A licença-paternidade é um direito que impacta no desenvolvimento da criança e contribui para a igualdade entre homens e mulheres
O Brasil garante até 20 dias de licença-paternidade para funcionários públicos e de empresas cadastradas no Programa Empresa Cidadã. Projetos de lei e iniciativas de empresas buscam ampliar e fortalecer este benefício. Tire dúvidas sobre o tema!
Promover maior envolvimento dos pais no cuidado com os filhos. Incentivar o aleitamento materno, contribuindo para a saúde do bebê. Ajudar a diminuir a diferença entre homens e mulheres no mercado de trabalho, favorecendo a igualdade de gênero. Todas essas ações, que passaram a ter destaque na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas desde 2015, ganhariam com a ampliação e o fortalecimento de uma conquista: a licença-paternidade.
Ainda hoje, em nenhum país do mundo, homens e mulheres apresentam uma divisão igualitária do trabalho doméstico e de cuidado com as crianças. Em países considerados desenvolvidos, a diferença de tempo gasto com trabalho não remunerado entre homens e mulheres caiu apenas sete minutos nos últimos 15 anos. Menos da metade dos países do mundo oferece licença-paternidade – a maioria, quando o faz, não estende o benefício para além de algumas semanas. (Fonte: relatório A Situação da Paternidade no Mundo, de 2019, produzido pelo instituto Promundo, disponível em inglês).
Apesar dos 20 dias possíveis, ainda não são todos os pais que gozam da licença no Brasil. “O período de cinco dias não é suficiente para que o pai participe minimamente dos cuidados necessários nos primeiros meses da criança. Além disso, a discrepância entre os períodos da licença-maternidade e a licença-paternidade indica um reforço da responsabilização da mulher pelo cuidado do bebê”, avalia a advogada e professora de Direito do Trabalho, Paula Cozero.
A licença-paternidade é o direito do pai de se afastar do trabalho, sem prejuízo no salário, para estar com o filho ou com a filha logo após seu nascimento ou adoção. É um direito também da criança, visto a importância do cuidado paterno nos primeiros dias de vida (ou nos primeiros dias com a família, no caso de adoção). Além disso, pode ser considerado um direito da família, pois todo o núcleo familiar se beneficia quando o pai exerce cuidados com o bebê.
No Brasil, todos os pais empregados com carteira assinada têm o direito de licença-paternidade de cinco dias. Essa licença pode ser estendida para 20 dias se a empresa estiver inscrita no Programa Empresa Cidadã. Quem paga a licença de cinco dias é a empresa e, no caso da extensão para 20 dias, a empresa pode deduzir o valor dos 15 dias a mais no imposto de renda. Para ter direito à extensão, o pai deve fazer a solicitação até dois dias úteis após o parto e comprovar que participou de um programa de orientação sobre paternidade responsável.
O Programa Empresa Cidadã foi instituído pela Lei nº 11.770/2008 e permite que as empresas tributadas com base no lucro real deduzam do imposto devido os dias de prorrogação da licença-paternidade (15 dias) e da licença maternidade (60 dias, para além dos 120 a que têm direito todas as empregadas). Assim, não há ônus com a prorrogação. Empresas submetidas a outras formas de tributação (como o Simples Nacional) não podem deduzir o valor. O benefício só é válido para empresas inscritas no Programa Empresa Cidadã. Portanto, os empregadores interessados em aderir ao programa podem se inscrever digitalmente por meio do Atendimento Virtual (e-CAC) ou pela página de serviços do governo brasileiro.
4. Como funciona o benefício para funcionários públicos? Todos os servidores públicos federais têm direito à extensão da licença de cinco dias por mais 15. É necessário apenas que façam o requerimento até dois dias úteis após o parto ou a adoção. No caso de servidores públicos estaduais e municipais, as regras podem variar conforme legislações locais.
Os mesmos direitos garantidos para casais heterossexuais devem ser concedidos a casais homossexuais, segundo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, os casais homoafetivos devem buscar meios para fazer valer seu direito. Infelizmente, tem sido recorrente apelar ao Judiciário para efetivar a garantia.
A Lei nº 13.257/2016 (Marco Legal da Primeira Infância), que trata sobre políticas públicas para a primeira infância, garantiu mais duas hipóteses de faltas justificadas para os pais trabalhadores: de até dois dias para acompanhar consultas médicas e exames complementares durante o período de gravidez de sua esposa ou companheira e de um dia por ano para acompanhar filho de até seis anos em consulta médica. São medidas ainda tímidas considerando o número de consultas do pré-natal e a demanda das crianças por acompanhamento médico superior ao parâmetro de ausências estabelecido por lei, mas são conquistas que merecem ser ressaltadas.
Há projetos de lei tramitando sobre o assunto e, inclusive, propostas de emenda constitucional. Os projetos, em regra, apontam para o aumento do período da licença, além de abordar temas como autorização para que a data de início de licença seja a da alta hospitalar em caso de bebês prematuros ou a concessão ao pai adotivo solteiro de licença-paternidade nos mesmos moldes da licença-maternidade.
Alguns países têm adotado modelos de licença com maior divisão do cuidado com os filhos, especialmente no sentido de conceder licença parental, na qual fica a cargo do casal decidir a forma como será usufruído e dividido o período da licença entre os dois. Na Suécia, tida como referência neste tema, a licença parental hoje é de até 480 dias. Na Espanha, homens e mulheres também têm direito a 16 semanas de licença do trabalho. Contudo, a maioria dos países adota um sistema que evidencia uma grande desigualdade entre o tempo de afastamento das mulheres e dos homens e, além disso, garante um período bastante curto de licença para os dois.
Uma das alternativas para buscar um tempo maior de convivência com os filhos recém-nascidos ou ainda bebês é unir a concessão de férias com a licença-paternidade, sem que o afastamento seja descontado do período aquisitivo de férias, isto é, os 12 meses trabalhados para garantir o direito ao descanso. Também é possível recorrer ao Judiciário para que casos particulares sejam avaliados: em 2017, por exemplo, um servidor público do Hospital de Clínicas do Paraná, pai de gêmeos, garantiu a prorrogação da licença-paternidade de 20 para 180 dias, a partir de uma liminar do Tribunal Regional Federal. São pontos fora da curva, mas decisões que valem a pena ser destacadas.
Boas práticas
Além do engajamento de pais, mães e cuidadores na cobrança pela aprovação de leis que tratem do assunto, deve-se incentivar que mais empresas se cadastrem no Programa Empresa Cidadã e garantam outros benefícios, de acordo com seus valores e suas políticas. Alguns exemplos de empresas que aumentaram ou até dobraram o período da licença-paternidade são a Natura, que passou a conceder 40 dias de licença-paternidade remunerada, o Twitter, de 20 semanas, e a Netflix, com licença “ilimitada”.
Uma curiosidade: o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a oferecer esse benefício, de acordo com a Organização Mundial do Trabalho (OIT). Isso aconteceu em 1943, com a CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), que instituiu um dia de folga na semana da chegada do filho, sem desconto no salário. Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, a licença passou a ser de cinco dias.
O período da licença-paternidade só avançou de cinco para 20 dias com a aprovação do Marco Legal da Primeira Infância, em 2016. Mas esta garantia vale apenas para funcionários públicos e de empresas cadastradas no Programa Empresa Cidadã.