O medo na literatura infantil: lobos, bruxas e travessias

Ao apresentar o mundo através das palavras, a literatura ajuda as crianças a entenderem suas emoções e a enfrentarem seus medos

A Taba Publicado em 06.07.2021
Medo na literatura infantil: Foto de uma menina com chapéu de bruxa com um livro aberto nas mãos
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Resumo

Mediar o contato das crianças com o lado mais sombrio da vida por meio da literatura dá a elas recursos para enfrentarem seus próprios medos.

As palavras podem ser um recurso fundamental para nomear as emoções básicas da experiência humana: medo, angústia, alegria, raiva… e nos ajudar a construir novas representações. Afinal, os livros e as histórias nos apresentam uma diversidade de experiências muito maior do que a própria vida pode oferecer.

Crianças são extremamente sensíveis e inteligentes, capazes de apreender o mundo e a cultura em suas diferentes manifestações. Basta apenas que lhes sejam oferecidas condições adequadas. O papel dos responsáveis – famílias e educadores – é estar por perto, para apoiar e acompanhar os pequenos em suas descobertas e travessias, com sensibilidade e atenção, estando abertos à escuta generosa de todas as suas expressões.

“Bons livros para crianças são bons livros para adultos. O contrário nem sempre é verdade. A diferença está em como os adultos os apresentarão às crianças.”

Por que lobos e bruxas causam tanto medo e fascínio nas crianças?

É comum crianças demonstrarem interesse por personagens que representam o lado mais sombrio da experiência humana, como os lobos e as bruxas, que causam medo ou atravessam situações que geram angústias. Mesmo temendo essas figuras, costumam pedir repetidamente a leitura de suas histórias.

Também estes livros podem ser bons para os pequenos? Se tudo o que é mau, feio, monstruoso deve ficar escondido, o que fazer então com nossa própria feiúra, com comportamentos e desejos que não podemos expressar?

Em Harry Potter, bruxos e bruxas não ousam pronunciar o nome do vilão Voldemort, referindo-se a ele pela alcunha de “Você-sabe-quem”. Nos primeiros livros, inclusive, o malvado personagem não tem forma, é volátil, sendo muito difícil vencê-lo. Curiosamente, é o herói da história quem – desde cedo – aprende a nomeá-lo. E à medida em que outros personagens também se atrevem a fazê-lo, Voldemort toma forma, e é possível derrotá-lo no final da saga. Nesta metáfora, o mal, que se revela dentro e fora de nós, precisa ser nomeado e conhecido. Só em contato com nossos próprios lobos e bruxas, nossos próprios medos, é que podemos reconhecê-los nos outros e em nós mesmos para, então, decidir enfrentá-los.

O encontro com esse lado mais sombrio é fundamental para o desenvolvimento do ser humano – quanto mais conhecemos nossas contradições, mais saudáveis somos. As crianças, curiosas por natureza, desejam ter acesso também a experiências que sabem ser difíceis, mas que precisam ser enfrentadas. Elas estão construindo seu repertório de sentimentos e aprendendo a expressar suas emoções. Se puderem contar com a segurança de um adulto que as acolham e mediem esse encontro, quando adultas, terão a coragem para realizarem suas próprias travessias.

“Não significa abandoná-las na floresta escura para que enfrentem sozinhas seus lobos. Mas, estar ao lado delas.”

Muitos adultos temem a história de João e Maria por tratar do medo do abandono – apesar de inevitavelmente estarmos expostos às separações, seja por uma decisão intencional ou contra a nossa vontade – mas as crianças querem ouvir este conto inúmeras vezes. Seja porque ele trata dos desejos que nos movem e, muitas vezes, nos expõem a tantos perigos, seja porque sua leitura – assim como a de tantas outras histórias – nos dá a certeza de que só o amor é forte o suficiente para nos ajudar a atravessar mesmo as florestas mais escuras.

* Texto originalmente publicado no blog do Espaço da Vila e depois reproduzido em A Taba, por Denise Guilherme, mestre em Educação, formadora de professores e consultora na área de projetos de leitura.

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