‘Quem limpa?’: livro mostra que cuidar da casa é coisa de criança

Um olhar para o cuidado da casa como parte da vida em família

Fernanda Martinez Publicado em 08.09.2025
Ilustração do livro Quem limpa? mostra crianças ajudando nas tarefas domésticas - uma menina de cabelo vermelho limpa a privada e um menino de boné amarelo rega as plantas. Um adulto está lavando as louças.
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Resumo

Livro “Quem limpa?”, de Bianca Santana, mostra que cuidar da casa também é papel das crianças. Ajudar nas tarefas domésticas fortalece a autonomia e os vínculos, além de provocar reflexões sobre desigualdades. Pediatra sugere atividades por faixa etária.

“Sem o trabalho de cuidar, a vida não é possível. O cuidado está no centro da nossa possibilidade de existir”, afirma a escritora Bianca Santana. Por isso, ela defende sua valorização e também uma divisão de tarefas. Quando a gente inclui as crianças nessa conversa, temos ainda a oportunidade de ensinar autonomia e refletir sobre desigualdades (social, racial e de gênero).

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“Quem limpa?”, Bianca Santana e Ana Cardoso (Companhia das Letrinhas)

No livro “Quem limpa?”’, lançado em junho, um país fictício tem diferentes lares: algumas casas vivem na bagunça; em outras tudo está limpo, porque uma única pessoa cuida de tudo; e há aquelas em que homens, mulheres e crianças dividem as tarefas.

A obra pode inspirar conversas sobre a divisão de tarefas na sociedade, ensinar crianças a participarem dos cuidados da casa sem associá-los a algo penoso e também explicar que tarefas não têm gênero. Isto é, todos podem fazer de tudo.

Desigualdade e reconhecimento

A mãe e a avó de Bianca foram empregadas domésticas. Hoje, em sua casa, onde vive com os três filhos adolescentes, é uma opção não ter ajuda remunerada

A decisão de não terceirizar os cuidados da casa, de acordo com Bianca, honra a história de sua família. “Cresci ouvindo situações de violência a que trabalhadoras domésticas são submetidas”, conta.

Além disso, é uma forma de “compreender como esse trabalho no Brasil é uma continuidade e uma atualização do nosso passado escravocrata”. Segundo a autora, ainda existe a ideia de que o ato de cuidar é algo menor e, por isso, deve ser feito por trabalhadores subalternos.

As mulheres negras representam 69,9% do serviço doméstico ou de cuidados no Brasil, segundo estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica), divulgado em abril deste ano. A pesquisa também mostra que 79,6% das cuidadoras atuam em domicílios familiares, o que deixa evidente a responsabilidade das famílias no cuidado de pessoas dependentes.

Cuidar também é educar

“Crianças precisam ser cuidadas, mas também podem cuidar. Desde cedo, devem aprender a fazer isso”, sugere Bianca Santana. “Pode ser um momento de meditação, de estreitamento de vínculos, de construção de autonomia.” 

A pediatra e neonatologista Priscila Biancalana associa responsabilidades durante a infância a um melhor  desenvolvimento. “Crianças podem e devem ser encorajadas desde bem pequenas com tarefas coerentes com a idade e sua capacidade neurológica. Conforme crescem, serão capazes de fazer tarefas ainda mais complexas.”

“Se fizermos tudo e não delegarmos nada, elas se sentirão incapazes”, diz Priscila. Assim, “quando colocamos nossos filhos para nos ajudar, criamos oportunidades de conhecimento, interação e aprendizado. O crescimento é incrível.”

Pequenas responsabilidades, grandes aprendizados

Além de entender que a vida de todos melhora quando a ajuda é coletiva, incluir as crianças no cuidado doméstico fortalece comportamentos como autoconfiança e organização, segundo a pediatra Priscila Biancalana.

A participação dos pequenos pode começar de forma gradual, com combinados claros e linguagem positiva. Dessa forma, elas também podem:

  • Saber onde encontrar o que procuram, e isso reduz a ansiedade e a irritabilidade por não achar algum objeto ou brinquedo; 
  • Passar a ter compreensão do funcionamento do trabalho em equipe; 
  • Reduzir o tempo de tela e aumentar a interação com a família; 
  • Por fim, elas passam a se sentir parte do processo, e isso as torna mais cuidadosas e organizadas.

Mãos à obra!

“A criança que participa da organização no dia a dia valoriza muito mais esse trabalho. A casa se mantém organizada e elas passam a gostar de ajudar”, diz Priscila. Conforme explica, “próximo dos dois anos, crianças já podem começar pequenas tarefas. Não espere que elas guardem todos os brinquedos, por exemplo. Mas, se as incentivarmos a guardar dois deles, já estamos dando a responsabilidade que elas precisam”.

Atividades para cada faixa etária, de acordo com sugestões da pediatra

2 a 4 anos

  • Guardar os brinquedos;
  • Organizar os livros;
  • Colocar roupas sujas em cestos;
  • Colocar o lixo na lixeira;
  • Tirar o prato da mesa e colocar na pia;
  • Passar um pano em algo sujo ou molhado.

4 a 6 anos

  • Arrumar a cama;
  • Guardar roupas e sapatos;
  • Regar as plantas;
  • Alimentar os animais da casa, se houver;
  • Colocar pratos e talheres na mesa antes da refeição.

6 a 8 anos

  • Recolher o lixo;
  • Ajudar a cozinhar;
  • Preparar seu próprio lanche para a escola;
  • Lavar alguma louça.

8 a 12 anos

  • Varrer a casa;
  • Dobrar roupas lavadas;
  • Se responsabilizar pelo seu quarto.

“Desejo que todas as pessoas possam ter trabalhos bem remunerados, com reconhecimento, e que possam assumir a limpeza e a organização como parte da vida”, Bianca Santana

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