‘O peso do pássaro morto’ narra o impacto das primeiras perdas

Inspirado em um fato de sua infância, o livro de Aline Bei conta os impactos das primeiras perdas, ao acompanhar uma personagem dos oito aos 52 anos

Renata Penzani Publicado em 18.09.2018
A capa do livro O peso do pássaro morto, tipografia preta sobre fundo cor de rosa, aplicada em cima de uma ilustração de pássaros em preto e branco.
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Resumo

"O peso do pássaro morto", de Aline Bei, retrata as perdas, culpas e angústias da vida de uma mesma personagem, da infância até a vida adulta. Dentre os temas que aparecem na história, estão a maternidade, os vínculos afetivos e os tabus da morte.

“Quantas perdas cabem na vida de uma mulher?”. Essas são as primeiras linhas do texto que vai na orelha do livro “O peso do pássaro morto”. Publicado pela editora Nós, obra marca a estreia da autora paulista Aline Bei, 30. No início de setembro, a obra esteve como finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2018 na categoria estreantes com menos de 40 anos. O romance escrito em forma de poema chama a atenção pela crueza e honestidade com que retrata o feminino.

Apesar de se tratar de uma obra voltada ao público adulto, diz respeito diretamente à criança (a que fomos e as que fazem parte da nossa vida). Pode ser uma leitura fundamental para quem lida com crianças e adolescentes. Principalmente pelo grau de importância que a história dá a tudo aquilo que acontece nos primeiros anos de vida. Na narrativa, essa é a base de uma série de acontecimentos que – é essa a impressão que fica – poderiam ter sido evitados.

O luto na infância

A infância e seus múltiplos desdobramentos dão norte para a trama, que não faz concessões ao narrar uma história marcada por acontecimentos trágicos. Foi também o ponto de partida para a ideia nascer.

“O livro surgiu de uma experiência que eu tive na infância, quando um canário morreu na minha mão”

“A sensação nunca mais me abandonou, e a imagem veio como título, anos depois. Pensei então em escrever uma história sobre perdas, sem tréguas, e escolhi a voz de uma anônima para narrar”, conta Aline em entrevista ao Lunetas.

A narrativa, quase toda em primeira pessoa,  acompanha a vida de uma mesma personagem dos oito aos 52 anos. Como se fosse uma câmera subjetiva em um plano sequência, observa de perto os impactos de suas vivências de menina ao longo de seu crescimento até a vida adulta.

Temáticas presentes em ‘O peso do pássaro morto’

Com uma linguagem próxima da oralidade e um intercalar de palavras duras e suaves, o romance em prosa poética perpassa campos temáticos diversos, como infância, parentalidade, vínculos afetivos, saúde emocional, abuso, sexualidade. Dentre eles, um dos que ganham destaque é a maternidade tanto da protagonista com a própria mãe quanto, mais tarde, com seu primeiro e único filho.

Na história, a personagem criança tem uma relação conturbada com a mãe, que tem dificuldade de tratar com naturalidade temas considerados tabus sociais. Aos oito anos, a melhor amiga da menina morre. E o trauma tanto do fato em si quanto do medo dos adultos ao seu redor de conversar a respeito a acompanha pelo resto da vida.

Nesse sentido, o livro lança luz sobre um questionamento fundamental na educação de uma criança no mundo de hoje. Por que, como adultos, temos tanto medo de falar abertamente sobre determinados assuntos? O desenrolar da história mostra algumas das consequências possíveis de uma infância cercada de omissões.

A percepção do mundo na infância

A primeira parte do livro é contada pela personagem ainda na infância. Ela traz na narrativa as marcas da sagacidade infantil de perceber o mundo à sua volta, observando os detalhes das coisas por mais que se preocupem em esconder dela.

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Divulgação

A escritora Aline Bei, autora de “O peso do pássaro morto”, finalista do Prêmio São Paulo de Literatura de 2018

Sem estragar as surpresas que a trama reserva ao leitor, é possível dizer que a protagonista também leva para a vida as marcas emocionais de uma violência, o que carrega sua relação com o filho de culpa e distância. E é aí que o livro pode ganhar contornos de acolhimento para mães que passam por experiências parecidas.

Os afetos ao longo da narrativa

“A maternidade da protagonista é uma eterna tentativa de se aproximar dos sentimentos que ela nutre pelo filho, uma tentativa encoleirada pela dor. E o filho, por outro lado, sente a distância e se fecha, vai se fechando cada vez mais”, diz a autora. O resultado disso é uma relação que se prolonga como uma culpa materna permanente, que não dá espaço para o afeto se construir.

“A falta de afeto cerca a vida da personagem também porque ela está muito fechada em si mesma pra perceber qualquer possibilidade de amor”

A depressão pós-parto da personagem, que não consegue lidar com as demandas daquela nova vida, é tratada de forma sutil e ao mesmo tempo bastante real, sem filtros nem concessões, reforçando a importância do diálogo franco sobre o assunto, e, por outro lado, do medo de julgamento como um agravante daquela condição.

“Acredito que ter um filho, o processo de gravidez, é algo bastante complexo, transforma rapidamente o corpo e a alma de uma mulher e quem pode garantir que está preparado para tudo isso?”, questiona Aline.

“Essa história, infelizmente é a história de muitas pessoas. Pais que não cumprem suas responsabilidades e mães que levam tudo nas costas”

“Temos que falar sobre isso, discutir até desnaturalizar esse tipo de comportamento masculino, o eterno cair fora apenas porque biologicamente o filho dos dois está crescendo no corpo da mulher”, defende a escritora.

A morte retratada pela obra

Sobre a relação com a morte, que o livro traz com força, a escritora ocupa os vãos de medo e impotência que costumam afetar a maioria de nós quando o assunto é lidar com a finitude. No entanto, o livro não se esquiva de mostrar que as crianças têm, sim, muitas dúvidas sobre o assunto, e por isso convém não ignorá-las.

“Nunca é fácil lidar com a morte. Os adultos se perdem nas palavras enquanto as crianças tentam entender porque a pessoa que ela amava de repente não aparece mais”, avalia.

“Acredito que as famílias não devem fugir desses temas espinhosos e principalmente não devem esconder os espinhos. Devemos respeitar nossos momentos de dor”

Aline optou por uma relação estreita com seus leitores, e vende o livro pela internet diretamente para quem vai ler. Desse contato, surgiu um espaço de diálogo e troca muitas vezes potentes.

“Minha relação com os leitores é bem próxima e gosto que seja assim. Costumo compartilhar as resenhas e impressões no meu Instagram. Mas as coisas que eles me dizem por mensagem privada, essas eu prefiro guardar, são como cartas.”

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