“Quando um bebê nasce, ele não come sozinho, não fala, não anda. Ou seja, depende totalmente de um outro ser humano para sobreviver. Mas, em um ano de vida, ele passa a fazer tudo isso”, diz Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. Portanto, para ela, desconhecer que o auge do aprendizado ocorre na primeira infância contraria não apenas evidências científicas, mas também a experiência empírica de qualquer pessoa que já tenha convivido com bebês. “São picos de desenvolvimento que todo mundo conhece”, diz.
Mariana se refere aos resultados da pesquisa “Percepção da sociedade sobre primeira infância”, realizada pelo Datafolha a pedido da Fundação. Os dados mostram que apenas 15% mencionam a primeira infância – que vai de zero a seis anos – como a fase de desenvolvimento físico, cognitivo e socioemocional mais intenso. O levantamento entrevistou 2.206 pessoas em todo o Brasil, incluindo 822 responsáveis diretos por crianças de até seis anos. A maior parte da população (41%) acredita que o pico acontece na vida adulta, a partir dos 18 anos. Outros 25% apontam a adolescência (12 a 17 anos) como o período mais importante.
Na primeira infância, o cérebro realiza cerca de 1 milhão de sinapses por segundo e consolida 90% de suas conexões. Nesse intervalo, formam-se as bases para a vida toda. Etapas como aprender a falar, andar, sorrir ou segurar objetos, por exemplo, apesar de parecerem naturais e automáticas, são vistas pela ciência como marcos decisivos do desenvolvimento humano.
Por que desconhecer a infância é tão ruim para as crianças?
Num cenário em que 42% dos brasileiros desconhecem ou não sabem o que significa o termo primeira infância – e só 2% relacionam essa fase ao período que vai de zero a seis anos de idade, fica mais difícil mostrar a importância de direcionar políticas públicas a esse grupo com prioridade absoluta.
Então, a psicóloga Juliana Prates, coordenadora do Grupo de Estudos Interdisciplinares, Infâncias, Crianças e Contextos, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), reforça a necessidade de ver as crianças como sujeitos de direitos. “As crianças são pessoas que têm direito a acessar políticas de provisão, proteção e participação”.
“Temos de investir na primeira infância enquanto política pública.”
Infância não é fase preparatória
Para Juliana Prates, os dados da pesquisa Datafolha reforçam a “cultura adultocentrista”. Isto é, consolida a ideia errônea de que a infância é uma fase preparatória e só importa o que a criança vai ser quando atingir a maturidade. “Ao usar como parâmetro o adulto, tudo que vem antes é caminho para chegar até a ‘adultez’ e tudo o que vem depois é declínio. A gente pensa no envelhecimento como perda de coisas.”
“Se eu tivesse a possibilidade de passar uma única mensagem, seria para evidenciar que as crianças são pessoas”, diz. “Elas são diferentes entre si, mas todas têm sentimentos, vontades, podem expressar quando não gostam de algo e chorar. Apesar disso, é como se adultos não tolerassem as infantilidades das crianças.”
A importância da educação fora de casa
Ao desconhecer – e desprezar – os primeiros anos da vida de um bebê e de uma criança pequena, desperdiça-se uma oportunidade de desenvolvimento de indivíduos que estão ávidos por aprender, como reforça Juliana Prates. “Parte das pessoas acredita que as crianças só aprendem quando começam a falar. No entanto, o desenvolvimento se dá desde o período gestacional.”
Por isso, “precisamos destacar ainda mais a importância dessa primeira infância antes da fala”. Isso envolve, de acordo com ela, estimular a criança para que possa atingir todo o potencial de seu desenvolvimento e também professores preparados e infraestrutura adequada. Assim, a criança pode ter a oportunidade de “exercer seu papel cidadão e ter contato com a natureza”.
“No início da vida, a criança depende muito do vínculo com o outro. Então, o acesso à educação infantil de qualidade é fundamental.”
Apesar disso, um levantamento divulgado pelo Todos pela Educação mostrou que cerca de 2,3 milhões de crianças de até três anos não acessam a creche por falta de vagas ou porque não existem unidades próximas. Em 2024, mais de 329 mil crianças entre quatro e cinco anos estavam fora da escola.
Nesse sentido, existem alguns avanços, como a lei que tornou agosto o “Mês da Primeira Infância”, em 2023, e a Política Nacional Integrada da Primeira Infância (PNIPI), lançada este ano, por exemplo. Ambas prevêem um cuidado com mais ênfase para crianças até seis anos de idade. Dessa forma, buscam promover ações intersetoriais em áreas como saúde, educação, assistência social, cultura, direitos humanos, justiça, habitação e igualdade racial.