Com a pandemia de Covid-19, algumas cidades registraram queda de 50% nos estoques de banco de leite; estímulo à doação é essencial para salvar vidas
Com estoques de leite reduzidos durante a pandemia de Covid-19, bancos de leite precisam de doações. Para doar não é necessário sair de casa: especialistas garantem que procedimento é seguro tanto para mães que doam quanto para bebês que recebem.
“O leite materno é o melhor alimento que uma criança pode encontrar”, defende Anna Gobbo, doadora de leite em Curitiba (PR) e mãe do Zion, de 2 anos, e da Luna, com 7 meses. Ela sabe que dez minutos diários dedicados à ordenha podem ajudar a salvar vidas, especialmente em tempos de pandemia de Covid-19, em que os estoques de banco de leite têm diminuído no país.
Nas maiores capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, o estoque de leite materno caiu entre 25% e 50%. É uma queda expressiva e que afeta diretamente bebês prematuros doentes, de baixo peso, que estão internados e não podem ser alimentados diretamente pelas próprias mães, explica a pediatra e neonatologista Maria José Mattar, membro da Comissão Nacional Especializada em Aleitamento Materno da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia.
“Esse leite é mais que um alimento, é um tratamento, pois possui todos os nutrientes e anticorpos que colaboram para a imunidade dos bebês”
Um litro de leite materno doado pode alimentar até dez recém-nascidos por dia, segundo informações da Rede Global de Bancos de Leite Humano (rBHL). Dependendo do peso do prematuro, apenas 1 ml pode ser o suficiente para nutri-lo cada vez que for alimentado.
Para as mães que ainda não são doadoras, talvez fique a dúvida se este é o melhor momento para começar. Vale ressaltar que os procedimentos para doação, independente da pandemia, já exigem paramentação, lavagem de mãos e materiais esterilizados. Com informação e profissionais acostumados com normas de higienização, o procedimento se torna seguro. “E hoje o cuidado tem sido redobrado”, explica Maria José.
Anna também estava insegura sobre doar em tempos de pandemia, mas percebeu que os procedimentos, além de confiáveis, são rápidos. “Os responsáveis pela coleta vêm até a sua casa, com máscaras e trazem os novos vidros esterilizados, tocas e manuais, que são entregues no portão.”
Por parte da família dos receptores, também não há motivos de preocupação. Durante a triagem, um dos critérios de doação é que lactantes ou nutrizes estejam saudáveis, sem nenhuma doença infectocontagiosa. Portanto, as mães que contraíram Covid-19 só poderão voltar a doar leite após recuperação e cada caso será avaliado pela equipe de saúde responsável. As mulheres que apresentarem sintomas também devem suspender a doação.
Até o momento, os estudos realizados não confirmaram a possibilidade de transmissão do coronavírus via leite materno. “Além disso, temos critérios bem estabelecidos de controle de qualidade, sendo que todo leite humano doado é analisado e pasteurizado antes de ser ofertado às crianças”, diz Maria José.
O modelo brasileiro para Bancos de Leite Humano (BLH) é uma referência internacional e seu funcionamento é regido por lei. Em 2001, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a rBLH, iniciativa do Ministério da Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), como uma das ações que mais contribuíram para redução da mortalidade infantil no mundo.
O primeiro passo para se tornar doadora de leite é entrar em contato por telefone com o BLH mais próximo. A equipe de saúde realiza um cadastro de doadora e fornece todas as orientações para coleta e armazenamento do leite ordenhado. Uma dica é sempre ter em mãos os últimos exames realizados no pré-natal para que os médicos possam avaliar os dados.
Quando os dados de saúde e hábitos de vida são aprovados, a equipe do banco entra em contato com a doadora e agenda uma visita à residência para o dia seguinte. A partir disso, a doadora recebe, semanalmente, a visita da equipe de coleta para a retirada do leite ordenhado e ganha novos frascos vazios e esterelizados. Clique aqui para encontrar o Banco de Leite Humano mais próximo.
As mães que estão amamentando apenas doam o excedente, ou seja, a sobra da mamada. “Nos primeiros meses, a capacidade gástrica do bebê é pequena para a quantidade de leite que a mãe produz”, afirma Maria José. Além disso, a produção de leite humano obedece à lei da demanda: quanto mais leite é retirado, mais leite é produzido. “Não há desperdício na natureza”, diz. Portanto, a retirada do leite, não só mantém a produção, mas impede que o leite parado seja um fator inibidor da produção por desconforto, empedramento, dificuldades na pega do bebê ou outras intercorrências do acúmulo.
Durante o período de amamentação, cada mulher percebe a melhor forma de retirada de leite. Algumas vão preferir a forma manual e outras a bomba, como o caso de Anna Gobbo, que já incluiu a ordenha em sua rotina diária. “Não é trabalhoso, mas precisa ter constância. Com o tempo a quantidade vai aumentando.” E faz um apelo a todas as mães:
“Quem puder e sentir no coração essa vontade, doe. Seu leite pode ajudar a salvar uma vida”
Perigos da amamentação cruzada
Muitas mulheres com leite excedente podem optar por doar diretamente para outro bebê conhecido, cuja mãe apresente alguma dificuldade com o aleitamento. Mas essa prática é contraindicada pelo Ministério da Saúde, pois traz riscos de contaminação. Isso porque a mulher pode estar incubando alguma doença e transmiti-la a outros bebês – isso não acontece com o próprio filho, que recebe os anticorpos da mãe. “Na doação, por outro lado, há fiscalização e o leite é submetido a controle de qualidade e totalmente tratado, inativando vírus e bactérias, para atender as necessidades do receptor”, explica Maria José Mattar.
“Decidi começar a doar em dezembro de 2019, quando o Otto tinha quatro meses e optei por retornar ao trabalho. Mantinha uma rotina de retirada de leite para ser ofertado pelo pai na minha ausência. Mesmo quando chegou o isolamento da pandemia, continuei fazendo a ordenha conforme consegui. Não é difícil, mas é necessário ter os cuidados com higiene, assepsia, armazenamento. O que começou para manter a produção de leite para o meu filho acabou se tornando uma atitude do coração. No Dia Mundial de Doação de Leite Humano (19/05), recebi uma mensagem do departamento de banco de leite me agradecendo por doar leite e salvar vidas. Vou tentar continuar doando, para ajudar bebês e mães que têm necessidade”, Juliane Friedrich, de 35 anos, maquiadora e mãe do Otto, hoje com 10 meses.