O cartunista que encantou gerações com o “Menino Maluquinho” criou personagens com síndrome de Down e com autismo, trazendo inclusão e diversidade à sua obra
O cartunista Ziraldo criou, em parceria com ONGs, personagens com autismo e síndrome de Down, abraçando a pauta da inclusão e da diversidade.
“Faço livros para a criança gostar de ler”, disse Ziraldo certa vez. Além da preocupação com uma infância leitora, o criador do personagem “Menino Maluquinho” e autor do clássico “Flicts”, que há 55 anos marcou a sua estreia na literatura infantil, também trouxe diversidade para a sua obra. Assim, em parceria com instituições que atuam por uma sociedade mais inclusiva, o cartunista desenhou os personagens Ana, Chico e Zequinha. Nesse sentido, também colaborou com a criação de materiais em defesa dos direitos humanos e da criança e do adolescente.
Para Manuel Filho, autor de livros para crianças que abordam o acolhimento de pessoas com Alzheimer e Parkinson, por exemplo, e que trabalhou com Ziraldo nas histórias do personagem Chico, o cartunista mostrava preocupação com a inclusão desde o início de sua obra. “Personagens indígenas, em qualquer tipo de literatura, eram raríssimos ali pelos anos de 1960. O Tininim, por exemplo, era um dos protagonistas da Turma do Pererê”, diz. “Também tinham destaque personagens negros e as meninas tinham protagonismo. Por isso, em suas histórias, elas já eram donas de suas ações e de seus comportamentos.”
“Na obra de Ziraldo, é facilmente observável a riqueza da integração e a amorosidade. Tudo permeado por grande imaginação. Cada releitura nos revela uma nova ideia ou compreensão”, afirma Manuel.
Depois de conviver com pais de crianças com síndrome de Down e conhecer melhor o cotidiano dessas famílias, Manuel conta que criou as histórias de Chico “com muito cuidado e respeito”. De acordo com ele, é importante “disseminar informação de maneira lúdica e contribuir para diminuir o preconceito”. Ao trazer para a causa o Menino Maluquinho, que é um dos personagens mais estimados do Brasil e uma criação imortal de Ziraldo, diz, “ampliamos, assim, o interesse e a visibilidade sobre a síndrome de Down”.
Entre os amigos que Ziraldo criou para o Menino Maluquinho, Chico é um garoto de sete anos com síndrome de Down. Ele aparece na cartilha “Menino Maluquinho em Um livro, crianças e muitas histórias”, mas essa união rendeu ainda outros capítulos. Além da interação entre o Menino Maluquinho e Chico, também conhecemos Maria Clara e Maria Antônia. Os nomes dos personagens são os mesmos dos três filhos de Thaissa Alvarenga, fundadora da ONG Nosso Olhar, que é mãe de Chico, criança com a síndrome. A cartilha foi lançada em 21 de março de 2021 como parte das ações do Dia Internacional da Síndrome de Down da entidade.
Ana é uma personagem com autismo criada por Ziraldo, em 2013, na cartilha “Autismo: uma realidade”, da ONG Autismo e Realidade. No material, além de acompanhar os primeiros dias de Ana na escola, é possível aprender a identificar alguns sinais do TEA nas crianças, como dificuldades na reciprocidade socioemocional, em comportamentos comunicativos não verbais e na interação social, por exemplo. “Foi uma parceria incrível. Um material dedicado a pais, professores, profissionais da área da saúde e qualquer pessoa interessada no tema”, disse a organização no seu perfil no Instagram.
Em 2001, Ziraldo criou Zequinha, personagem com síndrome de Down. Ele foi inspirado em um dos filhos da ativista Jô Clemente, uma das fundadoras do Instituto Jô Clemente, antiga Apae-SP, que tinha a síndrome e faleceu naquele ano aos 52 anos de idade. Mas, não para por aí. Além disso, o personagem Zequinha também participou do Projeto Inclusão, da Apae-SP. Uma das ações, na época, era a venda de camisetas com Zequinha e o Menino Maluquinho abraçados com a frase “Ele pode ser seu melhor amigo”.
Em abril, o cartunista Ziraldo Alves Pinto, natural de Caratinga (MG), faleceu aos 91 anos de idade. Nas redes sociais, escritores de literatura infantojuvenil celebraram o seu legado.
“Ziraldo é um nome que ficará para sempre na memória de um país desmemoriado, seus cabelos cor de nuvens estarão presentes nas suas histórias, cartuns e ilustrações”, escreveu Ilan Brenman. De acordo com ele, “a maior das homenagens é preservar seu tesouro artístico para as próximas gerações”.
Já Pedro Bandeira contou: “Tive a honra de ser um leitor dele quando eu tinha 9 anos e ele apenas 18! Temos um livro juntos, o “Papo de sapato”, uma obra prima.” Por fim, declarou: “Estamos mais pobres.”
Para a escritora Ruth Rocha, Ziraldo é um “amigo querido que se foi”. Ela lembrou, então: “O Ziraldo é um desenhista sensacional. Ele criou histórias e personagens inesquecíveis como Flicts e O Menino Maluquinho.”
