Pesquisa mostra o perfil de crianças e adolescentes acolhidos em casas, lares e abrigos públicos e de organizações não governamentais ao redor do país
Mais de 30 mil crianças estão vivendo longe da família em serviços de acolhimento sob a guarda do Estado. Dessas, 60% relataram não receber visitas familiares e mais da metade é negra.
Apesar da convivência familiar e comunitária ser um direito previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), 32 mil crianças e adolescentes vivem em serviços de acolhimento no país. Deste total, estima-se que 60% vivem longe da família, sobretudo por conta de negligência familiar (9,2%), violência física, psicológica ou maus-tratos (8,2%), responsável com dependência química (7,8%) ou violência sexual intrafamiliar (7,1%).
A pesquisa produzida pelo Aldeias Infantis SOS em parceria com o Instituto Bem Cuidar também revelou que a maioria das crianças e adolescentes em serviço de acolhimento é negra (67,8%), do sexo feminino (51,2%) e tem 13,6 anos de idade, em média. Mais de 90% frequenta a escola.
Segundo o documento, embora pobreza não seja motivo para o acolhimento, é necessário refletir sobre os impactos da vulnerabilidade social nas estruturas familiares. Conforme aponta José Carlos Sturza, coordenador geral do Instituto Bem Cuidar, as famílias ficam ainda mais fragilizadas quando enfrentam processos de dupla vitimização. “Elas sofrem o efeito que a pobreza traz e costumam ser vistas como responsáveis pelas mazelas que passam seus filhos”.
Sturza reforça a necessidade do Estado e da sociedade dividirem a carga de cuidado com as famílias, ampliando o acesso a creches e a outros serviços que efetivam a garantia dos direitos básicos de crianças e adolescentes. “É uma tarefa de todos”, diz.
O rompimento dos vínculos familiares pode afetar as perspectivas de vida de crianças e jovens em serviços de acolhimento. Para evitar essa situação, não apenas os serviços de cuidado alternativo e suas gestões devem agir, mas conselhos tutelares, assistência social e até mesmo órgãos voltados às mulheres, já que a maior parte dos acolhidos tem uma mulher como principal cuidadora, em núcleos marcados pela ausência paterna.
Porém, “às vezes, fazer uma visita à sua família de origem não é benéfico para a criança ou o adolescente”, afirma Sturza. Nestes casos, manter laços com amigos ou vizinhos, em comunidade, deve ser priorizado.
“Família não é só a relação consanguínea. Família é com quem se conta, com quem se tem vínculos de afeto”
Mais de 80% das crianças e adolescentes em serviços de acolhimento está na região Sudeste (43%) e Sul (38%). Entre adolescentes de 12 a 17 anos, a região Norte tem a maior porcentagem de acolhidos (34%), seguida pelo Centro-Oeste (25%).
O período de acolhimento entre um e seis meses é o mais comum (43%). Mesmo que o ECA determine que a permanência dos jovens em serviços de acolhimento não deve ultrapassar 18 meses, salvo exceções, estima-se que 25% estiveram em situação de acolhimento por mais tempo. Mais da metade (60%) dos entrevistados passou por mais de um serviço de acolhimento.
Além de relatarem medo, preocupação e tristeza, 36,8% do público acolhido diz sentir que vai mal na escola. Enquanto a maioria (52,19%) tem acesso a atendimento voltado à saúde mental, esse índice cai para 36,25% entre os egressos. Transtornos mentais e deficiências intelectuais representam 53% das condições específicas de saúde entre crianças ou adolescentes, seguido por uso problemático de drogas exceto álcool (14%) e transtorno do espectro autista e/ou deficiência física (8%).
Dos egressos de serviços de acolhimento com mais de 18 anos, 58% são do sexo feminino e 80,6% se autodeclaram pessoas negras. Um quarto dos jovens adultos egressos (25,3%) foi morar por conta própria, enquanto 23,8% recorreram a repúblicas. Colaboradores do serviço de acolhimento são os que mais os auxiliam na transição para a vida adulta (29,3%).
Além da importância de receberem apoio em seus primeiros anos fora dos abrigos, o estudo reforça que estratégias adequadas de apoio emocional, acompanhamento educacional e intervenções psicossociais são essenciais para mitigar eventuais traumas entre crianças e adolescentes em serviços de cuidados alternativos.