Conversamos com 5 escolas que contemplam a espiritualidade em sua rotina pedagógica de diferentes formas e em diferentes contextos
Como e por que a religião entra nas escolas? A partir da diferença entre religiosidade e espiritualidade, conversamos com cinco escolas que trabalham o tema em sua proposta pedagógica.
Em setembro de 2017, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o ensino religioso em escolas públicas pode ter natureza confessional – entenda abaixo o que o termo significa. Para quem não se lembra, o julgamento foi acirrado – seis votos contra cinco – e aqueceu o debate sobre laicidade e educação no Brasil. Na época, a ministra do Supremo Tribunal Federal Carmen Lúcia alegou que a decisão não fere a laicidade prevista pela Constituição, já que a disciplina foi autorizada em caráter facultativo. Ou seja, cabe a cada escola decidir se a aplica ou não.
Após a decisão, passou a ser permitido que escolas públicas ensinem religião dentro do horário regular de aulas. Cada escola tem também o direito de contratar representantes de religiões para ministrar as aulas. Vale lembrar que a decisão não se aplica às escolas particulares, que ficam livres para seguir seus próprios critérios.
De lá para cá, como as escolas responderam à decisão? Nesta matéria, vamos esclarecer os principais pontos que cercam a questão do ensino religioso nas escolas. Afinal, o que é ensino confessional? E o não confessional? O que é laicidade? Quando esses conceitos são aplicados ao dia a dia de milhões de estudantes e professores, a questão ganha contornos sensíveis, e as muitas subjetividades envolvidas demandam um olhar atento e crítico.
Para falar sobre o assunto, contatamos cinco escolas que contemplam a espiritualidade em sua rotina pedagógica – duas confessionais e três não confessionais. O objetivo é mostrar como a religião entra na escola de diferentes formas e em diferentes contextos. Com isso, a intenção aqui não é esgotar a discussão sobre o tema, mas, ao contrário, abrir brechas para questionar, duvidar e avaliar de perto o impacto das decisões políticas na construção identitária das crianças.
Conversamos também com o teólogo, artista plástico e pesquisador da cultura de infância Gandhy Piorski, para entender a relação entre educação e religião. Para o pesquisador, Religião na educação pode ser exercício de liberdade e respeito à dignidade de cada diferença, caso seja tratada como apoio natural da consciência humana, e se entendida como caminho de auto reconhecimento no mundo,
“A religião em seu sentido semântico, aquilo que religa o homem às matrizes da vida pode sim ser substância educacional. Mas, antes disso, precisa ser reconhecida como capacidade íntima às crianças. Deve nascer primeiramente do crescimento das próprias crianças e não de instituições religiosas”, pondera.
“Mesmo a casa tendo um pensamento e uma formação religiosa, ela deve respeitar ao máximo as evocações que a criança faz de si própria acerca da vida”
Gandhy afirma que uma educação que lança mão dos mitos fundadores dos povos e culturas é uma “pedagogia da intuição”.
“Os ritos, em uma pedagogia laica, não necessitam de doutrinas para acontecer. Orar em torno de uma mesa em agradecimento à Terra que deu seus frutos não está afirmando nenhuma ideologia religiosa, e sim firmando as crianças em seus fundamentos vitais”, diz.
Entender conceitos talvez seja o ponto de partida mais seguro para uma discussão sensata sobre o assunto.
Quando pensamos em espiritualidade, é provável que automaticamente associemos a palavra ao nosso próprio entendimento do que é religião, ou seja, que façamos a leitura de seu significado a partir da formação religiosa que tivemos.
Porém, a acepção da palavra vai além. Se formos procurar no dicionário, veremos que espiritualidade é a qualidade daquilo que é espiritual, ou seja, o sentimento de transcendência, elevação ou sublimidade. Portanto, trata-se de uma sensação que podemos experimentar com experiências variadas, incluindo as que nada têm a ver com religião propriamente dita.
“Intuições sobre as potências do mundo não são propriedade de religiões. Mesmo entendendo que as religiões podem ser uma via de refino dessas intuições. Mas o humano, especialmente em seu início de vida, na primeira infância e segunda, traz a capacidade filosófica inata de investigar e fazer as perguntas mais fundamentais”, pondera Gandhy, referindo-se à habilidade natural das crianças de filosofar.
Com isso em mente, partimos para o significado de religiosidade, que, aí sim, é a manifestação da religião de cada indivíduo, comumente associada a um conjunto de dogmas.
A chamada “crença na existência de força ou entidades sobre-humanas responsáveis pela criação, ordenação e sustentação do universo”, como define o dicionário, existe em quase todas as sociedades humanas, e assume formas particulares de acordo com cada uma das doutrinas formuladas. Independentemente disso, todas elas são unidas pela mesma certeza: o ser humano e tudo aquilo que conhecemos foi gerado por uma força superior. Ou seja: todos têm o mesmo objetivo: crer em um ser espiritual.
Tudo isso parece óbvio? Mas não é bem assim. Prova disso são as inúmeras guerras seculares e inúmeros crimes de ódio praticados todos os dias em nome da religião. Mas isto é assunto para outra reportagem.
No Brasil, a Constituição Federal de 88 prevê que o Estado é laico, ou seja, alheio ao clero ou a qualquer outra ordem religiosa. Assim, nem a igreja ou outras instituições religiosas podem influir sobre a vida intelectual e moral das pessoas – o que inclui a educação. Mais uma vez, parece óbvio, mas a realidade nos mostra o contrário.
O projeto Escolas Transformadoras, do Instituto Alana, realizou, em novembro do ano passado um debate sobre o assunto. Na entrevista, a socióloga Amanda Mendonça pondera que, justamente pelo fato de que a religião faz parte de nossa formação enquanto seres sociais, é que deve ser permitido a cada um o livre exercício de sua religiosidade individual.
“Estado laico é aquele que garante que todas as religiões possam coexistir de maneira igualitária, sem privilégio para nenhuma delas. Por essa razão, defender a laicidade na educação é garantir a pluralidade de religiões na escola e também o direito de quem não tem religião”, afirmou. Amanda é coordenadora do Observatório da Laicidade na Educação (OLE), e defende que o Brasil é um Estado laico no discurso, mas não na prática.
Ao contrário do que muitos podem pensar, a laicidade de um Estado não significa a negação da religião. Ao contrário: trata-se de garantir o livre-arbítrio de todas as religiões, uma vez que não existe uma, mas inúmeras formas de manifestar a religiosidade.
Por isso, aqueles que discordam do ensino confessional, defendem que, na prática, ele acaba permitindo a soberania de uma religião sobre a outra, considerando a forte influência do cristianismo em nosso país. O Artigo 5º da Constituição afirma que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Assim, a laicidade seria uma garantia de liberdade religiosa para todas e todos.
Espiritualidade x Religião
O professor e escritor Leonardo Boff faz uma distinção muito boa entre religião e espiritualidade. Para ele, a religião está relacionada com a crença, que possui como um de seus aspectos principais a aceitação de alguma forma de realidade metafísica ou sobrenatural, associados aos dogmas e rituais.
A espiritualidade, por sua vez, está relacionada com as qualidades do espírito humano, tais como amor e compaixão, tolerância e capacidade de perdoar, noção de responsabilidade, etc., que promovem o bem-estar nosso e dos outros.
Apesar do que foi decretado pelo STF, a maioria as escolas públicas brasileiras optaram por manter o modelo não confessional. Das 27 secretarias de ensino estadual do Brasil, 26 optaram por proibir os professores de proferir uma crença.
Refere-se à escola vinculada ou pertencente a igrejas ou confissões religiosas. A escola confessional baseia os seus princípios, objetivos e forma de atuação numa religião, diferenciando-se, portanto, das escolas laicas. No modelo confessional, preconizado pela decisão do Supremo, as turmas são formadas a partir da orientação religiosa de cada um dos estudantes. Assim, teríamos, na educação pública, aula da religião católica, evangélica e de matrizes africanas, de acordo com o que cada criança ou adolescente confessa ser a sua prática. Neste modelo, por lei, todo estudante tem direito a ter aula daquela religião. Porém, na prática, o modelo esbarra em uma dificuldade aparente: não existem professores suficiente para acolher todas as religiões, de forma que muitas vezes acabam sendo privilegiadas as religiões soberanas, como a católica. No Brasil, estima-se que existam cerca de 200 orientações religiosas.
Neste modelo, a proposta é abordar as religiões a partir de outras perspectivas, inserindo-as em disciplinas pré-existentes, como História e Filosofia. No modelo não confessional, não é enfocada uma única orientação religiosa, e sim múltiplas. Para os defensores dessa metodologia de ensino, o modelo não confessional acolhe a religião de cada um sem contribuir para o preconceito, acolhendo inclusive a porcentagem de estudantes que não reivindicam nenhuma religião, os chamados ateus ou agnósticos. Assim, esses indivíduos que não se identificam com nenhuma doutrina não ficam ociosos durante uma disciplina que não o contempla.
Para ampliar a reflexão sobre religiosidade nas escolas, e pensar além da associação imediata que muitos costumam fazer de religião e catolicismo, conversamos com a Escola Vila Verde de Educação Infantil e Ensino Fundamental, localizada em Alto Paraíso de Goiás, que possui orientação budista.
Fernando Leão, diretor pedagógico da escola, explica que a Vila Verde se encaixa no modelo não confessional, pois o objetivo da instituição não é formar budistas, e sim contribuir para o desenvolvimento da diversidade.
No desafio de responder qual a relação entre escola, religião e laicidade, o pedagogo pontua que cada indivíduo costuma pensar nisso somente de acordo com sua própria perspectiva, sem ampliar o olhar para a multiplicidade.
“Educadores, religiosos e não religiosos abordam esta relação de uma forma a fortalecer seus locais de fala. Aqui na Vila Verde, a gente busca (não significa que a gente sempre consiga) um equilíbrio entre os três”
“Buscamos pensar em termos de liberdade e autonomia – pontos fundamentais da nossa estrutura pedagógica – permeando também as questões religiosas”, esclarece Fernando. “Buscamos olhar os aspectos religiosos sob a ótica da compreensão e busca de sermos melhores nas nossas relações em quatro níveis: com a gente mesmo, com os outros, com a sociedade e com a biosfera. Esta busca e este olhar se aprende. Daí a dimensão educacional do processo”.
“Trata-se sobretudo de entendermos que as religiões foram feitas para unir (do latim: ‘religare’, ‘religar’) do que afastar e segregar”
Como o budismo entra na sala de aula?
“Temos como base aquilo que chamamos de 5 Inteligências. Esse conceito vem do budismo tibetano, que tem o ensinamento dos 5 Diani Budas. Essas 5 inteligências se estabelecem a partir de um olhar que é simultaneamente para si e para o outro. Cada uma destas inteligências se estabelece em um olhar atento e interessado sobre o outro. Buscamos estabelecer este olhar das 5 inteligências em todos os níveis na escola: entre os educadores, com os estudantes, com os pais e com a sociedade”, esclarece o diretor.
Para quem ficou curioso, o que são as 5 Inteligências?
1) Inteligência do espelho – representada pela cor azul- é a capacidade de compreender o outro no mundo do outro, é entender que aquele ser na nossa frente percorreu um longo caminho até chegar aqui. A inteligência do espelho busca não julgar, ao mesmo tempo que compreende se uma ação é positiva ou negativa, se traz benefícios ou sofrimento.
2) Inteligência da Igualdade – representada pela cor amarela- é a capacidade que a gente tem de se alegrar com as conquistas do outro. Isso é muito fácil de compreender na educação. A alegria que o professor tem quando a criança aprende a ler, por exemplo, muitas vezes é maior que a da própria criança, que nem tem a dimensão do que ela conseguiu naquele momento.
3) Inteligência discriminativa – cor vermelha- Uma vez que a gente se alegra com a conquista do outro, a gente vai buscar do todos os meios para ajudá-lo a atingir seus objetivos. Também aqui os professores têm de forma natural está inteligência; se o estudante não conseguiu entender um assunto de uma forma, o professor tenta de outro e outro, pede ajuda a colegas, pede para que outro estudante explique, enfim o professor busca os meios de conseguir atingir aquele estudante.
4) Inteligência da causalidade – cor verde – “Mas se o outro quiser cometer uma ação equivocada ou que não seja benéfica?” A inteligência da causalidade age nestes casos. Uma ação positiva gera frutos positivos. Uma ação negativa gera frutos amargos. Esta inteligência atua em dois níveis: primeiro tentamos impedir que o outro aja de forma negativa. Caso não consigamos impedir, então impedimos que uma ação negativa gere frutos positivos, pois aí a pessoa tende a repetir esta ação equivocada. É como o dito popular: “se você plantou bananas, não espere colher maçãs”.
5) Inteligência da Liberdade – cor branca – Busca liberar o outro de todos os rótulos. Enfim, o outro não é a sua ação, ele é livre para agir de forma diferente quando quiser. Então, a gente busca olhar o outro a partir de suas potencialidades. Lembra de quando você era criança? Sempre que alguém te perguntava o que você queria ser, você respondia alguma coisa diferente. Naquele momento, você poderia ser mesmo aquilo que disse. Em algum momento de sua vida você pensou em outra coisa, e é isso. As pessoas são plena potência.
(Fonte: Fernando Leão)
Mais conhecida como Escola do Carmelo, a Nossa Senhora do Carmo fica na área rural de Bananeiras, na Paraíba, e atende a demanda de Educação Infantil e Fundamental de mais de 18 comunidades ao redor. Considerada uma Escola Transformadora pelo Instituto Alana, a Escola do Carmelo se enquadrava em seu início no modelo confessional de ensino, e hoje está configurada como escola comunitária. Ainda assim, seus eixos pedagógicos continuam os mesmo, dentre eles a espiritualidade.
Conversamos com Leila Coelho, diretora da instituição. Ela conta que, até 2015, o espaço era mantida pelo ordem religiosa das carmelitas. Depois, um grupo de educadores, funcionários e pais decidiram formar uma cooperativa para assumir a escola.
Sobre a relação entre educação e religião, Leila defende que todo ser humano é multidimensional por natureza.
“A educação em seu sentido etimológico, significa conduzir, instruir, ‘guiar para fora’, então, podemos compreender a educação como a busca daquilo que faz sentido para nós, que nos preenche nessa multidimensionalidade humana. Nessa perspectiva, não há como dissociar educação, de espiritualidade e/ou laicidade”, afirma.
“Somos seres de emoções, de sonhos, de desejos e de necessidades transcendentes”
Assim, para Escola do Carmelo, a espiritualidade é mais um de nossos eixos pedagógicos, juntamente com o acadêmico e biopsicossocial.
“Ela permeia o chão da escola em seu cotidiano, desde no pequeno gesto de agradecer pelo dia, pelo alimento, pela saúde, pela alegria de estar em uma comunidade, de partilhar e construir saberes, aos momentos mais específicos de formação, onde temos a presença de um teólogo que faz a formação espiritual na escola”, explica.
A escola possui um “comitê de espiritualidade”, formado pelos próprios estudantes, que é responsável por ações espirituais na escola (encontros, assembleias, festividades).
Para Leila, a ligação do ser humano com a espiritualidade, independentemente da religião em sim, é seu sentimento inerente de incompletude.
“Como seres inacabados, estamos sempre na busca do ‘ser mais’. Na busca dessa completude, estamos sempre em transformação, tanto física, psíquica, social e culturalmente”, diz.
Citando o pensador Leonardo Boff, ela defende que a espiritualidade é o que contempla a dimensão mais profunda do ser humano, colocando-a como necessária para o processo de individualização nos momentos de crise – tanto existencial quanto social.
“A espiritualidade é aquilo que produz dentro de nós mudança”
“Nessa perspectiva, a dimensão espiritual dentro da escola colabora para promover e fortalecer os valores humanos, que são capazes de provocar as mudanças interiores e nos impulsiona a transformar e construir uma outra escola possível, outro mundo possível”, conclui.
Também definida como não confessional, a Escola Pluricultural Odé Kayodé considera que o aspecto religioso deve ser considerado com parte da formação humana, e portanto, é fundamentalmente educativo. Porém, ressalta que o processo pode e deve acontecer dissociado de um discurso de poder.
“Nos parece que não é papel da Escola assumir esse percurso formativo. Os pais, os responsáveis e a família podem cuidar disso, de acordo com suas tradições e escolhas”, defende Robson Max de Oliveira Souza é fundador e diretor do Espaço.
“A Escola então pode manter sua liberdade, e uma neutralidade, que afirme sua abertura a todas as experiências humanas, coletivas e individuais também no aspecto religioso”
“A espiritualidade é trabalhada no exercício e reflexão sobre a Ética, os comportamentos solidários, a busca por sabedoria e pela qualidade das relações. Trabalhamos nas Vivências Africanas e Indígenas os mitos, símbolos e elementos culturais de grupos étnicos. Muito desses elementos são religiosos, mas os aspectos que reforçamos, apresentamos e refletimos são os culturais, a filosofia e os modelos positivos e transformadores vindos desses elementos”, conta.
“Para nós, espiritualidade é a percepção filosófica dos mistérios da vida, do universo, do mundo, das pessoas, e as múltiplas dimensões de tudo isso”
Robson e a escola onde atua defendem que cada criança pode se aproximar desses mistérios à sua maneira, e à maneira de seu grupo, e a diversidade (em todos os aspectos) dos estudantes deve ser acolhida e referenciada em ações de afirmação dos direitos humanos, no respeito às escolhas e opiniões do outro.
Para além de sua atuação como educador, Robson é antropólogo e babalorixá, e compartilha as estratégias da escola para combater a intolerância religiosa.
“Ações educativas, estudos, reflexão, arte e vivências, a diversidade cultural geram as diferentes concepções e práticas religiosas. Esse percurso educativo quer reforçar os aspectos das culturas e filosofias religiosas que nos tornam seres humanos melhores. Para nós, sermos melhores é sermos capazes de interromper os círculos viciosos do sofrimento e das dores e passarmos a ser geradores de felicidade, compreensão, solidariedade, autoestima e harmonia”, afirma.
“O que as religiões podem nos oferecer são instrumentos, e metáforas poéticas que alimentem nossos projetos de pessoas felizes e em paz, como cada um entender o que seja felicidade”
Criada a partir da livre iniciativa da Associação de Moradores do Conjunto Santa Lazia, no bairro Uruguai, em Salvador, a Escola Luiza Mahin tornou-se referência de educação, e define a espiritualidade como solidariedade, união, partilha e colaboração com os outros.
Pautada no modelo de ensino não confessional, a escola conta, em entrevista ao Lunetas, que seu trabalho com a religiosidade no projeto pedagógico começa por respeitar o repertório espiritual que cada criança traz consigo de casa.
“Refletimos com elas a respeito de solidariedade, construção coletiva e outros sentimentos importantes para todos nós”
Diariamente, os professores e alunos em conjunto organizam uma assembleia onde dialogam sobre o tema com a ajuda da música, poesia, dança e oração.
Quando questionada sobre como lutar contra a discriminação religiosa, a receita da Luiza Mahin é uma só. “Explicando a crianças, jovens e adultos que não existe uma religião mais importante que a outra, que cada uma tem seu valor e sua importância”.
A religiosidade não deve ficar só nas práticas do educador e sim devemos construir mais debates e trocas entre toda a sociedade para fortalecer um exemplo de laicidade que tenha como objetivo o convívio civilizado de pessoas de diferentes crenças. O nosso desejo é que possamos ter uma educação intercultural que proporcionasse aos alunos momentos de reflexão que percebessem a tolerância como uma forma de se relacionar com o outro.
Em 2015, a Escola foi reconhecida como uma Escola Transformadora, tanto pela forma como conduz o aprendizado de seus alunos como pela relação que estabelece com a comunidade.
A presença da cultura afrobrasileira é determinante, tanto no currículo, como na constituição da própria identidade da escola. “Trabalhamos a questão da africanidade não apenas relacionada à estética, mas à questão da herança e da cultura”, afirma Sonia Ribeiro, uma das líderes da Escola, em entrevista ao Lunetas.
A escola Rainha da Paz, da capital paulista, é uma instituição religiosa confessional, e atende da Educação Infantil até o Ensino Médio. Em entrevista ao Lunetas, as Irmãs Eva Leite Prado e Wilma Stefani, mantenedoras da escola, afirmam que a espiritualidade que a escola trabalha tem base teológica, ou seja, segue os princípios cristãos fundamentados na Bíblia. “Temos Deus como centro e origem de tudo. Buscamos o seguimento de Jesus Cristo através de uma espiritualidade bíblica”, explica.
“Nosso projeto político pedagógico assume o compromisso com a transformação social e a excelência acadêmica”, esclarecem.
“Espiritualidade é viver em coerência com valores cristãos”
E que valores são esses? De acordo com a direção, são o respeito, a solidariedade, o amor e a partilha, que devem ser praticados em atos cotidianos.
As Irmãs garantem não haver na proposta da escola qualquer intenção de favorecer a hegemonia de uma religião sobre outra.
“Procuramos ter o máximo de respeito pelas opções das famílias, traduzindo um ensino não proselitista, mas aberto ao diálogo e à convivência com o diferente”, explicam.
Quanto a eventuais preconceitos, a afirmação é de que não há não espaço para isso dentro da escola.
“Ao mesmo tempo em que os pequenos procuram as pegadas do saci no bosque, outros resolvem problemas de convivência nas assembleias e indicam colegas para a equipe de ajuda. Jogam capoeira e aceitam desafios intelectuais, etc. Não há lugar para discriminação religiosa. Intolerância religiosa quase não há. As dúvidas são resolvidas num bom diálogo que, aliás, está presente em todos os níveis”, afirmam.
Para quem estuda religiosidade, a expressão “tolerância religiosa” pode ser incômoda. Se é preciso tolerar algo, é porque aquilo é necessariamente diferente daquilo que entendemos como verdadeiro e bom, uma espécie de superioridade disfarçada. Fernando Leão, do seu lugar de educador, defende outras três palavras que acolhem melhor o que é a empatia à religião do outro: convivência, respeito, coexistência.
“Tolerar é saber que a sua religião é a ‘certa’ mas você tolera aqueles que não perceberam isto ainda. Convivência, respeito, coexistência são palavras, ao meu ver, mais adequadas. Assim, independente da religião, todos têm seu espaço garantido nas discussões na Escola”.
Por isso, a prática da diversidade deve começar pelo exemplo, que as crianças automaticamente absorvem como referências positivas de conduta. Na opinião do diretor, é esse cuidado de alinhamento entre discurso e prática que favorece a existência de uma cultura de paz entre todos os envolvidos na educação de um indivíduo.
“Na Vila Verde, temos professores das mais diversas religiões; católicos, evangélicos, das religiões de matriz africana, hinduísmo e budismo. É essa diversidade dos professores que faz a nossa riqueza no educar para Cultura de Paz”.
Para exemplificar como esses processos de construção de referências acontece no dia a dia, Fernando exemplifica com um diálogo que aconteceu na escola.
“Uma vez um estudante perguntou para uma professora evangélica: “Você sabia que a professora tal é da macumba (sic)?” A professora respondeu: “Sim eu sei que ela é umbandista, mas isso não impede que a gente seja amigas, ela é uma boa pessoa e uma professora bem legal, não é?” O Lama Padma Samten tem esta expressão que é bem interessante: “ensinar pelas costas” isso quer dizer o seguinte: o estudante não aprende quando a gente está na frente dele falando e falando e falando… ele aprende quando a gente vira as costas e age no mundo. Se agirmos coerentemente com a fala isso é um reforço muito grande, se agirmos de forma contrária ao que falamos as nossas ações falam mais alto.
“A gente tenta ensinar pelas nossas ações, estabelecendo boas relações com as pessoas, sem estabelecermos uma hierarquia de opções religiosas”
1 Qualidade do que é espiritual. 2 Qualidade do que manifesta ou exerce atividade religiosa ou mística; misticismo, religiosidade. 3 Sentimento de transcendência; elevação, sublimidade. adj 1 Alheio ao clero ou a qualquer outra ordem religiosa; leigo. 2 Oposto ao controle do clero sobre a sociedade. 3 Relativo à vida profana.
1 Indivíduo que não pertence ao clero; leigo. 2 Aquele que é contra a influência do clero na vida intelectual, moral e nas instituições em geral.
Qualidade de laico.
1 Tentativa persistente de persuadir ou convencer outras pessoas a aceitar suas crenças, em geral relativas à religião ou à política.
1 Atitude filosófica e religiosa daqueles que afirmam que ideias metafísicas, como a existência de Deus e a imortalidade da alma, não podem ser provadas nem negadas (termo criado em 1869 por Thomas Henry Huxley (1825-1895). 2 Qualquer doutrina que afirma a impossibilidade de se conhecer a natureza última das coisas.
1 Doutrina que nega categoricamente a existência de Deus ou de qualquer outra divindade. 2 Falta de crença em Deus.
1 No sentido mais geral, corrente de pensamento segundo a qual o espírito humano não pode ter certeza absoluta de alcançar a verdade e deve abster-se de julgar. Preconiza, também, que toda afirmação deve ser submetida a uma constante dúvida. 2 Descrença, incredulidade, falta de fé: “As suas mãos maquinalmente esticaram-se, e os nossos olhos acompanhando aquele gesto elegante de ceticismo mundano, deram no céu, recamado de ouro” (JR).
1 Conjunto de princípios em que se fundamenta um sistema religioso, político ou filosófico; ideologia, sistema, teoria.
Desde 2010, o ensino religioso está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e no Decreto 7.107/2010, assinado entre o Brasil e o Vaticano.