‘Não aceitem o não’, diz mãe de menino autista discriminado

Crianças com autismo têm direito ao acompanhamento de um tutor em sala de aula para garantir que elas acompanhem o ritmo da classe. Conheça seus direitos!

Renata Penzani Publicado em 08.05.2017
Dois garotinhos estão deitados no chão da escola. Um deles aponta para um livro e parece ensinar para o outro, em gesto acolhedor.

Resumo

A publicitária Fernanda Poli conta que chegou a ouvir recusa de escolas por telefone. Após ter a matrícula do filho negada duas vezes, ela criou a ação #autistaDEVEestudar. Precisamos falar sobre a inclusão do autismo na escola.

Quando a publicitária Fernanda Poli recebeu o diagnóstico do transtorno do espectro autista do filho Miguel, de três anos, não imaginou que, além da notícia, teria de lidar também com uma jornada de rejeições por algumas das escolas mais respeitadas da capital paulista. A história, que despertou um movimento de apoio por parte de outros pais, reacende uma discussão urgente quando o assunto é educação infantil e deficiência: estamos preparados para acolher o diferente?

Em abril, depois de Miguel ter a matrícula recusada em dois colégios – Escola Viva e Escola Morumbi, ambas particulares -, Fernanda criou a campanha #autistaDEVEestudar, em seu blog, Curtindo com crianças e Instagram, que culminou em uma denúncia de discriminação ao Ministério Público. O intuito da ação, segundo ela, é não só lutar para fazer valer o direito de seu filho à escola, mas também sensibilizar a sociedade sobre a falta de acolhimento às famílias que vivenciam o transtorno.

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Reprodução/Curtindo com Crianças

A campanha foi criada para estimular pais e cuidadores a não aceitarem a recusa de crianças com necessidades específicas.

Conheça seus direitos

Segundo o artigo 7 da lei 12.764 (Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista), o gestor escolar que se recusar a matricular uma criança com transtorno do espectro autista pode ser punido com multa de três a 20 salários mínimos. Com a lei, fica assegurado o acesso a ações e serviços de saúde, incluindo: o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional, a nutrição adequada e a terapia nutricional, os medicamentos e as informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento.

Em entrevista ao Lunetas, ela contou sobre os desdobramentos do acontecido e falou sobre a urgência do diálogo aberto sobre o assunto, a fim de desconstruir os estigmas do transtorno.

  • Lunetas – A campanha teve adesão de outros pais? Como foi o feedback que você recebeu?

Fernanda Poli – Sim, muito! Muitos compartilhamentos de pais de crianças especiais (em todas as suas questões: Sindrome de Down, TDAH, Autistas, Dislexos, Deficientes Visuais e Auditivos, Cadeirantes, etc). Todos me apoiando nessa busca de uma inclusão completa (escolas capacitadas e inclusivas de verdade). Muitas mães me procuraram contando suas histórias e dizendo que já passaram pelo mesmo, mas não se manifestaram. Muitas – a maioria -, não conta que o filho tem alguma questão e só depois de matriculado é que informam a escola.

  • Lunetas: Na sua opinião, qual o principal motivo do preconceito das escolas contra o autismo? 

“A grande verdade é que nenhuma instituição de ensino quer ter “mais trabalho”. Sim, mais trabalho. Seja financeiro, físico, intelectual ou emocional”, lamenta a mãe

A lei diz que todas as crianças especiais têm direito a uma tutoria em sala de aula para fazer intervenções com a criança quando necessário. Isso sim é inclusão: fazer com que essa criança acompanhe os demais da classe. Para a escola, isso é gasto, é mais trabalho.

A lei também diz que os materiais escolares devem ser adaptados quando necessário. Isso faz com que a escola tenha mais empenho em seu departamento pedagógico. Isso dá mais trabalho.

Falta capacitação de profissionais dentro das instituições de ensino. E essa capacitação não é algo de outro mundo, ela começa quando se tem empatia: eu tenho enxergar com o olhar do outro, não somente com o meu.

Nós, pais de crianças “muito especiais”, ficamos sempre na expectativa de conhecer profissionais que amam o que fazem e tenham essa empatia. A criança sente a diferença, nós sentimos e esses profissionais com certeza são pessoas muito melhores com esse acolhimento.

  • Lunetas: Sobre a denúncia que você fez às escolas e ao Ministério Público, em que pé está? Você recebeu algum retorno?

A Diretoria de Ensino notificou a escola no dia seguinte (fiquei surpresa com a agilidade!) e pediu que dessem esclarecimentos. O Ministério Publico, encaminhou o caso para o GEDUC e até o momento, está em análise com o promotor para medidas cabíveis. Até a próxima semana teremos algum retorno.

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Arquivo pessoal/Fernanda Poli

Depois de receber duas negativas de matrícula, Fernanda Poli criou a campanha #autistaDEVEestudar para encorajar os pais fazerem valer os direitos da criança.

Lunetas: Que mensagem você deixaria para os pais que têm receio de denunciar e lidar com os tabus do preconceito?

Não aceitem o NÃO. Questionem, discutam e denunciem. A Diretoria de Ensino e o Ministério Público são rápidos para isso, acreditem!

Vamos lutar juntos para que esse manifesto pulverize em TODAS as instituições de ensino, conscientizando a capacitação de crianças especiais e a aceitação com amor e respeito. Que essa mensagem de encorajamento chegue aos lares onde os pais sofrem por isso, mas se calam, com receio que os filhos não sejam inseridos. #autistaDEVEestudar

Para os pais que tem preconceito em ter o filho na mesma classe de alunos especiais:

Crianças “típicas” (sem quaisquer condição especial), que convivem com crianças especiais, têm ganhos significativos. Ganhos sociais, psicoafetivos e também cognitivos, uma vez que o cognitivo não está desmembrado do resto do indivíduo. Pelo contrário. Toda criança precisa de um amigo normal, mas diferente!

Qual foi o desfecho dessa luta?

“Miguel está matriculado na mesma escola desde os 18 meses. Só vou tirá-lo quando encontrar alguma que esteja dentro do perfil buscado: salas menores, menos classes por série, olhar individualizado ao aluno, programa sério de inclusão, respeito e amor às diferenças”, conta Fernanda.

Ainda estou em busca dessa escola! Tenho visitado mais de oito escolas por semana e acredite: tem escola que dá desculpas até pelo telefone quando menciono a condição dele

Como denunciar?

Conheça alguns canais de denúncia contra a discriminação de crianças com deficiência e/ou necessidades específicas:

 

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