Como os desastres ambientais afetam a vida e saúde das crianças?

Doenças respiratórias, diabetes, câncer e óbitos por desastres são reflexos da crise climática que impactam direta e indiretamente as infâncias de hoje

Eduarda Ramos Célia Fernanda Lima Publicado em 16.03.2023
Foto em preto e branco de pessoas em uma rua alagada
OUVIR

Resumo

Falar sobre desastres ambientais, como queimadas, enchentes e outros eventos intensificados pela crise climática, também é falar sobre a saúde dos pequenos.

Alagamentos, incêndios e deslizamentos são alguns exemplos de desastres naturais, que estão se intensificando em decorrência da crise climática, com consequências que afetam a saúde de crianças ou até causam sua morte. As fortes chuvas de fevereiro em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, deixaram 65 mortos, entre os quais 23 crianças. Muitas famílias ainda estão desabrigadas. Em Manaus (AM), quatro crianças morreram com a destruição causada por soterramento, em março. Até os recentes ataques de tubarão, no Recife (PE), estão conectados às mudanças climáticas. Especialistas apontam que a presença de tubarões nas praias tem a ver com o aquecimento dos oceanos e o desequilíbrio ambiental com o despejo de esgoto no mar.

Vulneráveis aos desastres e expostas a riscos como falta de água, enchentes fluviais, enchentes costeiras, ondas de calor, poluição do ar ambiente e exposição à poluição por pesticida, muitas crianças perdem a vida em situações mais graves ou têm a saúde afetada direta ou indiretamente, sobretudo porque, com um sistema imunológico ainda em desenvolvimento, elas têm mais chances de adoecer. O relatório “Crianças, adolescentes e mudanças climáticas no Brasil” indica que mais de 40 milhões de crianças e adolescentes brasileiros (quase 60% da população infantojuvenil do país) estão expostas a choques climáticos e ambientais.

Considerado um dos piores desastres ambientais da atualidade, o incêndio causado pelo descarrilamento de um trem em East Palestine, cidade no estado de Ohio (EUA), em fevereiro, liberou grandes quantidades de cloreto de vinila, uma substância tóxica e cancerígena, desencadeando ordens de evacuação para quase 2 mil pessoas, e a constante avaliação da qualidade do ar e da água na região. Segundo o jornal The New York Times, o evento trouxe efeitos à saúde física ainda incertos, mas as consequências à saúde mental já são previstas, como estresse pós-traumático e preocupação com o futuro dos filhos. O Unicef reforça que o deslocamento forçado pode afetar de diferentes formas a saúde física e mental de crianças em situação de maior vulnerabilidade, podendo interferir no desenvolvimento físico, cognitivo e emocional.

Para Juliana Gatti, mestra em conservação da biodiversidade e desenvolvimento sustentável, falar sobre como tragédias ambientais afetam a saúde das crianças é, antes de tudo, pensar em como a crise climática intensifica os efeitos de desastres. “Crianças e adolescentes em locais de enchentes, por exemplo, tendem a ficar mais doentes por conta da falta de saneamento”, comenta. Já a gestora ambiental Júlia Finotti ressalta que populações ribeirinhas, indígenas e quilombolas podem estar ainda mais vulneráveis com a instabilidade do clima, que “prejudica tanto períodos de seca quanto de cheias, já que não saber o quanto vai chover impacta diretamente no acesso à escola ou ao posto de saúde”, diz.

Segundo o relatório do Unicef, aproximadamente dois em cada cinco brasileiros estão expostos à poluição do ar acima do recomendado. No caso de crianças e adolescentes, este número aumenta para três em cada cinco. Gatti reforça que a emissão de gases prejudicam principalmente as crianças na primeira infância, já que os poluentes podem causar asma, bronquite e outras doenças cardiorrespiratórias. A exposição de crianças a poluentes em altas concentrações e/ou por longos períodos também pode afetar o cérebro, causando atrasos no desenvolvimento, fragilizar o sistema imunológico e aumentar riscos de partos prematuros, aumentando chances de morte fetal e mortalidade infantil.

O documento aponta ainda que grande parte da população é afetada por problemas relacionados à alimentação, que podem causar doenças cardíacas e diabetes. Um dos exemplos é a contaminação por chumbo e mercúrio de indígenas yanomami por ação do garimpo ilegal, que acontece com o consumo de peixes também contaminados com o material tóxico. O consumo de alimentos com ingredientes ativos de agrotóxicos pode causar abortos, malformações, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico, câncer, entre outras doenças. O Instituto Nacional do Câncer reforça que o uso de agrotóxicos pode contaminar todas as fontes de recursos vitais, incluindo alimentos, solos, águas, leite materno e ar, causando efeitos em cadeia na alimentação da maior parte da população.

Cuidar da saúde é questão de política pública

Mitigar os danos causados pela crise climática e desastres ambientais é posicionar crianças e adolescentes como prioridade absoluta na pauta climática e ambiental, conforme recomenda o relatório do Unicef, porém, garantir a saúde de todas as crianças é uma questão de política pública, que demanda esforços intersetoriais.

Para Gatti, uma medida urgente é ampliar o acesso das crianças das cidades a áreas verdes, mas populações quilombolas, indígenas e que vivem em espaços rurais precisam de amparo específico que vai além do acesso à natureza: “é importante criar processos, fluxos e ter legislação e regulamentação atuante para que essas populações não sejam atendidas apenas em momentos de emergência”, diz. Um exemplo é a garantia do direito à saúde em regiões do Brasil de difícil acesso, como a reserva indígena yanomami, que têm crianças vulnerabilizadas de maneira mais agressiva devido à dificuldade de obtenção do básico para sobrevivência, como alimentos sem veneno e remédios.

Pensando em regiões urbanizadas, “ter políticas públicas bem distribuídas para que todos tenham acesso a áreas verdes, parques, praças, arborização, traz um ambiente com melhorias na qualidade do ar, com manutenção da umidade, e que possui menos barulho nos arredores”, finaliza Gatti.

O que o Unicef recomenda?

Veja os principais pontos para a segurança das crianças em casos de desastres ambientais:

  • Fortalecer instituições responsáveis pela garantia de preservação do meio ambiente.
  • Incentivar sistemas de informação sobre a população e domicílios afetados por desastres.
  • Assegurar que crianças e adolescentes tenham participação nas decisões de políticas públicas relacionadas ao meio ambiente e à crise climática.
  • Estimular o papel dos povos e comunidades tradicionais na preservação ambiental.
  • Assegurar acesso a água potável e esgotamento sanitário.Promover sistemas alimentares com soluções equitativas.
  • Promover o desenvolvimento sustentável, incorporando saberes de povos tradicionais.

Leia mais

Comunicar erro
Comentários 1 Comentários Mostrar comentários
REPORTAGENS RELACIONADAS