Querer dormir com os pais é comum entre os filhos, mas especialistas recomendam delimitar espaços entre adultos e crianças
Crianças podem ter a necessidade de dormir com os pais, mas é possível que pais e filhos tenham seus espaços delimitados mesmo em ambientes compartilhados, favorecendo a autonomia e a independência emocional.
No meio da noite, a cama fica apertada: são mães se encolhendo em um dos cantos ou pais se dando conta de que não cabem mais ali. Isso pode significar uma coisa. O filho acordou e foi buscar um espacinho na cama para dormir com os pais. Esse comportamento infantil é normal, mas pode requerer atenção dos pais em algumas situações.
Naara Joana, 7, e Samuel, 6, sempre dormiram no quarto em que dividem e só procuram os pais quando têm pesadelo. “Sempre foi muito tranquilo, nunca tive problemas. Desde que cheguei da maternidade, eles dormem no quarto deles”, conta Simey Araújo do Nascimento Oliveira, técnica de enfermagem paranaense. Quando, eventualmente, um dos filhos aparecem em seu quarto no meio da noite, Simey acolhe a criança, leva-a de volta ao quarto e fica lá até que adormeça novamente.
Mesmo a criança que sempre dormiu em seu próprio quarto pode ter a fase de correr para o quarto dos pais. É o caso da advogada capixaba Catarina Giordano. O filho Bernardo, hoje com quatro anos, dormia sozinho desde bebê. Mas, “por conseguir sair da cama, ia para o meu quarto ou me chamava”, conta. Catarina e o marido encararam com naturalidade, pois entenderam que essa era uma fase de adaptação do filho.
Para ela, Bernardo deve ter a referência do próprio quarto e sua independência estimulada. “Digo estimular, não forçar, porque nessa idade ainda há uma relação muito forte de apego com os pais e essa independência é gradual. Por isso, sempre o acolhemos no nosso quarto quando há demanda da parte dele, como medo, insegurança ou vontade”. Se o filho vai ao quarto dos pais durante a noite, deixam a criança dormir no meio do casal.
Já a massoterapeuta mineira Cris Amorim dividiu o quarto com o filho Pedro Miguel até completar quatro anos, idade em que começou a realizar a transição para um quarto só dele. Cris conta que Pedro, hoje com seis anos, ainda está se adaptando: ele até dorme em seu próprio quarto em algumas noites, mas é comum acordar e ir para o quarto da mãe.
Ela conta que, quando isso acontece, “a cama fica pequena, apertada, atrapalha ter um sono tranquilo”. Mas que não se incomoda, porque entende que essa é uma forma de demonstrar “carinho, proteção, de fazer ele se sentir seguro, de estar juntinho”, comenta. Por trabalhar muito, está sempre correndo e tem pouco tempo para ficar com o filho.
Nathália Sarkis, médica pediatra e membro titular da Sociedade Brasileira de Pediatria, não vê problema em o filho recém-nascido dormir no quarto dos pais. “Até recomendamos que isso ocorra nos primeiros meses para que os pais observem se durante a noite está tudo bem, para evitar alguma intercorrência. Aconselho a criança a ir para seu quarto por volta de um ano. Essa idade pode variar um pouco mais ou um pouco menos, dependendo da família.”
Além da tranquilidade e da praticidade com as demandas noturnas, “isso também ajuda a fortalecer o vínculo afetivo entre o bebê e os pais. Nos primeiros seis meses de vida é benéfico para ambas as partes dormirem juntas”, acrescenta Daniel Russell Oliveira, psicólogo clínico e psicodramatista.
Porém, Diego dos Santos Barboza, psicólogo clínico e terapeuta relacional sistêmico, faz um alerta: “é justamente nesse comodismo que mora o perigo. É função parental se mobilizar para organizar o espaço do bebê que chega, seja um quarto ou uma cama separada. Nessa organização, existe o cuidado e o afeto”, explica.
“Mais do que um quarto, é importante o bebê entender que tem um espaço no mundo”
Os profissionais entrevistados recomendam que a criança tenha um ambiente delimitado para criar autonomia e independência emocional. Mas a realidade de cada família é diferente. Em muitos casos, os filhos precisam dividir o mesmo quarto com os pais. Nessas situações, Daniel sugere que os responsáveis separem, junto com as crianças, os objetos que são de uso apenas delas, como travesseiro, lençol, edredom.
“Mesmo que a criança não tenha um quarto somente seu, ela vai entender que cada um pode ter seu espaço nesse ambiente compartilhado”
A criança também pode ter alguns brinquedos para delimitar seu espaço e os pais devem estabelecer regras, como sugere Nathalia. “Estimule a criança a organizar o ambiente, a guardar a roupa, a arrumar a cama, porque ela compartilha esse local com outras pessoas”.
De acordo com Daniel Oliveira, quanto mais tarde ocorrer, mais difícil e doloroso é o processo de migração. Porém, ele pode ser feito de maneira gradual. “Um exemplo prático é deixar que a criança tire um cochilo na parte da tarde no próprio quarto. Assim ela irá se familiarizar com o novo ambiente até conseguir dormir lá por uma noite inteira”, propõe o psicólogo.
Permitir que a criança participe da escolha dos objetos que compõem o quarto faz com que o ambiente se torne mais agradável e acolhedor. A ideia de acolhimento também deve ser estimulada na hora de dormir, “os pais podem fazer o ritual do sono, contar histórias, apagar a luz, fazer do quarto um ambiente agradável. A criança maiorzinha pode ter uma ‘naninha’ ou um objeto que a ajude nessa transição, que dê segurança”, complementa Nathalia Sarkis.
Sentir-se segura é um ponto crucial no processo de transição. “Uma dica é a criança sentir que mesmo não dividindo espaço, o tutor está por perto para auxiliar. Quando ela pede ajuda, terá; colocar a criança na cama, esperar que ela pegue no sono, mostrar que ela não está perdendo o tutor”, aconselha Diego Barboza.
Quando a criança tem um sonho ruim, está doente ou com medo, é esperado que ela procure a segurança dos pais. Nesses casos, deve-se acolher a criança, acalmá-la e mostrar que está tudo bem.
“Em algumas situações é importante que o filho entenda que mesmo possuindo o seu espaço, ele pode ser recebido em outro de maneira consentida”, explica Diego. “Quando os pais colocam os filhos para dormir no seu espaço, eles começam a pedir mil coisas: ‘quero água’, ‘conta uma história?’, ‘quero fazer xixi’, ‘como os aviões ficam no ar durante o voo?’. Nesse momento, a criança pode estar testando os adultos para saber se estarão disponíveis para ajudá-las, e precisam de uma resposta afirmativa”.
“Eu tenho o meu espaço, você tem o seu; mas se eu precisar podemos ter o nosso?”
Esse comportamento só deve disparar um alerta se os pesadelos se tornarem frequentes, se o medo for exagerado ou se vier acompanhado de sintomas físicos, como suor e tremedeira. Casos assim devem ser relatados ao pediatra e a criança pode ser encaminhada a um psicólogo.
A insegurança dos pais em relação aos filhos pode ser um complicador no processo de migração, além disso, deve haver cuidado para que não ocorra a inversão de papéis. “É preciso entender o que é necessidade do tutor ou da criança. Eu contamino meu filho com meus medos, traumas, assuntos não resolvidos. Preciso cuidar do que é meu, para depois cuidar do outro”, aconselha Diego.
Outro ponto de atenção, segundo o psicólogo, é que “muitos casais usam a presença do filho como bandeira branca: ‘não podemos brigar, pois nosso filho está presente’, ‘não podemos ter relações sexuais, pois nosso filho está presente’.
Aliás, Nathalia Sarkis lembra que, em quartos compartilhados, o casal nunca deve ter relações sexuais na presença dos filhos. E reforça a importância, também para os pais, de ter um espaço só deles. A pediatra ainda ressalta que alguns pais tentam suprir sua ausência permitindo que os filhos durmam com eles. Mas que o melhor seria fazerem uma brincadeira, realizar um passeio ou proporcionar alguma outra experiência com as crianças.
O ideal é que o quarto do casal seja um ambiente de intimidade e liberdade entre os cônjuges, “um ambiente onde ambos possam dialogar sobre o dia a dia, falar sobre incômodos e fraquezas. A criança não precisa participar desses momentos, é um momento do casal.
Porém, quando os pais compartilham o mesmo espaço que a criança, acabam perdendo a privacidade. Os responsáveis pela educação da criança precisam compreender que antes de serem pais, eles eram um casal e é bom que ainda se vejam assim”, finaliza Oliveira.
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