é dança, arte e filosofia. É resistência.”

Para ele, que deu aula aos irmãos Menor e Flick, a dança “traz disciplina e foco, fora a autoestima, que é importantíssima, principalmente para crianças e jovens de comunidades periféricas, que vivenciam tantas exclusões”. Sabotage também destaca a curiosidade e a vontade de aprender das crianças. “Essa energia é algo que a dança exige muito. Tem meninas e meninos nessa idade com domínio corporal quase profissional.” Em casa, a filha Ayê Dya, 5, já aprende os primeiros passos. “Ela ama ir para as rodas, se solta nos eventos, mas vê a dança como brincadeira e se diverte!”

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Filha do bboy e professor Sabotage, Ayê Dya vive o breaking como uma brincadeira

Coreografar florestas no deserto do Tik Tok

Das ruas e bailes para as redes sociais, a relação de crianças e adolescentes com a dança também vem sendo modificada pelo Tik Tok. Pouco tempo na plataforma é suficiente para achar vídeos virais de dança em vários estilos. Ainda assim, o bboy Flick mantém seu Instagram e YouTube, mas pensa em entrar “na rede vizinha”. Lá, espera compartilhar vídeos e aprendizagens autodidatas com o irmão e com mais 77 milhões de usuários só no Brasil, segundo dados de 2024 do próprio Tik Tok.

O alcance mundial e o estilo rápido das famosas dancinhas virou tema de pesquisa da artista Marina Guzzo. Pós-doutora pelo Departamento de Artes Cênicas da ECA-USP, professora da Unifesp e pesquisadora do Laboratório Corpo e Arte no Instituto Saúde e Sociedade, ela escreveu o artigo “Uma experiência cartográfica no Tik Tok e seus desertos da monocultura coreográfica”.

A pesquisadora observa que, apesar de tantas possibilidades que a plataforma sugere, tudo acaba reduzido a um padrão imposto pelo algoritmo. “Dançar é um jeito de conhecer o mundo, de pensar, de se relacionar com o tempo e com o espaço. Quando a gente fica preso a um único formato, sempre perdemos”, avalia. Por outro lado, Marina também critica a hipersexualização de meninas, o ambiente de competição e o consumismo. “Tudo ou quase tudo ali está à venda e esse é um grande perigo porque, disfarçada de vida feliz, está uma proposta de mercantilização das subjetividades.”

Segundo ela, “no Tik Tok, muita gente está com o celular na mão só assistindo o outro dançar. Porém, a dança é algo que não precisa vir de fora”. Portanto, considera experiências anteriores de tecnologia e dança mais interessantes pela participação efetiva das pessoas, como os jogos de Pump It e os videogames que possibilitaram controle de movimento, como Nintendo Wii.

Para ela, cada um pode aprender a dançar a música que gosta de um jeito diferente, ou então, procurar caminhos para sentir os movimentos e produzir sentido dançando. “Dançar é também estar à vontade com o seu próprio corpo, com o jeito que ele se move e isso é muito bonito. A gente deveria ter mais dança na escola, pois acho que isso deixaria crianças e adolescentes mais atentos, sensíveis e conscientes de si, do outro e do mundo.”

Segundo a BNCC, a dança é uma das manifestações mais expressivas das crianças

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece diretrizes para o ensino dessa linguagem nas escolas do Brasil, promovendo desenvolvimento cognitivo, emocional e social em todas as etapas da educação básica.

Na educação infantil – Defendida como uma das manifestações mais expressivas das crianças, a dança contribui para o desenvolvimento integral de meninas e meninos. Entre as diretrizes, estão a exploração do corpo e do movimento; brincadeiras e jogos corporais; expressões de sentimentos e emoções, além da integração com outras linguagens, como a música, as artes visuais e o teatro.

No ensino fundamental – A dança está no componente curricular como uma prática da cultura e da arte, do qual também fazem parte música, artes visuais e teatro. Nessa etapa da educação, algumas diretrizes são apreciação e análise da dança; criação e expressão; conhecimento histórico e cultural; participação em apresentações e interdisciplinaridade com outras áreas do conhecimento, sejam linguagens, matemática, ciências da natureza ou ciências humanas.

Fonte: Ministério da Educação

Dançar é ouvir o mundo com os olhos da pele

Como é a vida de um bebê dentro da barriga da mãe? Manu Dourado, 16, escolheu responder a essa pergunta “ouvindo com os olhos da pele”. Assim, ela está entre as 20 crianças e adolescentes, com idades entre 7 e 16 anos, que fazem parte do Laboratório Criativo Memórias e Infâncias, para gestar “A casa barriga”. O espetáculo tem direção da arte-educadora Débora Landim e é inspirado no livro de Sônia Robatto, autora de literatura infantil e fundadora da Revista Recreio.

Manu nasceu cega e, aos seis anos, quando entrou para o Instituto de Cegos da Bahia, descobriu que gostava de cantar e que queria fazer isso da vida. A música, então, a levou ao teatro e o teatro à dança, onde agora participa de jogos, brincadeiras e improvisações sonoras. Além disso, ela explora muitas possibilidades para gerar, nascer e habitar a Terra, que é a casa-barriga de todo mundo.

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Manu Dourado, 16, ensina o elenco do espetáculo “A casa barriga” que “dançar é ouvir com os olhos da pele”

“O teatro e a dança ajudam a me expressar, a estar com outras pessoas, me trazem desafios e me mostram que sou capaz”, conta Manu. Outras experiências de cantar com artistas como Carlinhos Brown, Armandinho e Saulo Fernandes vão formando o repertório que ela compartilha nas redes sociais, para inspirar mais adolescentes e crianças. “Quando penso no futuro, estarei nos palcos, com certeza, cantando e dançando, porque a arte é maravilhosa. Diria a outros jovens, com ou sem deficiência, que descubram o que querem e vão em frente.”

A mãe de Manu, Luciana Alves, conta que é desafiador apoiar a arte não sendo da área e manter esse sonho “é correria”, principalmente tendo outros dois filhos, de 6 e 23 anos. “Mas é o que ela gosta. Então, todo sábado, estamos lá para os ensaios do espetáculo, depois de uma semana sempre puxada, mas é tão gratificante vê-la se expressar, aprender, ver que está feliz”. A mulher que já foi a casa-barriga de Manu resume: “A felicidade de uma filha é sempre a nossa.”

A dança é o pensamento do corpo

Se fosse possível estabelecer uma infância para a dança, a coreógrafa Lulu Pugliese diria que é a concepção. “Desde quando o espermatozoide luta para chegar ao óvulo, existe movimento. Assim como o bebê quando brinca, antes e depois de nascer. Não tem como dissociar criança, movimento, brincadeira e dança“, afirma a educadora, referindo-se também ao trabalho que realiza no espetáculo “A casa barriga”.

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Professora, mestra e doutora pela Escola de Dança da UFBA, a primeira do Brasil, Lulu defende que se fale em “danças” e “infâncias”, no plural, ao refletir sobre a importância dessa linguagem na formação de meninas e meninos. Conforme lembra, ela foi uma criança que, literalmente, pulou o muro da escola, e, após uma formação em balé clássico, passou a advogar por uma dança sistêmica.

E o que é a dança sistêmica? “É a que traz a mãe, a família, o corpo, as memórias, como a criança acordou, o que ela ouviu e observou durante o dia, se a água entrou na casa, o que o cachorro fez… Desse modo, tudo faz parte de um processo criativo e pedagógico da dança”, explica. Em lugar de corpos dóceis e controlados, Lulu propõe outras formas de dançar e de “corpar” o mundo, em uma referência à professora e crítica Helena Katz, para quem “a dança é o pensamento do corpo”.

Depois de transgredir o “pé de bailarina, pé de palhaço”, a professora foi ensinar a partir de outros referenciais. Sua aula tem fila, mas também tem roda. Pode ser na sala, mas também no pátio, na escada, no corredor, debaixo do coqueiro ou no jardim. Sempre considerando os movimentos das crianças, para transbordar junto com elas. No entanto, aos que insistem em impor tradições e hierarquias, Lulu brinca: “Filho de peixe, borboleta é! Filho de peixe pode ser peixe, mas pode ser baleia!”

Não podia haver projeto mais materno para unir Taiana Muniz e a filha Sophia, 9. As duas integram a Companhia Novos Novos, onde Taiana começou criança, “um corpo dançante que fazia capoeira”, e espaço para o qual Sophia entrou este ano, seguindo “a brincadeira de cantar e dançar que fazia desde pequena”.

A mãe conta que não imaginou isso lá atrás. “Sinto um turbilhão de emoções porque estou nesse lugar de infância com ela. Um lugar de família, de aconchego, onde cheguei aos seis anos de idade e agora, 20 anos depois, vejo minha filha dançar.” Ao mesmo tempo, a filha celebra estar no teatro, “aprendendo a improvisar, vivendo a dança, que é uma terapia”. Depois de achar que não ia passar no teste, Sophia sente que a arte do hip hop faz seu corpo “balançar para lá e para cá. Eu me sinto um mar, sabe?”

O espaço lúdico do balé para meninos e meninas que dançam

Quando estou dançando, me sinto feliz”, diz Naitanã, 4, que está aprendendo balé com a mãe, a bailarina Drica Duarte. Fundadora do Projeto Luz Diamantina, escola de dança no Vale do Capão, na Chapada Diamantina, Drica diz não ter memória do que é a vida sem dança. Isso porque ela começou mais nova do que o filho, aos 3 anos de idade.

Depois de vivenciar anos de rigidez, aprendizados na faculdade de educação física e uma especialização em arte-educação, quis fazer diferente em suas aulas. “Com o tempo, fui me descolando da metodologia focada em resultado, em competitividade, que excluía todos os corpos fora do padrão – pessoas negras, gordas, com deficiência, a quem foi dito que elas não eram boas.”

A partir dessas experiências, Drica desenvolveu o próprio método, que se baseia na ludicidade. No Capão, meninas e meninos aprendem a fazer o plié e a quinta posição, mas fazem isso brincando. A proposta deu tão certo que ela se surpreende até hoje, 12 anos depois, com as turmas sempre cheias na cidade do interior baiano. “Acho que eles vêm justamente porque eu não sigo o modelo clássico, no qual as crianças são ensinadas como se fossem adultos, com repetições exageradas e sequências que desconsideram as fases da infância.”

A bailarina e professora Drica Duarte ensina balé para crianças, entre elas, seu filho Naitanã, em um método baseado na ludicidade

Como bailarina e professora, Drica avalia que a importância da dança na vida de crianças e adolescentes passa pelo desenvolvimento de capacidades físicas, motoras e também cognitivas e sociais. Portanto, sua proposta é ensinar com excelência, mas sem ir pelo caminho que considera adoecedor. “Minha linha é voltada para a qualidade de vida; pois quero educar a criança por meio da dança.”

Vendo a mãe nesse universo desde bebê, Naitanã pediu para dançar. O pai teve dúvidas, temendo o preconceito de gênero que ainda ronda esse estilo. A mãe foi mais direta. “O que eu ia dizer? ‘Não, filho, porque a sociedade é cruel? Deixa ele viver esse sonho. Enquanto for uma vontade genuína, ele vai, sim, ser bailarino.”

Nosso corpo no mundo

A dança tem um papel fundamental na construção de mundo e de ser humano, afirma Matias Santiago, professor, bailarino e diretor do Balé Jovem de Salvador. Nesse sentido, ele afirma que o contato de crianças com essa linguagem permite “reconhecer o próprio corpo, o corpo do outro e essas relações”. Na adolescência, com a descoberta da sexualidade e tantas outras mudanças, a dança fortalece a diversidade e uma compreensão política, diz. “Eles passam a entender a cultura como parte da cidadania.”

Com direção de Matias Santiago, Balé Jovem de Salvador forma jovens para atuação profissional

Pesquisador da área, Matias acredita que não há desafios para quem deseja dançar livremente, uma vez que é “uma manifestação inerente a todo ser humano”. Em sua avaliação, os problemas surgem para quem escolhe a dança profissionalmente. “No Brasil, algumas políticas públicas ainda esbarram na visão de que a dança é um dom, e não um trabalho”, critica. O Balé Jovem é uma possibilidade de intervir nesse contexto, já que a companhia forma profissionais e gera oportunidades para quem está começando.

Desde criança, o diretor sabia que seria esse o seu caminho, “eu já nasci dançando”, lembra. Para ele, pode estar na infância a chave para uma grande mudança social. “É quase uma utopia, mas se a dança fosse pensada como elemento fundante de cidadãos desde cedo – integrando família, escola e as mais diversas pastas do poder público -, a gente teria uma sociedade de fato mais democrática, complexa e diversa.

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