Uma visita na casa do aluno, a escuta das famílias nos conselhos escolares e até a integração com os serviços de saúde pública dentro das escolas e mutirão após um desastre ambiental. Iniciativas como essas proporcionam a formação de uma rede de apoio para que crianças e adolescentes se desenvolvam de maneira segura e acolhedora no ambiente escolar.
Conforme aponta uma pesquisa do Itaú Social, a interação da família com a rotina do aluno contribui para a aprendizagem, melhoria do desempenho e prevenção da evasão de crianças e adolescentes. Entretanto, de acordo com o estudo, o contato mais próximo dos responsáveis com a escola fica restrito aos primeiros anos da educação básica, como mostram os seguintes dados:
Dessa forma, se o estudante está no centro de aprendizagem, as escolas e as famílias precisam garantir um desenvolvimento de maneira integrada. Quem afirma é Maria Lúcia Voto, gerente de conteúdo do Instituto Ayrton Senna, que vê nesta parceria vantagens além do desempenho acadêmico.
“O envolvimento das famílias colabora com o sentimento de pertencimento do aluno pela escola, porque ele passa a enxergar nela uma extensão do que vê em casa. Assim, há impactos também na saúde mental e na diminuição de índices de violência e bullying”, explica. “É como uma roda, que se gira coordenada a outras, move todas juntas”.
A especialista reforça que os responsáveis precisam estar conscientes dessa responsabilidade, assim como as escolas têm o papel de entender como devem sensibilizar e mobilizar sua comunidade. “Se for famílias que não têm muito tempo, é preciso abrir horários alternativos para conversas aos fins de semana, por exemplo. O professor que está perto do aluno pode ter mais facilidade e ser um articulador para lançar mais possibilidades de viabilizar essa conexão”, diz.
É necessário equilibrar as responsabilidades
Entender as dificuldades de ambos os lados é fundamental para uma troca positiva. Nesse sentido, o equilíbrio nos dois papéis requer ajustes nos detalhes e na rotina. De acordo com Cleuza Repulho, especialista em educação na Fundação Getúlio Vargas (FGV), é complicado a escola convocar uma reunião de pais durante a semana, em horário comercial. Assim como as famílias não podem atribuir para uma instituição de ensino a obrigação de educar seus filhos. “Já vi mães dizendo para as professoras que as crianças só obedeciam a elas. Por outro lado, há escolas que enviam lições de casa sobre conteúdos que ainda não foram aprendidos. Ou seja, não dá para transferir as responsabilidades”, defende.
A pesquisa de mestrado “Percepções dos professores sobre a relação com as famílias dos alunos”, da psicóloga Larissa Schutte Vidotti, da Universidade de São Paulo (USP), aborda justamente a compreensão dos limites e da importância da integração. “A escola exerce uma postura superior frente às famílias, aumentando a distância entre uma e outra e dificultando sua interação”, diz o texto. Por isso, a necessidade de estabelecer uma “gestão democrática.”
Vidotti afirma que quando a equipe escolar se mostra mais paciente e compreensiva com as famílias, recebe respostas mais positivas delas, que se revelam colaborativas no que for preciso. “Percebeu-se também que elogiar os alunos pode aumentar o elo do professor com a família, pois professores que utilizam este recurso, ao invés de se queixarem dos alunos, conseguiam maior apoio dos pais ou responsáveis”, disserta. “Isso não significa deixar de abordar os problemas, mas rever a forma como eles são transmitidos, ressaltando os aspectos positivos das crianças a fim de fortalecer também sua autoestima.”
Como as escolas podem se integrar com as famílias?
Em diferentes regiões do país, essa união fez a diferença na educação integral das crianças e na dinâmica da comunidade escolar. O Lunetas conta um pouco mais sobre quatro iniciativas que deram certo, confira:
1. Apoio mútuo na Ilha do Marajó (PA)
Na Escola Municipal São Marcos, em uma área ribeirinha de Muaná, na Ilha do Marajó, no Pará, as famílias viraram aliadas a partir de um projeto de aproximação individual. Como os responsáveis das crianças não participavam das reuniões periódicas em grupo, a gestão criou uma estratégia chamada “Aprendizagem em família: diálogo na escola”.
O primeiro passo começou nas casas dos alunos, onde um representante da equipe gestora visita cada endereço, muitas vezes de barco, para entender como é a vida desse estudante, com quem ele vive, como é criado e tratado. Tudo com a autorização da família e feito com acolhimento e empatia.
“Muitos pais não têm instrução e não conseguem ajudar as crianças em casa. Outros têm trabalhos braçais e se cansam muito ou não têm tempo. Há, ainda, casos de pais separados e de crianças vivendo em zona de conflito”, conta a diretora Francilaura Barbosa da Silva. Ela diz que as visitas também se tornam um momento de desabafo das famílias, que muitas vezes só precisa ser ouvida. “Precisamos desse olhar mais atento para conseguir trazer a família para gente”, defende.
No segundo passo, é a família que retribui a visita indo até a escola para participar de uma nova reunião com o aluno e os professores. Assim, eles podem entender e definir como cada um desses atores contribuirá com o desenvolvimento da criança.
Francilaura diz que desde o início do ano, quando o projeto começou, a maioria dos alunos melhorou o desempenho acadêmico e o engajamento nas atividades. “Escola e família é uma parceria que precisa existir de todas as formas porque quem está no centro é o aluno. A escola tem uma importância gigantesca na vida dele. Andar de mãos dadas com a escola é fundamental para que os alunos consigam aprender e caminhar com responsabilidade.”
2. Gestão democrática no centro de São Paulo (SP)
Na região central de São Paulo, a Escola Municipal Gabriel Prestes é adepta da gestão democrática, em que toda a ajuda das famílias é bem-vinda. Portanto, não importa qual a habilidade o pai ou a mãe da criança apresentem, pois, o diretor João Kleber Souza, diz que “sempre há uma necessidade que pode ser contemplada por famílias dispostas a contribuir”.
“Já tivemos pai que era pintor e veio pintar os brinquedos da escola. Outro que vinha apertar parafusos, por exemplo. Temos famílias que cuidam da nossa área verde e mães que ensinam as crianças a fazerem terrários”, conta. Atualmente, a escola tem um grupo específico para a comunicação, que produz conteúdos e traduz os avisos para outros idiomas, pensando em atender os alunos imigrantes. A instituição se tornou referência na educação infantil da capital paulista, atendendo 200 crianças de 4 e 5 anos.
“As famílias se sentem acolhidas pela liberdade de participar. O papel da gestão é deixar as portas abertas para elas entrarem, dá trabalho, mas também você colhe os resultados”
Além da participação direta da família, anualmente há a formação do conselho da escola, que se reúne todos os meses para deliberar sobre eventos, discutir desafios e propor soluções para a melhoria do ambiente escolar. Para Souza, a gestão democrática permite dividir responsabilidades e transformar as críticas em proposição.
“O diretor não tem o poder do secretário de educação. Então, se a família está ali próxima, conversando, recebendo informações, ela compreende isso. A escola é um espaço público, portanto, a escola deve ser da comunidade. Esta é uma visão mais ampla do papel da escola e do que é a democracia”, finaliza.
3. Ação conjunta para combater a evasão (BA)
Desde que o Centro Integrado de Educação Infantil do Mangueiral, em Camaçari, na Bahia, atendeu o apelo da comunidade para ampliar os serviços com atendimentos às crianças de dois anos, a escola ganhou ainda mais o respeito e engajamento das famílias. A diretora, Débora Athayde, conta que o bairro está próximo a um polo petroquímico e por isso recebe muitas famílias que trabalham no local.
No entanto, os responsáveis pensavam que as crianças pequenas não estudavam, apenas brincavam na escola. “Eles tinham uma visão de que os alunos da educação infantil poderiam se ausentar das aulas e os números de faltas e abandono eram grandes”, conta.
Para mudar este cenário, a escola firmou uma parceria com a unidade básica de saúde do bairro, que estendeu o atendimento das crianças para dentro da escola. Lá, elas são pesadas, vacinadas e recebem aplicação de flúor nos dentes. O posto também ajuda a acompanhar a frequência escolar.
“Hoje acompanhamos a frequência diariamente e o professor sinaliza a gestão quando a criança falta três dias consecutivos, então ligamos para a família”, explica Débora. Quando surge necessidades ou vulnerabilidades específicas da família, a escola aciona os órgãos protetivos. “Tudo isso diminuiu as faltas injustificadas e o abandono escolar. Antigamente, chegávamos no fim do ano com as turmas com menos de dez crianças. Hoje não é mais assim. A educação infantil não é depósito de criança. Para a aprendizagem acontecer, precisamos de todos juntos.”
“O que a gente faz é escutá-los. É a maneira que temos de chamá-los para dentro da escola”
4. Solidariedade movida pela dor compartilhada (RS)
Em Porto Alegre, desde que foi totalmente afetada pela enchente, em maio deste ano, a Escola Municipal Liberato Salzano Vieira da Cunha ficou mais valorizada pela comunidade. A água chegou a mais de um metro de altura, destruiu equipamentos, computadores, documentos, livros e uma história de 70 anos.
Além disso, tudo aconteceu na véspera da comemoração do aniversário da escola e as aulas foram suspensas. “Planejamos uma festa com as famílias, compramos comida, fizemos decoração. Mas, com a suspensão, doamos os alimentos no bairro”, lembra a professora Márcia Moraes. Ela conta que ano passado a escola serviu de abrigo por causa de uma enchente anterior. Só que desta vez, “até o telhado estragou”.
Com a situação, as famílias do bairro, inclusive as que não tinham crianças matriculadas na escola, se mostraram solidárias à situação e se ofereceram para fazer mutirões de limpeza. O prédio precisou de uma reforma total mas as obras ainda não foram concluídas. Por isso, desde julho, os 1.700 estudantes se revezam em aulas no salão paroquial da igreja e no clube do bairro.
“A diretora fez uma reunião com as famílias na igreja para explicar como as aulas iam acontecer. Eu nunca tinha visto o lugar tão lotado. As pessoas queriam entender o que estava acontecendo e, enquanto a diretora falava, foi silêncio absoluto”, conta Márcia.
A expectativa é de que a escola, que deve ser reinaugurada no ano que vem, seja ainda mais querida e respeitada pela comunidade. “Tenho a impressão de que muitas pessoas se deram conta do valor da escola neste momento. Ela já era um centro de referência para o bairro, mas acho que terá uma valorização ainda maior agora”, complementa.
Dicas para fortalecer a comunidade escolar:
Educadores e profissionais entrevistados listaram ações diretas para fomentar a participação da família na rotina escolar. Saiba quais são:
- Alinhar o projeto pedagógico da escola com a educação de casa, levando em conta valores, respeito à diversidade e condições religiosas.
- Desenvolver o senso de pertencimento com o local com projetos no contraturno, se a escola ficar próxima das residências dos alunos.
- Garantir a permanência escolar e evitar faltas injustificadas.
- Acompanhar o calendário escolar, verificar a agenda e participar dos eventos e reuniões.
- Mobilizar a criação de canais de comunicação que façam mais sentido para a comunidade (grupo de email ou whatsapp), com regras básicas para a boa convivência.
- Criar comitês e comissões de pais estimulando que as pessoas com mais disponibilidade representem os interesses das famílias com menos tempo.
- Compartilhar os problemas e desafios com a escola mas também propor soluções e iniciativas levando em conta habilidades e profissões dos pais e mães.
- Pensar coletivamente no bem-estar geral e defender o objetivo comum de ver as crianças felizes.
Responsáveis que são chamados pela direção ou professores para conversas individuais sobre o estudante:
Responsáveis que recebem orientações sobre como apoiar a aprendizagem do estudante em casa:
*Fonte: Itaú Social/ DataFolha