Declínio da vacinação de rotina em crianças pode ser mais prejudicial do que o novo coronavírus, alerta OMS
Queda na cobertura vacinal em crianças durante a pandemia para prevenir contra difteria, tétano e coqueluche, por exemplo, preocupa órgãos de saúde. Os números baixos são inéditos em quase 30 anos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta sobre o declínio na vacinação de rotina em crianças em todo o mundo devido à pandemia de coronavírus, em relatório publicado nesta quarta-feira (15). Esta é a primeira vez em quase 30 anos que há redução na taxa de cobertura vacinal. Segundo o documento, os quatro primeiros meses do ano registraram “uma queda substancial no número de crianças que completam as três doses da vacina contra difteria, tétano e coqueluche (DTP3 ou tetravalente).”
Em países como Brasil, Bolívia, Haiti e Venezuela, o número caiu pelo menos 14 pontos percentuais na última década. Estima-se ainda que a probabilidade de uma criança nascida em 2020 receber todas as vacinas recomendadas globalmente quando atingir os cinco anos é inferior a 20%.
Outra preocupação da agência internacional de saúde diante da queda na imunização são novos surtos de sarampo. Em 2019, o Brasil enfrentou um surto da doença, com 15 mortes e mais de 10.500 casos confirmados. Pelo menos 30 campanhas de vacinação contra o sarampo em todo o mundo correm o risco de serem interrompidas ou canceladas por causa da pandemia, aponta levantamento.
Para o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, “as vacinas podem ser entregues com segurança mesmo durante a pandemia”. Apesar de 20 países terem relatado escassez de vacinas causada pela emergência da Covid-19, como informa relatório publicado nesta segunda-feira (13) pelo painel independente das Nações Unidas (“Toda mulher, toda criança, todo adolescente“, em tradução livre), Tedros pede que os programas essenciais de vacinação continuem para salvar vidas.
“Não podemos trocar uma crise de saúde por outra. O sofrimento e a morte evitáveis em crianças que perdem as imunizações de rotina podem ser muito maiores do que a própria Covid-19”
Ainda segundo a OMS, dois terços das quase 14 milhões de crianças que não foram imunizadas durante a pandemia estão concentrados em apenas 10 países. O Brasil é o único da América do Sul a aparecer na lista.
A cobertura vacinal do Brasil em 2020 está em torno de 43,8%, segundo dados do DataSus, número bem abaixo da meta de vacinação nacional do Ministério da Saúde, que é de 90 a 95%. Nas regiões Norte e Nordeste, a cobertura vacinal é inferior a 40%. A região mais imunizada é o Centro-Oeste, onde a cobertura está em 50,8%.
Preocupados com esta questão, o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Imunizações lançaram a campanha “Vacinação em dia, mesmo na pandemia”, com orientações para a imunização neste período.
Desde 2000, havia registros de quedas consideráveis na mortalidade materna e de crianças menores de cinco anos, mesmo em países mais pobres. Até 2015, o Brasil mantinha a vacinação das crianças acima de 90%, garantindo proteção contra doenças preveníveis, como poliomielite e sarampo. Porém, nos últimos anos, houve oscilações nos índices de mortalidade infantil, materna e na infância, aliadas à queda na taxa de coberturas vacinais, como mostram dados recentes do Unicef.
O relatório do painel independente das Nações Unidas aponta que 13,5 milhões de crianças deixaram de ser vacinadas contra doenças que podem ser fatais. Joy Phumaphi, membro do painel e ex-assistente da direção-geral da OMS, lamenta:
“Estamos em uma situação onde décadas de progresso podem ser facilmente revertidas”
Além da falta de vacinação em crianças, a queda em pré-natal durante a pandemia poderá levar à morte milhares de mães e crianças, alerta o relatório do painel independente das Nações Unidas. O impacto na saúde de mulheres devido a interrupções e problemas nos serviços de saúde, como fechamento de consultórios e postos de atendimento móvel sobre saúde reprodutiva, bem como profissionais de saúde desviados da maternidade para as unidades de tratamento da Covid-19, por exemplo, afeta desde o acesso a métodos contraceptivos (o que pode levar a 15 milhões de gestações indesejadas em países de baixa e média renda), a oferta de testes de HIV e assistência pós-aborto (onde a interrupção à gravidez é permitida).
Também houve aumento em 2016, em relação ao ano anterior, da mortalidade pós-neonatal (dos 28 aos 364 dias de vida) em todas as regiões do país, com exceção do Sul. O maior aumento foi observado no Nordeste, onde o coeficiente de mortalidade pós-neonatal passou de 3,8 por 1.000 nascidos vivos para 4,2. A mortalidade pós-neonatal está relacionada a situações como crise econômica, queda de renda, aumento do desemprego e desigualdade.
Antes da pandemia, a implementação de metas da Agenda 2030 das Nações Unidas para a saúde das mulheres e crianças já era considerada atrasada. Agora, preocupa ainda mais seu cumprimento. Como resume o relatório do painel independente das Nações Unidas:
“A Covid-19 está tornando uma situação ruim pior para a saúde de mulheres, mães e crianças”
O relatório traz classificações de 193 países em sete indicadores, com dados em sua maioria entre 2015 e 2018. O Brasil aparece com cinco indicadores “superados”: mortalidade materna; crianças natimortas; mortalidade infantil; mortalidade abaixo dos cinco anos; e registro civil de óbitos. Já no indicador mortalidade adolescente (entre 10 e 19 anos, a cada 100 mil habitantes), o país aparece como “intermediário”.
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Mortalidade infantil
5,3 milhões de crianças com menos de cinco anos morreram no mundo todo, em 2018. Calcula-se que mais de 400 mil crianças podem morrer no contexto da pandemia, em 2020
Mortalidade materna
8 em cada 10 gestantes e puérperas que morreram de coronavírus no mundo eram brasileiras, segundo estudo feito por enfermeiras e obstetras brasileiras ligadas às universidades Unesp, UFSCAR, IMIP e UFSC, publicado pelo International Journal of Gynecology and Obstetrics. Os efeitos da pandemia podem fazer novas 24,4 mil mortes, em 2020.