Tim Gill: ‘Sair de casa é parte crucial da jornada da infância’

Ao explorar e conhecer a cidade, e não apenas em livros e nas salas de aula, as crianças crescem e a cidade cresce com elas

Da redação Publicado em 14.12.2016
Menina e mulher adulta brincando no gira-gira em parque ao ar livre

Resumo

O pesquisador inglês Tim Gill fala sobre a importância de cidades que promovem a ocupação de crianças no espaço público.

Tim Gill é um dos nomes mais relevantes do Reino Unido quando o assunto é infância.  O ativista defende que as crianças e os jovens têm potencial para serem mais resilientes, responsáveis, capazes e criativas do que muitas pessoas acreditam.

Para ele, para que as crianças possam desenvolver seu potencial, é preciso que a sociedade repense seu olhar para a infância e, entre outras coisas, invista em reconectar as crianças com os espaços das cidades e comunidades que habitam.

Assim como Richard Louv, ele também é um grande defensor da importância da natureza para o desenvolvimento na infância e para a manutenção do meio ambiente.

“Uma das coisas que faz uma boa infância é que crianças gradualmente possam conhecer o mundo além de suas casas e escolas. Senão, elas não crescem adequadamente, não conseguem a confiança para trilhar seu caminho”, argumenta o britânico.

O portal Cidades Educadoras fez uma entrevista com o especialista, a qual reproduzimos a seguir:

Lunetas – O Outroom Classroom Day [No Brasil, ganhou o nome de Dia de Aprender Brincando] começou há pouco tempo e rapidamente se espalhou pelo mundo. Você já disse em entrevista que isso não tem a ver com uma nostalgia dos tempos idos, mas sim como uma demanda atual. É isso mesmo? O que está acontecendo com as crianças?
Tim Gill – Eu considero que a maior mudança nas vidas das crianças, nos últimos vinte ou trinta anos, é que elas estão vivendo cada vez mais tempo “cobertos”, ou seja, não estão vivendo debaixo do céu aberto, estão em caixas, em casa, no quarto, no carro, na escola, na sala de aula, de volta ao carro, no clube, no shopping e depois para casa de novo. Com isso, as crianças estão perdendo essa conexão com o mundo fora das caixas, o mundo natural – as árvores e o verde – mas também com a cidade, suas ruas e suas vizinhanças. E eu acho que isso é um problema. Uma das coisas que faz uma boa infância é que crianças gradualmente possam conhecer o mundo além de suas casas e escolas. Porque senão, eles não crescem adequadamente, eles não conseguem a confiança para fazer seu caminho no mundo. Essa é uma grande preocupação minha.

O mundo, para a maioria das populações, não é mais natural. Mas ainda assim, é nosso habitat, onde desenvolvemos nossa vida comunitária. No entanto, a sua conformação muitas vezes ceifa esse sentimento de comunidade que é tão importante para o desenvolvimento infantil, a liberdade de brincar e interagir com adultos diferentes. Na sua opinião, como podemos mudar a forma com a qual experienciamos a nossa vida em sociedade?
TG – Há muitas razões de porque é importante uma abordagem que incentiva a vida ao ar livre para crianças, como o livre brincar e a exploração. Há também razões de saúde, de proporcionar uma infância ativa e que não envolva ficar sentada todo o tempo. Há a conexão das crianças com o mundo natural que é importante – e nós sabemos que crianças que se conectam com a natureza são mais propensas a cuidarem do ambiente-, mas também acho que se quisermos que as crianças sintam que são parte de uma comunidade, que eles não são só um filho ou aluno, mas que eles pertencem à cidade, que eles têm direito à cidade, que eles têm responsabilidade e conexões com outras pessoas, se quisermos isso, se quisermos que eles se sintam cidadãos engajados, temos que garantir a eles a chance de sentir essas conexões. E isso não se ensina. Temos que permitir que eles aprendam por si mesmos, pelo dá-e-toma de estar fora de casa, você só tem isso com liberdade. Sem liberdade, não há conexão com a cidade, com o mundo.

Então é importante garantir o direito ao brincar na cidade?
TG – Se eles são livres, eles podem transitar, podem fazer coisas erradas e isso é parte de como aprender a ser responsável e compreender que você faz parte de uma rede de pessoas que tem que conviver.

E tem essa dimensão de errar, de experimentar, que parece ter sido longamente negligenciada pela educação moderna.
TG – Acho que qualquer adulto, se for honesto consigo mesmo, se olharmos para trás, podemos lembrar coisas estúpidas que fez. Eu subi numa árvore, por exemplo, e joguei coisas nas pessoas e depois descobri que isso não era legal. Aprender é testar fronteiras. E todos podemos lembrar disso, podemos lembrar de erros e professores, mas só aprendemos ao sermos ativos, ao termos experiências próprias e tendo entendimentos que vêm de dentro.

As crianças são esponjas de aprendizado. Nós somos as máquinas de aprender mais eficientes de toda a natureza – os nossos jovens aprendem melhor do que qualquer outra espécie. É por isso que somos tão adaptáveis e flexíveis e, para o bem ou para o mal, a espécie dominante no planeta. Nós podemos responder flexivelmente ao nosso ambiente e fazemos isso porque aprendemos a lidar com a incerteza, as coisas mudam, mas conseguimos lidar com isso. Os outros animais não.

Então, no coração do aprendizado humano, está essa flexibilidade com a incerteza, com os desafios, com as respostas a ameaças etc. Risco é só outra palavra para a incerteza. Nós dizemos risco quando não sabemos o que vai acontecer. Pode parecer uma palavra carregada, algo ruim, mas ele também pode ser o que faz as coisas serem boas, serem emocionantes. Se você vai aprender a andar de bicicleta, você não sabe se vai cair, mas uma hora você está andando sozinho e isso é muito emocionante. Isso é algo muito poderoso e um bom risco. Com o bom risco, você motiva crianças e adultos a aprender o que eles podem fazer e como eles reagem à incerteza. Pode ser risco físico, social (viajar sozinho ou ir numa festa), risco psicológico, são algumas das experiências mais impactantes, especialmente para crianças.

E existe todo esse medo, hiperdimensionado, sobre os perigos da vida fora de casa e da escola, sendo que muitas vezes, é dentro de casa que acontecem a maior parte dos acidentes.
TG – No meu trabalho, eu falo sobre essa mentalidade de “risco zero”, de que elas são tão vulneráveis que temos que excluir todo o risco. Mas isso não é verdade. Se nós olharmos como elas aprendem e vermos como elas respondem aos desafios, você verá que elas são competentes. Evidentemente, elas não são adultas, não dá para esperar que uma criança de três anos atravesse uma avenida ou uma de seis construa uma casa, mas elas são mais competentes que imaginamos. Então, ao invés de ter uma filosofia de proteção, precisamos ter uma filosofia de resiliência, que nós as ajudemos a compreender como conviver com a incerteza. Elas são boas de aprender a responder a desafios. Elas não são essencialmente vulneráveis. É essa a mentalidade que temos que transformar.

Os professores muitas vezes afirmam ter medo de sair com os estudantes da escola, de explorar o território, de sair dos espaços controlados e ver o que o espaço público pode educar. O que o senhor diria sobre este receio dos professores?
TG – Bons professores entendem que crianças aprendem melhor quando estão alongadas, quanto não estão entediadas ou quando podem descobrir por conta própria e ter controle sobre seu aprendizado. Mas, ainda assim, eles se preocupam que se algo der errado e eles sejam culpados, processados ou demitidos. Então eu acho que, além de saber discernir o que é seguro ou não, os professores precisam também que seus diretores e os políticos não os culpem se algo – que não é culpa deles – der errado. Isso foi algo que aprendemos no Reino Unido: você precisa que os gestores, legisladores e a mídia entendam que liberdade e ar livre são bons riscos e que quase nunca algo ruim vai acontecer. E os professores precisam sentir que eles podem fazer essas escolhas e que se suas decisões são razoáveis, os gestores vão apoiá-los.

O que uma cidade precisa para ter crianças no espaço público?
TG – Eu acho que cidades precisam ser lugares seguros para crianças. Se o ar está poluído, é um desafio que temos que encarar, se o tráfego está ruim, também. Nós temos muitos carros, viajando rápido demais e em muitas vizinhanças, então para termos uma cidade para crianças precisamos enfrentar isso.

Como isso é uma tarefa enorme, vamos tentar olhar em uma escala menor: melhorar parques e praças, o que enfim, acho que é simples, nós somos animais sociais, nós gostamos de estar no convívio, uns com os outros, então se a gente conseguir um espaço público vivo e acolhedor, com pessoas, atividades, programações, festivais e até um café, você pode melhorar esses lugares e começar a atrair idosos, famílias, jovens, enfim, dar vazão àquele sentimento bom de um espaço público que está cumprindo sua função.

Então quando você adota a criança como denominador comum das cidades, você está criando ambientes mais saudáveis, inclusivos e solidários para todos? A criança é um ativador de comunidades nesse sentido?
TG – Eu sou um grande fã do Henrique Peñalosa [prefeito de Bogotá, capital da Colômbia, entre 1998 e 2001] que tinha um slogan de que a criança é um índice para a cidade, ou seja, se ela está boa para uma criança, ela está boa para todos. E nós sabemos disso: uma pesquisa recém-publicada na Inglaterra, olhando para a questão do espaço público mostra que as pessoas querem estar no espaço público socialmente, mas que as crianças são seus maiores usuários e onde mais crianças usam, mais adultos usam também. Então elas são geradoras de vida comunitária.

Você vê alguma relação entre isso e o conceito de Cidade como um território educativo?
TG – Eu entendo que a educação é um processo de crianças aprendendo a viver. E claro que elas precisam aprender a ler e escrever, ciências e literatura, mas elas também precisam aprender a ser cidadãs, a aprender como seu bairro se formou e qual a história da sua cidade. Eu não entendo esse conceito profundamente, mas eu gosto dessa ideia de que a partir desses aprendizados, ao explorar e conhecer a cidade, e não apenas em livros e nas salas de aula, elas crescem e a cidade cresce com elas.

Você comentou que conheceu Paraisópolis nessa sua passagem por São Paulo. Como você articularia tudo que conversamos até agora com o contexto daquela comunidade?
TG – Eu conheci muito brevemente o lugar, mas fiquei com uma sensação de ser uma comunidade onde as pessoas se conhecem e se ajudam, com um sentido coletivo muito forte. Acho que as crianças gostam disso. Apesar de todas as dificuldades, se você crescer naquela comunidade você se sente parte daquele lugar. Mas é muita gente vivendo junto, casas precárias, falta infraestrutura e faltam espaços verdes e lugares para sentir calma, paz e tranquilidade. E as crianças precisam disso. Claro que há muito a ser resolvido, mas eu sei que a vida seria melhor com algum verde, lugares calmos, onde a cidade fosse para o plano de fundo.

Veja aqui a reportagem completa.

 

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