Ícone do sitePortal Lunetas

Salvar área verde é prioridade de escola em Minas Gerais

Imagem de capa mostra colagem com fotos de estudantes em área verde de escola de Minas Gerais.

Enquanto especialistas e diretrizes educacionais apontam para a importância de espaços naturais para a infância, a comunidade da Escola Municipal José Calil Ahouagi, em Juiz de Fora (MG), vive uma disputa para preservar sua área verde cultivada há 15 anos.

Recentemente, a prefeitura propôs acabar com o espaço para construir um novo prédio escolar. A notícia acendeu um debate urgente entre a população: qual o papel do verde nas escolas?

“É uma sala de aula viva. As crianças passam o dia ali aprendendo sobre a terra, o cuidado, o outro, e também sobre si mesmas”, resume Letícia Stephan Tavares, professora de ciências.

A justificativa da prefeitura é a ampliação da oferta de vagas escolares, diante do crescimento populacional do bairro. Mas para a comunidade, a proposta ignora o valor pedagógico e ambiental do espaço. Marina Furtado Terra, professora de geografia defende:

“Enquanto alguns adultos enxergam apenas um terreno sem paisagismo, as crianças veem um mundo de possibilidades e experiências enriquecedoras.”

Ela recorda que a informação da nova construção era conhecida desde o ano passado, mas sem clareza. “No início, acreditava-se que seria um anexo e que não ocuparia toda a área verde. Só neste ano veio a confirmação de que o terreno inteiro seria usado para a nova escola”. Procurada pelo Lunetas, a prefeitura não se manifestou.

Área verde da escola Escola Municipal José Calil Ahouagi, em Juiz de Fora (MG), será derrubada para a construção de um novo prédio escolar. Professores e alunos se mobilizaram para salvar o local.

O uso do terreno pelos estudantes sempre teve relação com as aulas e com a convivência da escola. No entanto, em março, todos se surpreenderam com a chegada de funcionários terceirizados para análise do solo. “Eles disseram que a gente não podia mais usar a horta com as crianças”, conta Gisela Pelizzoni, coordenadora pedagógica e professora da educação infantil. “Não sabíamos se era definitivo. Foi um choque.”

“A gente tá com essa horta faz muito tempo. A gente cuida dela. Não pode jogar tudo fora assim.” – Valentim, 8 anos.

Terreno é parte da convivência afetiva das crianças

Transformado ao longo de 15 anos por professores, estudantes e famílias, o terreno abriga hoje a horta agroecológica do projeto “Mãos na Terra”. Além disso, há árvores frutíferas, um sistema de reaproveitamento de água da chuva e espaços de sombra e brincadeira.

“Era um terreno seco, árido. Com o tempo, fomos reflorestando, plantando bananeiras, fazendo horta com as crianças. Tudo com apoio da comunidade, sem nenhum projeto formal da prefeitura”, explica Marina.

Entre as crianças, o risco de perder a única área natural da escola é uma preocupação. Para Valentim, aluno do terceiro ano do ensino fundamental, a contradição é evidente: “Falam pra gente proteger o meio ambiente, mas como vamos proteger uma coisa que a gente nem tem, nem vê?”

Já o irmão Miguel, de 11 anos, lembra que colheu alimentos que foram para a merenda. “Na aula de ciências, cultivei alface. Em geografia, desenhei a paisagem da horta. Já plantei tomate, urucum. Tudo isso vira comida pra gente na escola.”

No projeto “Mãos na Terra”, alunos aproveitam o espaço em atividades práticas. “A horta é replanejada a cada semestre. Os estudantes participam da construção dos canteiros, do sistema de irrigação e da compostagem”, conta a professora Letícia Tavares.

Taís Almeida, advogada e mãe de Miguel e Valentim, destaca que, para os filhos, o espaço verde é parte do dia a dia escolar. “Eles aprendem matemática na horta, usam a colheita nas refeições da escola, fazem teatro e música ali. Desenvolvem senso crítico, trabalho em equipe, responsabilidade ambiental. É uma sala de aula viva e cheia de sentidos.”

Ao mesmo tempo, Marina, professora de geografia, reforça como o local integra o currículo de forma transversal. “Utilizamos a área em projetos pedagógicos diversos, com atividades de vivência na natureza e ações ligadas às culturas indígena e afro-brasileira”, cita.

Escolas são essenciais para conectar crianças à natureza

O que acontece na Escola José Calil Ahouagi revela um impasse enfrentado em diversas cidades brasileiras. Afinal, como conciliar o avanço da infraestrutura escolar com a preservação dos poucos espaços verdes ainda existentes?

Segundo o relatório “O acesso ao verde nas escolas”, publicado pelo Instituto Alana, 63% das escolas públicas urbanas do Brasil têm menos de 10% de área verde. Em muitas, não há sequer uma árvore. A falta de vegetação impacta diretamente o bem-estar físico e emocional das crianças, a concentração e até o desempenho escolar.

Estudos recentes também mostram como as mudanças climáticas afetam o cotidiano educacional. De acordo com o UNICEF, mais de 1 milhão de estudantes brasileiros tiveram suas aulas interrompidas por eventos climáticos extremos em 2024. No mundo, esse número chegou a 250 milhões de crianças e adolescentes.

Para a professora de geografia, o impacto de um prédio de três andares no lugar de um terreno natural afetará diretamente a qualidade de vida das crianças. “É um modelo que contraria as reflexões que as mudanças climáticas têm nos imposto, pois um prédio pode causar impactos na dinâmica da escola, na ventilação, na acústica e até na qualidade da luz natural”, cita Marina.

“Eu me sinto triste porque tenho apego àquele lugar. Nunca imaginei que ele seria tirado da gente.” – Sofia, 11 anos.

Estudante do 6º ano, Sofia conta que o que mais gosta no local é “correr, ver joaninhas, colher frutas com permissão do professor, conversar com as amigas sobre as plantas”. A menina lembra de quando plantou urucum durante uma aula sobre cultura indígena. “Depois de um ano, já estava grande, como se fosse uma árvore. A gente ficou muito feliz, porque fomos nós que plantamos.”

Mobilização fora da escola chamou a atenção da prefeitura

Com o anúncio da construção do novo prédio da escola, a comunidade iniciou uma mobilização. Primeiramente, a direção convocou uma assembleia com a comunidade para discutir a proposta. Nasceram, então, quatro ações: um abaixo-assinado, um vídeo com as falas das crianças, postagens nas redes sociais e um abraço simbólico ao redor da horta.

“Foi emocionante. As crianças abraçando as árvores, dizendo o que sentem por aquele espaço. A gente precisava ser ouvido”, relembra a coordenadora Gisela Pelizzoni.

Ao mesmo tempo, o vídeo alcançou mais de 10 mil visualizações e chamou atenção de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), além da imprensa local. Para os educadores, a mobilização levou a Secretaria Municipal de Educação a trocar de chefia.

O impacto abriu o diálogo com a prefeitura, que fez uma nova proposta. A ideia agora é manter a construção no terreno, mas com a garantia da criação de uma nova área verde. Esse local será em um espaço que atualmente está cimentado. Além disso, a prefeitura propõe a unificação das duas estruturas sob uma mesma gestão e projeto pedagógico.

“A gente não queria perder a horta, mas não podia simplesmente dizer ‘não queremos a nova escola’. O bairro precisa de mais vagas, isso também é inegável”, diz Marina. “A proposta não é perfeita, mas conseguimos negociar pontos fundamentais. Agora, nosso papel é garantir que as promessas aconteçam.”

O que a comunidade espera?

Em nova reunião, a maioria da comunidade foi favorável ao acordo. Por isso, a atenção agora se volta para o cumprimento das promessas. “Espero que a nova área verde realmente seja criada, que as árvores sejam replantadas e que a escola antiga seja reformada como foi dito”, afirma Taís Almeida. “A gente também entendeu que é nosso dever cobrar e fiscalizar o que for feito.”

O coletivo de professores, estudantes e famílias se comprometeu a manter viva a história da horta. “Mesmo que ela mude de lugar, esse vínculo com a natureza precisa continuar. Isso é parte do nosso projeto político-pedagógico, não dá pra abrir mão”, reforça a professora Letícia.

Mesmo aceitando a decisão da maioria, ela mantém a opinião de que a substituição do verde por concreto vai na contramão de diretrizes globais. “Enquanto o mundo discute soluções mais verdes para as cidades, aqui vemos a redução de um espaço natural consolidado. Isso afeta o equilíbrio térmico, a biodiversidade e a qualidade de vida.”

A ex-aluna Yasmim, hoje com 14 anos, diz que levará a lembrança da horta para a vida. “Era o único verde perto da gente. Aprendi muita coisa ali.”

Leia mais

Sair da versão mobile