É importante que os adultos deixem-se levar pelas curiosidades e perguntas das crianças para aprender e crescer com elas
A pedagoga Fernanda Poletto reflete sobre a importância de prestarmos atenção às curiosidades e perguntas das crianças para, assim, fortalecê-las como protagonistas do mundo.
O que mais gosto são as perguntas das crianças. Os admiráveis porquês remetem à complexa simplicidade de um micromundo que se expande para compreender o macro, um engenhoso processo de aprendizagem que anseia entender as coisas nas suas origens e por dentro.
É de fato emocionante quando a pergunta sorrateira chega assim de mansinho e aguarda, como um ansioso espectador, a peça mágica que irá trazer a solução de um pensar organizado por si, pela observação científica dos acontecimentos ao redor. Precisamos estar alertas para que esse acontecimento único esteja envolto de escuta atenta como possibilidade da nossa resposta – esta peça mágica que constrói uma ponte ao pensar livre, autônomo e transgressor da criança.
Ouvir atentamente as perguntas das crianças e investigar novas soluções em parceria com elas, poderá ser um antídoto substitutivo das respostas que desde crianças ouvimos para os assuntos que os adultos não sabem explicar e acabam dizendo: “porque é assim que as coisas são.”
O que tenho percebido como professora é que nós, adultos, podemos nos beneficiar imensamente da curiosidade da criança para aprendermos mais sobre assuntos que, possivelmente, não teríamos buscado. Eu sempre me impressiono com os belos caminhos de aprendizagem que a criança encontra quando é respeitada em sua vontade de conhecer o mundo.
Certa vez, uma pedra com uma cor diferente foi encontrada na obra da calçada vizinha em frente à escola. Aquela pedra nos levou a ocupar nossas tardes por meses num projeto sobre pedras preciosas e cristais. O assunto nunca se esgotava e cada pesquisa e descobrimento eram motivo de mais investigações sobre o universo geológico. As crianças se tornaram especialistas no assunto e, com tanta excitação, até as famílias se envolveram com a magia das pedras.
Aprendi muito sobre geologia, história, cristaloterapia e, especialmente, como as crianças aprendem. Aprendi a contornar, pela linha do imaginar, os temas obrigatórios do currículo com a curiosidade viva e prazerosa que toda criança tem. Deixei-me levar pela “paixão de conhecer o mundo” – palavras da educadora Madalena Freire.
Entretanto, há intrigantes perguntas que nos deixam ao avesso por não termos uma resposta com solidez argumentativa dirigida a uma criança. Às vezes, realmente não sabemos, em outras, ocultamos essa resposta pela complexidade do tema e, para ambas, é bem possível que recorramos à mesma frase que nos foi passada na infância: porque é assim que as coisas são.
Em especial, temos repetido essa frase quando as perguntas são de cunho social, político e ambiental. Sim, há uma explicação. A estrutura educacional vigente é um projeto para manter nossa sociedade em crise e com a falsa necessidade de que precisamos de um sistema que “cuide” de assuntos ditos complexos (sociais, políticos e ambientais). Nós, adultos, recebemos esta mesma educação que nos mantém fora da possibilidade de pensar, analisar, discutir e traçar estratégias efetivas de mudança. Basicamente, cumprir nosso papel de cidadãos.
As crianças apresentam um senso altamente apurado para assuntos relacionados à justiça social. Sua empatia e capacidade em se sentir parte de um sistema relacional é vibrante. Elas desejam ser protagonistas na transformação de um mundo melhor, mais justo, afetivo e parceiro de todas as formas de vida.
– Mãe, por que esse homem está dormindo na rua?
– E por que o prefeito não dá uma casa para ele?
– Por que a gente está mandando tanto lixo para o lixão?
Perguntas de crianças como essas não são complexas para elas. Talvez, não saibamos como responder. Mas, caso isso aconteça, podemos dizer:
– Porque as coisas são assim… mas não precisam ser. O que você acha que poderíamos fazer?
Deixem-se levar pela curiosidade das crianças! Um mundo bem melhor repousa, nesse exato momento, nas infâncias.
Como diz a escritora Evânia Reichert, “a infância dura para sempre.”
* Fernanda Poletto é pedagoga brincante, educadora popular e poeta de infância. Criadora do projeto de percursos educativos “A Natureza da Criança”. Ama as crianças e acredita na revolução da infância como um caminho para profundas mudanças sociais.
** Este texto é de exclusiva responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Lunetas.
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