Depois de acompanharem por um ano a movimentação nas quadras de duas escolas na Catalunha, as urbanistas Honorata Grzesikowska e Ewelina Jaskulska observaram que os meninos se movimentam por quase todo o espaço enquanto as meninas ficam à margem. De acordo com as pesquisadoras, geralmente, o desenho das quadras incentiva a prática de esportes que eles dominam, como o futebol ou o basquete, por exemplo.
Em Minas Gerais, a professora Carolina Mezzetti acompanhou duas turmas de ensino médio e percebeu o quanto as alunas se sentiam excluídas das atividades durante a educação física. “Existe uma diferença, principalmente a partir do nono ano, com as transformações da adolescência”, afirma Carolina. Em sua pesquisa de doutorado, ela chamou a questão de “fenômeno arquibancada”.
Ao mesmo tempo em que o estudo espanhol concluiu que as áreas de lazer nas escolas precisam ser mais democráticas e inclusivas para as meninas, a pesquisa de Carolina constatou que o afastamento das alunas na educação física acontece por fatores como a pedagogia centrada em esportes competitivos, a falta de materiais e espaços adequados.
“A questão comportamental foi o diferencial porque passa pela vergonha do corpo, o receio de suar, o medo de errar e a insegurança diante dos colegas”, aponta. Ou seja, existe uma diferença de tratamento de gênero em atividades físicas nas escolas e as meninas costumam sofrer pressões estéticas e de desempenho desde cedo.
Como as meninas se sentem?
“Eu acho que corro muito feio e penso que todos vão me ver e vou pagar mico”, diz uma das 32 adolescentes ouvidas por Carolina Mezzetti durante dois bimestres. “Tem também a questão de ter os seios grandes e, quando corro, fica aquele movimento estranho. É constrangedor.”
A vergonha do corpo, do odor do suor e também da sexualização de alguns movimentos foram as justificativas mais comuns. Uma outra aluna contou como a pressão estética que sofre dentro de casa virou uma barreira para acompanhar as aulas. “Eu caía muito na minha infância e meu pai dizia que a minha perna estava toda marcada. Ele falava que não namoraria com uma mulher com a perna marcada igual a minha. Então, comecei a pensar que não podia mais jogar e correr para não cair e nunca arranjar um namorado.”
Para Carolina, essas falas revelam que, embora prejudicial, é comum o conflito entre a autoaceitação e a imposição de padrões de beleza.
Segundo a psicóloga escolar Meire Nocito, do Colégio Visconde, de Porto Seguro (BA), na adolescência, as meninas sentem necessidade de fazer parte de um grupo social em que se sintam acolhidas e valorizadas. Por isso, a escola não deve ser um lugar de exclusão, mas “estar atenta às mudanças de comportamento das alunas e promover momentos de diálogo com elas sobre o processo de ‘adolescer’”, diz. Esses espaços podem ajudar as meninas a reconhecerem seus potenciais e a se valorizarem durante as transformações.
“Em casos de isolamento social, irritabilidade constante ou tristeza, a família pode ser orientada a buscar ajuda especializada sobre saúde mental“, sugere a psicóloga.
Ao observar as aulas, Carolina reforça que as cobranças sociais podem causar um isolamento. Além disso, as estudantes se tornam invisibilizadas, sobretudo aquelas consideradas fora do padrão de beleza.
“A arquibancada vira, então, esconderijo. Um refúgio para sentir os medos e as vergonhas que não são acolhidas dentro de quadra.” – Carolina Mezzetti, professora de educação física
A educação física no ambiente escolar
Para Lívia Maria Bentes, professora de educação física da Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará (UFPA), o desconforto e a desmotivação das adolescentes também estão relacionados à cultura da performance. “Durante muito tempo, o fenômeno da ‘esportivização’ [processo que transforma práticas corporais em esportes com regras] permeou os currículos escolares, desconsiderando outras realidades e necessidades de crianças e adolescentes”, aponta. Nesse sentido, professores permaneceram trabalhando as modalidades esportivas sem diversificar as aulas com outras atividades como dança, brincadeiras, alongamentos e ginástica, por exemplo.
Pesquisadora da relação entre infância, corpo, natureza e saberes ancestrais, Lívia defende uma aprendizagem mais criativa e participativa nas aulas de educação física, que se conecte com o contexto cultural e as realidades das estudantes. “As atividades devem considerar as condições fisiológicas naturais da adolescência, em que o corpo e as emoções se modificam de forma profunda.”
Ideias para enfrentar o “fenômeno arquibancada”
Quem vive a rotina das escolas entende a necessidade de uma formação continuada e atualizada para os educadores. “A formação inicial dos professores pouco problematiza as questões de gênero e da adolescência, o que contribui para naturalizar a ausência das meninas nas aulas”, diz Carolina Mezzetti.
Já para Lívia Maria Bentes, pensar outras práticas corporais além dos esportes é também entender que as atividades devem incluir a diversidade de corpos e existências. “As alunas precisam se sentir seguras com a prática e com o ambiente”, reforça. Nesse sentido, é necessário que professores estejam atentos a questões como gordofobia, homofobia, transfobia, racismo e outros preconceitos que possam surgir entre as turmas.
Para isso, a sugestão de Lívia é aplicar uma pedagogia da escuta antes de qualquer nova experiência. “Rodas de conversa sobre temas relevantes para as adolescentes, com respeito e que gerem conhecimento, podem proporcionar um ambiente mais seguro e de mais confiança.”
Para criar essas oportunidades de conversa, a comunidade escolar pode trabalhar temáticas como:
- Menstruação;
- Autoestima;
- Respeito à diversidade;
- Combate ao bullying, ao assédio e a outros preconceitos.
Os estereótipos de gênero, como atribuir atividades exclusivamente para meninas e para meninos, também são um assunto a ser debatido. Segundo Carolina, há uma tendência de justificar o desinteresse das alunas como “preguiça” ou “maneira de ser”. “Existe um senso comum de que ‘as meninas são assim’ ou de que é natural na adolescência.”
As professoras, então, sugerem mais atividades de cooperação e de bem-estar, como alongamentos, danças livres, trilhas ecológicas, atividades manuais; e menos práticas que estimulem a competitividade sem uma lição clara sobre habilidades corporais e socioemocionais.
5 atividades para incluir as meninas na educação física
Exercícios relaxantes: ioga, meditação, alongamentos.
Dicas: dividir as turmas em grupos menores e deixar as alunas com colegas que se sentem confortáveis.
Dinâmicas de escuta e fala: brincadeira da batata quente (fazer uma roda e passar a bola até a música terminar) ou verdade e desafio (com perguntas respeitosas e desafios de corrida, ginástica, dança).
Dicas: adaptar as regras para perguntas ou falas sobre o que gostariam de aprender nas aulas, o que mais gostam ou não gostam, curiosidades sobre esportes.
Brincadeiras de cooperação: quebra-cabeça artesanal, mosaico, torcidas com coreografia, mímica em grupo, corrida de revezamento.
Dicas: envolver as alunas evitando a competição e enaltecendo o trabalho em conjunto, no qual cada uma tem um papel importante.
Jogos de tabuleiro: baralho, xadrez, uno, stop, dama.
Dicas: é uma boa opção para alunas que preferem não fazer esforço quando sentem cólicas menstruais, por exemplo.
Atividades conectadas à natureza: trilhas ecológicas, brincadeiras indígenas, biodança.
Dicas: sempre que possível, propor aulas em espaços abertos, em áreas verdes e seguras, com a participação de instrutores e até de familiares.