Ter paciência é a principal estratégia quando elas negam tudo. Mesmo fazendo parte da formação da autonomia e identidade, é preciso observar os excessos
Considerada uma fase, a descoberta da negação pelas crianças pode indicar um comportamento além da formação da autonomia. Mudar as formas de abordagem e ouvir o que elas têm a dizer é essencial para equilibrar a situação.
Quantos “nãos” você ouve de sua criança por dia? Fazer essa conta pode ser difícil, já que os comandos também são muitos. É “não” para tomar banho, “não” para sair das telas, “não” para comer, “não” para dormir… Mas, até onde pais e cuidadores devem lidar com tantas negativas como um comportamento comum da infância?
Primeiramente, é preciso entender que as crianças passam pela “fase do não” quando compreendem bem o sentido dessa palavra. Além disso, ao saber que elas realmente podem prolongar o tempo de alguma atividade que gostam mais, esse “não” vai sempre aparecer. “É comum a criança se interessar somente por algo que traga prazer e recompensa imediata”, diz a psicóloga infantil e orientadora parental, Amandha Carvalho. “Cabe aos pais e educadores a tarefa de ensinar que nem sempre poderemos fugir ou evitar situações ou atividades negativas.”
Embora seja cansativo, é importante entender que a descoberta da negação é essencial para o desenvolvimento da criança. De acordo com a psicóloga, quando eles entendem que podem dizer “não” é também porque estão construindo um senso de autonomia e autodescoberta.
Em um dia com muitos “nãos” em casa, o escritor e ilustrador Gustavo Piqueira, transformou o desânimo do filho, Milo, 8, em algo diferente. Como o menino estava gripado e sem vontade de conversar, o pai percebeu que as negações não se tratavam de mera desobediência. Milo estava mesmo entediado. “Na época, ele tinha quatro anos, e por uma combinação do estado de saúde e da fase manhosa que ele atravessava, tudo o que eu propunha, ele respondia com um monossilábico ‘não’. E foi assim o dia inteiro.”
O pai, então, decidiu virar o jogo justamente com a forma mais simples de se comunicar com uma criança: o brincar. “Eu estava trabalhando nos desenhos de um livro e Milo começou a se interessar. Esboçou alguns desenhos e eu contei que aquilo era o ‘Senhor Não’ porque tudo o que a gente perguntava, ele só respondia ‘não’.” Assim, Piqueira conseguiu arrancar umas risadas naquele dia que, até então, estava desanimado.
A situação rendeu dois resultados para pai e filho. A primeira foi que Piqueira entendeu como propor tarefas para as crianças. A reflexão se deu mais nas perguntas que ele fazia do que nas respostas de Milo. “Será que estou formulando a pergunta correta e propondo um diálogo com a outra parte? Ou apenas tentando impor minhas regras e minha verdade? Isso vale para todas as nossas relações”, diz.
Depois desse entendimento, o personagem do menino ganhou vida no livro “Nanão”, onde a criaturinha amarela diz “não” para tudo, até que essa mesma resposta só faz sentido quando as perguntas mudam. Piqueira assina o texto e as ilustrações são baseadas no esboço do filho. “A narrativa culmina na ideia de que o problema não era do personagem por só responder ‘não’, mas da gente mesmo.”
Embora se deva compreender que essa fase “faz parte”, é importante observar alguns sinais de alerta. Isso porque, quando a negação é constante a ponto de atrapalhar uma rotina saudável, talvez a criança precise de ajuda. A psicóloga Amandha Carvalho explica que em casos que a criança evita muito e até mente, algo não está certo. “Quando o ‘não’ vem de maneira exagerada, específica ou gera birra seguida de uma negação mais intensa é bom que isso seja investigado.”
Ou seja, se ela não quer mais fazer algo que gostava muito ou se esconde para não ir a algum lugar, pode estar demonstrando algum tipo de medo ou trauma. O ideal é conversar e até mesmo procurar um especialista. “Mas é importante ressaltar que a rotina da criança precisa ser bem estabelecida a fim de evitar essas negações específicas. Além disso, devemos lembrar que nem todas as crianças são desafiadoras e questionadoras”, diz a psicóloga.
Há algumas estratégias para fazer a criança entender que precisa seguir a rotina. Ao invés de simplesmente mandar tomar banho ou sair das telas, é melhor conversar que está chegando a hora de encerrar uma atividade e que alguns hábitos são necessários. Dessa forma, é bom sempre explicar os porquês e indicar que algumas regrinhas precisam ser seguidas, principalmente as de higiene. Confira quatro passos para entender e reverter o “não” das crianças:
Transtorno Opositor Desafiador
Atualmente, muito se fala do Transtorno Opositor Desafiador (TOD), sobretudo nas redes sociais. As características geralmente se apresentam como “um limiar de frustração muito baixo, desafio constante às regras, agitação e irritabilidade excessiva, dificuldade em realizar quaisquer comandos e birras em excesso”, explica Amandha Carvalho. Embora esses comportamentos sejam comuns a todas as crianças, há uma certa frequência e intensidade em que são manifestados. Por isso, apenas um psicólogo ou neuropsicólogo pode dar o diagnóstico e os caminhos adequados. Tentar identificar o TOD ou qualquer outro transtorno apenas com pesquisas na internet não é recomendado. A psicóloga ressalta que cabe ao profissional de saúde mental fazer o diagnóstico, pois “é necessário um acompanhamento para definir metas e estratégias que ajudem a criança a desenvolver habilidades emocionais específicas”.