Compartilhar angústias e medos é saudável, mas é importante estabelecer limites para que os palpites não deixem de ser gestos de amor e se tornem intromissão
Palpites podem ser gestos de amor, mas não deixam de ser opiniões não solicitadas. O psicólogo Fred Mattos dá dicas de como lidar com eles no pós-parto.
Palpites, conselhos, pitacos, alvitres, sugestões. De acordo com o dicionário Aulete, palpite é toda “opinião emitida com base em intuição ou pressentimento, dada por “quem se intromete num assunto, mesmo sem conhecê-lo”. Mesmo que em grande parte das vezes eles sejam gestos de amor e cuidado, palpites podem exigir muito emocionalmente de quem os recebe. E, quando o assunto é maternidade e paternidade, as opiniões que chegam de todos os lados podem ser uma dolorosa demanda extra na já sensível tarefa de cuidar de uma nova vida que chegou. Isso afeta toda a família.
Então, você que é nova mãe ou novo pai – ou simplesmente é um ser humano que vive neste mundo –pode respirar aliviado nessa sensação: sentir-se invadido por opiniões que você não pediu é comum, mesmo quando elas vêm de quem você mais ama. Viver em sociedade é ter de constantemente lidar com o outro, e um convívio saudável muitas vezes pressupõe saber equilibrar nossas próprias expectativas com as alheias, sem ferir os sentimentos daqueles que amamos, nem se automachucar .
Percebendo a demanda dos nossos leitores pelo assunto “sanidade mental”, principalmente no período pós-parto, que é quando as emoções estão mais à flor da pele, convidamos o psicólogo Frederico Mattos para conversar sobre o assunto. A proposta é estimular o diálogo aberto, que favorecem relações mais inteiras e nos torna menos propensos a desenvolver doenças, como depressão pós-parto, que, segundo a Fundação Oswaldo Cruz, a DPP afeta 25% das mães brasileiras.
Mais conhecido nas redes como Fred, Frederico Mattos é psicólogo clínico de casal e família, e autor do canal no YouTube Sobre a Vida, que discute de maneira casual e simplificada conceitos da Psicologia, com exemplos do dia a dia que costumam ser bem fáceis de assimilar por serem passíveis de identificação.
Dentre os temas que já apareceram em seus vídeos, estão a diferença entre Solidão e Solitude, maturidade emocional, carência afetiva e autoconhecimento. Pai de Nina, de um ano e sete meses, ele discute também muitos temas relacionados à parentalidade e à rotina familiar, como narcisismo materno, ausência paterna e separação depois de ter filhos.
A partir de uma pergunta disparadora, ele nos ajuda a pensar em como manter-se mentalmente saudáveis diante do novo e do combo de desafios físicos e emocionais que o puerpério impõe.
Como a Psicologia aplicada às nossas relações pode ajudar a lidar com os palpites no pós-parto?
Lunetas – Uma das questões que pode incomodar novos pais é uma certa nostalgia que vêm dos mais velhos, aquela história de “no meu tempo, era assim…”. Como se posicionar de forma saudável diante disso?
Fred Mattos – Saber reconhecer que cada experiência é subjetiva e muito pessoal de cada momento histórico. A libertação de uma década pode ser vista como a prisão da seguinte, o que não desmerece o aprendizado que as gerações antigas tiveram. Então, a nostalgia pode ser valorizada e com isso contestada com mais respeito para que o diálogo siga saudável.
Lunetas – Lidar com expectativas é algo típico do pós-parto, e também faz parte da relação com aqueles que opinam na criação dos filhos. Como equilibrar o desejo pessoal e o coletivo neste caso?
Fred Mattos – É importante ter percepção da própria linha de raciocínio, dos valores pessoais e de como isso pode ser passado para os filhos, em primeiro lugar. Depois siga para conversar e explicar suas ideias para as pessoas mais próximas, que poderiam influenciar nessa educação indireta. É como se você precisasse contar uma história que faz sentido a partir da premissa do outro até chegar na sua. Sem isso é uma conversa vazia.
Lunetas – Quando um filho chega, é comum que os pais ressignifiquem suas próprias visões de mundo e de si mesmos. Pode falar um pouco sobre isso?
Fred Mattos – Completamente, pois um filho ajuda você a perceber suas próprias contradições, sobre o que é viável ou fantasioso, sobre o que é efetivo ou ineficaz, e até para questionar valores velhos que não funcionaram na própria educação. Você precisa fazer uma curadoria dos seus próprios princípios e moralidade para passar o bastão com propriedade.
Lunetas – Qual é o limite saudável entre a paciência com o outro (entender as boas intenções dos palpiteiros, por exemplo) com a autocompaixão dos pais? Afinal, quem está passando por um momento delicado são eles.
Fred Mattos – É sempre percebendo os limites do espaço pessoal. O que você considera invasivo ou não, onde quer que os outros ajudem, quais são os seus medos. Para isso é preciso se perceber vulnerável para comunicar os receios desse lugar de aprendiz, revelar o desejo de aprender com os próprios erros e acertos ajuda os outros a serem menos invasivos.
Lunetas – Pode falar um pouco sobre aprender a pedir ajuda? Durante o puerpério, há muita gente disposta a dar orientações de como fazer as coisas do jeito “certo”, mas nem sempre é esta a ajuda que os cuidadores da criança precisam.
Fred Mattos – Infelizmente, é preciso educar os outros a nos ajudarem, compartilhar os incômodos sobre quem tenta ajudar de cima para baixo, para a outra pessoa a perceber que tipo de ajuda quer oferecer. Para depois pedir ajuda, algo como: “outro diz fiquei chateada com a mãe do parceiro que veio dizendo que eu estava errada, que tinha sido xyz e ela nem notou que a ajuda que eu precisava era de alguém que se coloca no meu lugar, ouve mais do que fala e depois dá a opinião sabendo que eu posso ou não seguir ao pé da letra. Pensando nisso, eu estou passando por tal dificuldade, você já enfrentou isso?”. Essa introdução ajuda a pessoa a se reposicionar emocionalmente antes de falar algo.
A partir da fala de Frederico, e para te ajudar a visualizar melhor os aprendizados que a Psicologia pode nos dar, listamos alguns caminhos possíveis em tópicos.
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