Como escolas apresentam Inteligência Artificial para as crianças?

Crianças têm bom aproveitamento no uso de novas tecnologias em sala de aula, mas especialista alerta para a falta de regulamentação

Célia Fernanda Lima Publicado em 02.08.2023
Menina branca de cabelos castanhos longos e lisos vestindo roupa azul usa o computador ao lado de um menino branco de cabelo curto castanho que a observa
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Resumo

Presente em algumas escolas do país, a Inteligência Artificial é usada para melhorar a aprendizagem. Enquanto a Unesco diz que há poucas evidências sobre os resultados positivos, especialista enfatiza que a IA precisa integrar mais do que excluir.

Escolas brasileiras têm adotado ferramentas de Inteligência Artificial (IA) em atividades textuais, com as plataformas de correção de texto ou de perguntas e respostas, por exemplo, e outras possibilidades relacionadas a cálculos e produção de jogos digitais.

Ainda que projetos com as novas ferramentas em sala de aula pareçam ser promissores, a Unesco fez um alerta importante: faltam evidências robustas para avaliar os resultados. A conclusão é do Relatório de Monitoramento Global da Educação de 2023, que destaca o direito à educação cada vez mais ligado a outro direito, o da conectividade adequada.

A prática da IA nas escolas deve aproveitar o recurso para inclusão dos alunos sem que haja qualquer tipo de discriminação, comenta Bianca Kremer, professora e pesquisadora em direito e tecnologia. Segundo ela, a IA deve integrar, e não excluir os alunos. “Isso pode acontecer, por exemplo, se os dados forem utilizados para estigmatizar os estudantes por seu desempenho com as ferramentas.”

Como professores e alunos se adaptam à Inteligência Artificial?

Na escola São Francisco Xavier (SP), o método é desafiar os alunos com o ChatGPT e outras ferramentas de pergunta e resposta. Os professores questionam se as respostas estão corretas ou completas, se o estudante responderia da mesma forma que o sistema ou se fizeram a pergunta de maneira coerente.

Enquanto “as crianças têm familiaridade com a tecnologia, pois são nativos digitais”, diz Anderson Pacheco, coordenador de tecnologia da escola, alguns professores ficaram resistentes. Mas a maioria abraça a curiosidade, diz. “Perceberam que a inteligência artificial é um recurso a ser aproveitado em sala de aula.”

De acordo com Pacheco, os professores seguem responsáveis por orientar os alunos. “Embora a IA tenha o poder de gerar resultados rapidamente, cabe a eles interpretar e adaptar-se às melhores respostas.”

Jogos estimulam as crianças

Em Porto Alegre (RS), os alunos do sistema municipal participam da chamada “Sala da Inovação”, onde exploram o ChatGPT e jogos como Minecraft e Roblox.

“Eles fazem fila na porta da sala para ver o que as outras turmas estão fazendo”, conta Tatiane Reis, professora e articuladora de inovação da escola Porto Novo. Ela orienta professores e alunos do 3º ao 9º ano sobre a implementação de tecnologias na escola, “como ferramenta para aprenderem criativamente e agilizar o processo”.

Lá, um dos projetos desenvolvidos por estudantes é o “Escola de Orixás”, um jogo virtual em que combinam linguagem de programação e mitologia iorubá. Nos “recreios de jogos”, Reis faz a mediação enquanto os alunos jogam Minecraft Education e Roblox Studio, aplicativos para a criação de novos jogos. “Eles querem jogar, mas para isso têm que ler e pesquisar, respeitar a vez do colega e lidar com as frustrações.”

Já com o ChatGPT, as crianças aprendem a pesquisar e a elaborar perguntas eficientes até chegarem na resposta que precisam. De acordo com a professora, isso as ensina sobre criticidade. “Elas sabem que não podem confiar cegamente e não basta copiar e colar. É preciso conferir as respostas.”

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Imagem: Tatiane Reis

Alunos da escola municipal Porto Novo (RS) usam Inteligência Artificial em sala de aula e desenvolvem projetos como jogos e pesquisas

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Alunos da escola municipal Porto Novo (RS) usam Inteligência Artificial em sala de aula e desenvolvem projetos como jogos e pesquisas

Projetos com Inteligência Artificial nas escolas se expandem

No Espírito Santo, Paraíba, Mato Grosso do Sul e Pará, algumas escolas estaduais adotaram a ferramenta Letrus para correção de redações pela.

No Paraná, desde 2020, estudantes do 6º ao 9º ano das escolas estaduais usam o sistema “Redação Paraná”, uma plataforma de IA focada na parte gramatical do texto. Depois, o professor corrige a parte argumentativa. Além disso, o estado possui uma plataforma autoinstrutiva para o ensino de língua inglesa, o “Inglês Paraná”. São 16 lições com atividades, tradução, áudio e vídeo para os estudantes.

Já em São Paulo, enquanto algumas escolas da rede estadual desenvolvem projetos-piloto de IA de construção e correção de texto, escolas particulares têm aplicado o recurso para pesquisa e atividades de outras disciplinas.

Desigualdades comprometem o avanço dos alunos

O relatório da Unesco destaca como as desigualdades relacionadas ao acesso tecnológico comprometem o avanço educacional. É importante aderir às novas tecnologias na educação, mas o processo deve ser igualitário. Somente 40% das escolas primárias e 50% das escolas secundárias estão conectadas à internet no mundo todo. Nos países mais ricos, apenas 10% dos estudantes de 15 anos usam aparelhos digitais, por mais de uma hora por semana para estudar.

Segundo o documento, as ferramentas deveriam se concentrar mais em resultados de aprendizagem, e não só em aparatos digitais. Um exemplo é mais de um milhão de laptops que foram distribuídos a estudantes do Peru sem estarem incorporados às práticas de ensino.

“Os governos precisam garantir as condições certas para permitir o acesso igualitário à educação para todos, regulamentar o uso da tecnologia de modo a proteger os estudantes de suas influências negativas e preparar os professores”, diz o texto. O uso deve atender os interesses dos estudantes e “complementar uma educação baseada na interação humana”.

Quem regulamenta a tecnologia nas escolas?

A União Europeia foi a primeira a aprovar uma legislação que estabelece limites para as ferramentas de IA. A principal regra é que todo contato deve ser mediado por inteligência humana. A multa aplicada para empresas que descumprirem a regulamentação é de 40 milhões de euros.

Já o governo japonês estabeleceu diretrizes para o uso limitado de IA nas escolas primárias, secundárias e de ensino médio do país. A principal preocupação é o impacto negativo no pensamento crítico dos estudantes, sobretudo dos menores de 13 anos. Autoridades sugerem que a tecnologia seja orientada por professores.

No Brasil, ainda não há uma regulamentação específica sobre Inteligência Artificial. Mesmo assim, projetos de lei (PL) apontam diretrizes para a segurança da internet e novas tecnologias, principalmente entre crianças e adolescentes. Além do PL 2630/2020, conhecido como “PL das fake news”, o PL 2338/2023 dispõe sobre o uso de IA em diferentes contextos sociais, com o objetivo de “identificar os riscos e os agentes envolvidos no processo”, diz Kremer. No contexto escolar, regulamentar é ainda mais urgente, pois, para a advogada, esse tipo de tecnologia pode “impulsionar processos discriminatórios ou violências encontradas no ambiente artificial”.

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