Microcefalia: ‘família é o pilar do desenvolvimento’, diz médica

Desde 2015, a comunidade científica do mundo todo se mobiliza em torno da questão. Qual o papel das famílias no desenvolvimento da criança com a doença?

Da redação Publicado em 14.12.2017

Resumo

“Para as crianças, é essencial que a família esteja bem estruturada e que seja capaz de oferecer todo o suporte físico, emocional e social", defende pediatra.

Os avanços da medicina, apesar de representarem um ganho transformador para a evolução da humanidade, ainda não nos furtam dos mistérios do corpo humano. Em 2015, um surto de Zika Vírus foi responsável por depositar um enorme ponto de exclamação sobre a saúde pública no Brasil: a microcefalia.

Considerado uma novidade em termos científicos e por isso sem muitos registros na literatura médica, o Zika – transmitido pelo mosquito Aedes aegypti – é um dos responsáveis pelo desenvolvimento da doença em bebês.

Com milhares de casos registrados em todo o território nacional, a epidemia teve início no Nordeste, espalhou-se por 21 Estados e deixou o país em estado de emergência, levantando a urgência de um conhecimento maior sobre a doença. Deste 2015, a ciência do mundo todo se mobilizou em torno da questão, o que ocasionou um crescimento no processo  de produção de evidências científicas.

Em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein, conversamos com Rejane de Souza Macedo Campos, pediatra da instituição, para entender como essa condição se manifesta e quais suas consequências para o bebê.

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O médico pode detectar a microcefalia no nascimento do bebê ou em um checkup regular do recém-nascido.

O que é microcefalia, afinal?

De 2015 até hoje, muito se falou sobre o assunto no Brasil todo – nas rodas de conversa entre mães e pais, no noticiário nacional, nas ruas. Essa rápida propagação pode induzir as pessoas a incorrer em erros, acreditar em mitos urbanos e perpetuar falsas informações sem o devido conhecimento da doença. O alarde maior ocorre entre grupos de gestantes, por estarem naturalmente na mira dessa condição.

Por isso, antes de mais nada, é preciso atentar para as fontes seguras, como pediatras de confiança, o Ministério da Saúde e a OMS (Organização Mundial de Saúde).

  • O que é? “Microcefalia é uma malformação em que o crânio e o cérebro se encontram em tamanhos significativamente menores que o esperado para a idade. Isso é comprovado por meio da medida do perímetro cefálico, ou seja, pela medida do tamanho do crânio, ao nascimento (a forma congênita), ou mesmo com o desenvolvimento no primeiro ano de vida (forma adquirida)”, explica a Rejane.

Uma das principais angústias das famílias é compreender a gravidade dessa condição, e seu nível de comprometimento do risco de vida do bebê. Sobre essa questão, Rejane esclarece que nem todos os quadros de microcefalia são iguais, e que há sim gradações da doença que são determinantes para avaliar suas consequências.

“Podem haver formas leves até formas bem graves. Quanto mais grave a microcefalia, ou seja, menor o tamanho do crânio, mais grave será o acometimento e as sequelas decorrentes da condição”, esclarece a médica.

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Em 2015, o Brasil viveu um surto de microcefalia, que deu origem a uma série de pesquisas para investigar os antecedentes e as consequências.

O que se sabe

Inúmeras investigações sobre os causadores da microcefalia estão em andamento no Brasil desde 2015, principalmente no que toca à transmissão e principais comprometimentos da saúde do feto e da gestante, além de pesquisas cruciais sobre o período de maior vulnerabilidade da mulher grávida. O que se sabe, por ora, é que não há só uma motivação para o aparecimento do quadro. O tão temido Zika, portanto, não é o único culpado.

“Há inúmeras causas. Dentre elas, estão infecções na gestação, como o Zika, toxoplasmose, citomegalovirus, sífilis, rubéola, herpes e outros agentes infecciosos; condições genéticas, como alterações cromossômicas e síndromes genéticas; exposições ambientais, como radiação, uso de álcool, drogas, agentes químicos, dentre outros. Nos últimos anos, se ouviu muito em microcefalia por vírus da Zika, com formas bem graves, devido ao surto. Mas é importante saber que há varias causas para a doença e não unicamente o Zika”, pondera a pediatra.

Se o diagnóstico vier, o próximo passo é buscar o máximo de acompanhamento médico especializado quanto for possível. Rejane explica que o caso demanda o envolvimento de múltiplas áreas de saúde.

“Uma criança com microcefalia deve ser acompanhada por uma equipe multidisciplinar composta por médicos – neuropediatra, fisiatra (área da Medicina responsável pelo tratamento de uma ampla variedade de doenças que causam algum grau de incapacidade), equipe de reabilitação, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e psicólogo, além de outras especialidades, a depender das necessidades que se apresentem no decorrer da evolução do seu desenvolvimento neurológico”, esclarece.

Os principais desafios

Considerando que o aparecimento de uma doença séria em crianças impacta não somente a saúde física, mas também emocional da família, já que muitas vezes representa a morte simbólica do ‘filho idealizado’, é preciso acolher as angústias decorrentes do diagnóstico de uma forma integrada.

Assim, a demanda é por um atendimento médico humanizado e empático que perceba a família como um corpo formado por medos e receios quase sempre motivados pelo desconhecimento que inevitavelmente faz parte do processo.

“Para as crianças, é essencial que a família esteja bem estruturada e que seja capaz de oferecer todo o suporte físico, emocional, educacional e social, além do suporte técnico e econômico necessário. A estrutura familiar é o pilar para o melhor desenvolvimento de qualquer criança, seja ela típica ou não”, explica a médica, que ressalta os obstáculos emocionais que costumam vir junto do diagnóstico de uma criança atípica.

“Os desafios são constantes e difíceis, visto toda a mudança de rotinas e até de estilo de vida, portanto a estrutura emocional dos pais tem que estar bem estável e fortalecida. Naturalmente, a aceitação da condição, especialmente os mais comprometidos, com sequelas mais graves, é um processo duro e nem sempre possível de se obter sem o suporte de um profissional. O apoio psicológico é necessário e essencial para a família.

Mas afinal, quais são os principais desafios do desenvolvimento de uma criança com microcefalia? “Depende muito do tipo de acometimento e sequelas apresentadas”, afirma a doutora.

“O quadro clínico pode ser bem variável. Há microcefalias de causas gerais, inclusive com relato de crianças assintomáticas, com desenvolvimento normal, até formas graves com sequela cognitiva (déficit intelectual variável, de leve a grave) ou sequela motora (alguns com diversas limitações: não andam, não sentam, não manuseiam objetos, são dependentes para atividades de vida cotidiana)”.

O fator alarmante, segundo a pediatra, é que o Zika vírus, apesar de não ser o único agente causador do problema, seria responsável por agravá-lo consideravelmente.

“Nas formas mais graves, como observamos na maioria das formas causadas por infecção por Zika na gravidez, geralmente há um acometimento cognitivo (déficit intelectual grave), motor (paralisia cerebral associada) e de fala, podendo ainda alterar a visão”, diz.

Cuidado com as falsas verdades sobre o assunto

Em entrevista ao nosso parceiro Criar e Crescer, o médico Valcler Rangel Fernandes, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) explica que o vírus pode estar presente em vários tecidos e fluidos corporais, como sêmen, saliva, o que não quer dizer que ele seja transmitido por eles.

“É uma conclusão quase unânime do conjunto de pesquisadores que ele [Zika] está envolvido na causa de uma síndrome que nós já vinhamos chamando de Zika Congênita, em que se observa que o desfecho mais grave da doença é a microcefalia. Há outros desfechos menos graves também, como alterações auditivas, oculares, etc”, ressalta o profissional.

O médico alerta que é importante desmisiticar a ideia de que se uma criança contrair Zika, necessariamente terá microcefalia, pois isso não é verdade.

No entanto, a própria comunidade científica ainda não encontrou um consenso sobre a relação entre o Zika e a microcefalia. Enquanto o Ministério da Saúde confirma essa relação, a OMS comunica o assunto com ressalvas. Seja como for, impera entre os médicos e pesquisadores que é preciso examinar todas as mães que têm suspeita contato com o vírus, mesmo quando não há manifestação de microcefalia.

Em novembro do ano passado, uma nota publicada no site oficial do orgão ponderava que, apesar das evidências e dos fortes indicativos, é preciso considerar que as investigações ainda estavam em desenvolvimento, o que se confirma para os tempos atuais também.

“Agências investigando surtos de Zika estão encontrando mais evidências corporais relacionadas à conexão entre o Zika vírus e a microcefalia. No entanto, mais investigações são necessárias para entender melhor a relação entre microcefalia em bebês e o Zika vírus. Outras potenciais causas também estão sendo investigadas.” (Fonte: Organização Mundial de Saúde)

Os caminhos a seguir

Seja como for, é preciso saber como agir quando a doença existe de fato. Apesar de não existirem tratamentos específicos, há escolhas a tomar e possibilidades a considerar. É o que explica a pediatra Rejane de Souza Macedo, em resposta a como as famílias podem proceder.

“Inicialmente, é preciso uma boa adesão às terapias. Além disso, é importante a participação efetiva da família na estimulação dessas crianças, seguindo orientações de profissionais, mantendo bom contato de olhar, conversando muito com os filhos e oferecendo objetos e brincadeiras – que é a forma pela qual qualquer criança se desenvolve”, defende.

Não há tratamento para a microcefalia, mas a intervenção precoce com terapias de suporte, tais como fonoterapia e terapia ocupacional, podem ajudar a melhorar o desenvolvimento da criança e representar ganhos positivos para a qualidade de vida.

Outra questão que se coloca para as famílias que lidam com essa condição é o preconceito em torno do assunto, responsável por reforçar tabus e gerar exclusão social.

“É importante fazer um trabalho de educação e de inclusão de pessoas com qualquer tipo de necessidade específica. A conscientização em aceitar as diferenças do outro é fundamental”, ressalta a pediatra, chamando a atenção para o papel das escolas no acolhimento a crianças com microcefalia.

“É um dos papéis mais importantes dentro da sociedade, pois a escola, além de propiciar uma forma de estimulação, por meio da socialização e da aceitação daquela criança no meio social, pelo convívio com outras crianças. É também um conforto para os pais, de seu filho poder frequentar uma escola como as demais crianças, ainda que com adaptações”, defende Rejane.

*Este conteúdo foi produzido pelo extinto Catraquinha em outubro de 2017, em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein. Em maio de 2018, o Catraquinha migrou para o Lunetas.

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