PNLD 2020 – 2022: ‘Não aos livros didáticos na educação infantil’

Adotar livros didáticos a fim de antecipar a aprendizagem é prejudicar o desenvolvimento pleno da criança, baseado em trocas, brincadeiras e experiências

Imagem de costas de uma criança escrevendo letras em uma folha de papel
OUVIR

Resumo

O Programa Nacional do Livro Didático 2020-2022 promove retrocesso na educação infantil, ao adotar livros didáticos com o objetivo de antecipar a alfabetização e outras etapas de aprendizagem sem considerar as especificidades das crianças.

O Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB) manifesta sua preocupação com a ação promovida pelo Ministério da Educação em relação à adoção de livro didático na fase de educação infantil, no edital para o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD 2020 – 2022). O uso do livro didático nessa etapa vai contra as concepções que fundamentam toda a política de educação infantil do país, que concebem as crianças e suas experiências como o centro do processo educativo e não a construção precoce e compulsória do ofício de aluno. 

Os documentos normativos “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” (DCNEI) e a “Base Nacional Comum Curricular” (BNCC) definem que não compete à educação infantil alfabetizar as crianças, mas promover seu desenvolvimento integral respeitando suas características e seu modo de aprender. Isso tudo se dá a partir de interações sociais, brincadeiras e apresentação do patrimônio cultural da humanidade, do qual faz parte a cultura escrita.

Os livros que se encontram à disposição para escolha no edital do PNLD 2020 – 2022 pautam-se na Política Nacional de Alfabetização (PNA), explorando exclusivamente a literacia e a numeracia, de forma a antecipar a alfabetização. Se o que se deseja é “proporcionar aos nossos estudantes uma educação em condições de qualidade”, comecemos pelo respeito às especificidades de cada etapa, em atenção aos bebês e crianças pequenas, sujeitos da educação infantil. 

As DCNEIs definem uma educação infantil que compreende a criança como “sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura”. 

Essa concepção se coaduna com as pesquisas no campo da Pedagogia, Psicologia, Antropologia e Sociologia da Infância, para as quais a criança é um sujeito ativo que aprende brincando e interagindo, que nos primeiros anos de vida tem um pensamento prático e que por meio das experiências é que desenvolve o pensamento simbólico e produz cultura. 

Não podemos permitir o retrocesso à concepção de criança como um adulto em miniatura que aprende memorizando letras e números sem compreendê-los, e sem produzir sentidos e significados para suas aprendizagens.

Práticas antiquadas e ultrapassadas de treino motor, cobrir pontilhados e memorizar sílabas mostraram-se ineficazes. Além de não respeitarem as características de aprendizagem e desenvolvimento infantil, não contribuem na educação de sujeitos capazes de pensar e realizar o uso social da leitura e da escrita, mas apenas copistas que não conseguem interpretar o texto lido, nem estabelecer relações com o mundo

Os próprios documentos norteadores da educação nacional defendem o respeito às especificidades das crianças, que aprendem brincando e interagindo e cuja principal aquisição é o desenvolvimento do pensamento simbólico, imprescindível para a aprendizagem dos códigos escritos no ensino fundamental. 

Segundo as DCNEIs, o currículo da educação infantil é um “conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade”. Essa concepção de currículo, ratificada pela BNCC, não se organiza em disciplinas ou áreas do conhecimento, mas em campos de experiências, tendo como eixos estruturantes as interações e a brincadeira. As Diretrizes também explicitam a necessidade de respeitar “as especificidades etárias, sem antecipação de conteúdos que serão trabalhados no Ensino Fundamental”. 

Antecipar experiências próprias da etapa seguinte fere a concepção de infância e de currículo da educação infantil.

O fato de a alfabetização não ser um objetivo da primeira etapa da educação básica não significa que as crianças não terão acesso à cultura escrita, mas o farão por meio de experiências com a literatura, as artes, as brincadeiras. Desse modo, a educação infantil necessita de materiais de apoio como livros literários, informativos, brinquedos, materiais para produzir arte, mas não livro didático. 

Ressaltamos a importância do PNLD como política pública da mais alta relevância para as instituições de educação infantil, na medida em que ele se torna o modo pelo qual boa parte das creches e pré-escolas brasileiras adquirem materiais didáticos, inclusive, livros literários – essenciais às práticas pedagógicas específicas da educação infantil. 

Entretanto, a aquisição de livros didáticos, conforme o exposto, representa um grande retrocesso na medida em que fere o direito das crianças de vivenciar experiências que contribuam para seu pleno desenvolvimento, já que os livros didáticos objetivam exclusivamente aspectos cognoscitivos. 

Somos favoráveis ao PNLD, mas veementemente contrários ao edital que se encontra em curso.

Por tudo isso, conclamamos as equipes gestoras das secretarias municipais de educação e as/os profissionais que atuam em creches e pré-escolas, bem como a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), que tem se destacado em sua atuação pelo protagonismo pedagógico e o respeito às crianças e às especificidades das etapas educacionais, para que se mantenham fiéis ao acúmulo de conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil em uma perspectiva integral e não retroceda a práticas obsoletas. E, nesse sentido, que orientem a não adesão ao livro didático para as crianças, mas sim aos livros literários

Texto adaptado da “Carta aberta do MIEIB: posicionamento público contrário aos livros didáticos na educação infantil”, divulgada no dia 6 de agosto.

* Este texto é de exclusiva responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Lunetas.

Comunicar erro
Comentários 1 Comentários Mostrar comentários
REPORTAGENS RELACIONADAS