Ao escolher uma nova escola para a filha Manu, de 10 anos, a psicóloga e apresentadora Cintia Aleixo passou por uma experiência difícil. Apesar de decidir pela matrícula em um colégio famoso e com uma didática considerada excelente, Manu não teve, nesse lugar, o acolhimento necessário. “Era o meu sonho de consumo, mas ela acabou sofrendo muito racismo”, relata a mãe.
Durante três anos, a menina foi alvo de comentários ofensivos e questionamentos preconceituosos no colégio. “Diziam que ela parecia criança de escola pública”, relembra Cintia. Embora a mãe tentasse um diálogo com a equipe pedagógica, decidiu fazer a transferência de escola. “No fim, a gente precisou salvá-la, para que sua autoestima não fosse destruída”, conta. Tudo o que a família queria “era que ela fosse feliz e tivesse amigos”.
A nova escola ofereceu um acolhimento essencial para a transição e adaptação. Além disso, Cintia se sentiu ouvida. “Embora o padrão de ensino seja inferior, é uma escola aqui no bairro que envolve e inclui mais as crianças”, explica a psicóloga.
Essa colaboração entre a escola e a família é crucial em momentos de mudanças, explica Elvira Tassoni, coordenadora do programa de pós-graduação em Educação da PUC Campinas. “É fundamental para o bem-estar e desenvolvimento do aluno. Para tomar essa decisão, os pais podem solicitar reuniões com a escola enquanto estiverem com dúvidas”, aconselha. Além da qualidade do ensino, a escolha precisa levar em conta se o ambiente vai ao encontro dos valores da família, já que se trata de uma parceria duradoura.
Mudar de escola exige acolhimento e inclusão
É muito comum, como observa Elvira, que as famílias pensem que crianças a partir de 10 anos, por estarem acostumadas a frequentar uma escola, não precisem de tanto apoio durante a transição escolar. “Apesar de ainda serem crianças, nesta fase, elas enfrentam a pressão pelo desempenho, que nem sempre é sinônimo de boa aprendizagem”, alerta.
Mudar de escola também pode gerar muitas dúvidas e inseguranças, aumentando a pressão. Por isso, Elvira recomenda que o aluno também tenha oportunidade de visitar as opções com os pais e participar da decisão. “Pode parecer algo simples, mas não saber onde fica o banheiro, por exemplo, pode gerar grande ansiedade”.
Como psicóloga, Cíntia afirma que “a criança vem com bagagem de emoções, sentimentos e sensações, que podem impactar na vida acadêmica” e convida as famílias a refletirem:
“Eu quero ofertar a melhor escola, estou preocupado com o vestibular ou o Enem, mas consigo me abrir para perceber o que meu filho precisa no momento?”
Na nova escola, por exemplo, a filha de Cíntia foi convidada a representar a instituição nas propagandas espalhadas pela cidade. “A equipe compreendeu as nossas necessidades, não por torná-la popular, mas por nos ouvir e criar oportunidades que a amparasse”, avalia a mãe.
Estabelecer conversas e explicar para o jovem o motivo da transição é importante para que a mudança não tenha impacto no rendimento. Apesar de ser comum migrar para espaços diferentes em busca de ascensão, Elvira recomenda ouvir e perguntar o que a criança tem a dizer sobre a transição. “Assim, a gente dá a possibilidade dela se sentir proprietária do próprio pensar e ter a sensação de controle sobre ela mesma”, explica.
No momento da decisão, a professora recomenda que os pais observem aspectos que vão além da preparação para o vestibular ou para o mercado de trabalho, temas frequentemente destacados nas campanhas de matrícula. “O espaço físico pode atrair, mas é essencial questionar como é utilizado no dia a dia”, alerta.
Transição dentro do ensino fundamental requer atenção
Serena, 10 anos, vai mudar de escola pela segunda vez. “Faz dois anos que eu estudo aqui, agora vou para outra escola, só que mais perto da minha casa”, conta.
Além da adaptação ao espaço físico e à cultura da nova escola, a menina que ingressa no 6° ano, vai passar pela transição do ensino fundamental 1 para o ensino fundamental 2, etapa que traz grandes mudanças no modo de aprender.
Nessa fase, há um aumento na quantidade de professores, agora especialistas nas disciplinas que lecionam, com o objetivo de aprofundar o conhecimento visto no ciclo anterior. “Começa a ter mais lições de casa e trabalhos. A criança tem que se adaptar a agenda de entregas também”, exemplifica Elvira.
“Eu ainda não sei o que vai mudar e o que esperar, porque quando cheguei na minha escola antiga, a professora só falou o meu nome pra todo mundo e continuou dando aula normal”, diz a menina, que acabou não recebendo a atenção da escola para a transição.
Como a escola pode acolher
Um simples acolhimento no momento da chegada de um novo aluno pode fazer a diferença durante todo o ano letivo, afirma Elvira, que defende ter momentos recorrentes de inclusão no conteúdo programático da escola. “É importante a escola ter a perspectiva de que é parceria do aluno, e não uma ameaça.”
Os professores precisam estar abertos a escutar as demandas que aparecem nessa fase por conta das grandes mudanças. “Eles falam muito do recreio, reclamam que não dá tempo de comer e brincar”, exemplifica.
A especialista explica que a ênfase na quantidade de conteúdos, comum a partir do ensino fundamental 2, não é o melhor caminho, “porque a criança vai deixar de viver aquela etapa”. Segundo, sempre haverá adaptações a serem feitas.
Atualmente, não há diretrizes que obriguem as escolas a pensar a transição escolar, o que depende da iniciativa dos professores e diretores. “Os projetos acabam se perdendo em meio às demandas e variam entre os anos”, critica Elvira.
“Eu espero que as pessoas me recebam e sejam legais comigo”, diz Serena sobre a escola nova, “imagino que vai ser legal e que eles não vão ser preconceituosos”, deseja a menina.
Em julho de 2024, o Ministério da Educação (MEC) lançou o Programa Escola das Adolescências, para oferecer apoio técnico e financeiro para fomentar a qualidade do ensino nos anos finais do ensino fundamental. Uma das iniciativas é o Guia de Apoio para às Transições e Alocações de Matrículas que traz orientações para a garantia de um ambiente acolhedor nessa fase.