Maternidade no currículo: conheça a mulher que começou essa luta

O movimento "Parent In Science", criado pela bióloga brasileira Fernanda Staniscuaski, mede o impacto das atividades como mãe na carreira científica

Da redação Publicado em 15.11.2018

Resumo

O movimento "Parent In Science", criado pela bióloga brasileira Fernanda Staniscuaski, do Rio Grande do Sul, visa medir o impacto das atividades como mãe na carreira científica. Confira a entrevista com ela, e conheça melhor essa iniciativa.

No início desta semana, publicamos aqui no Lunetas uma matéria sobre o projeto Parent In Science, uma iniciativa da bióloga Fernanda Staniscuaski, do Rio Grande do Sul, junto a um grupo de mulheres que reivindicam igualdade de acesso entre homens e mulheres a recursos para pesquisas acadêmicas no Brasil. O objetivo? Lutar pelo reconhecimento da maternidade como uma jornada dupla para mulheres que aliam a carreira acadêmica ao cuidado com os filhos.

Uma das principais bandeiras deste movimento é o direito de incluir no Currículo Lattes – plataforma que funciona como uma vitrine de trabalhos já realizados pelo profissional, e, portanto, essencial para determinar processos seletivos – o período da licença-maternidade.

O projeto quer minimizar a discriminação sofrida por muitas mulheres durante a maternidade, em que a produção de trabalho cai em função das responsabilidades com o bebê, que majoritariamente recaem sobre a mulher.

O assunto gerou muita curiosidade – da redação e de nossos leitores. Por isso, resolvemos entrevistar a idealizadora do movimento para entender melhor de onde veio a necessidade de criar um projeto para acolher mulheres no meio acadêmico. Fernanda Staniscuaski é bióloga, professora do Departamento de Biologia Molecular e Biotecnologia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e pesquisadora do Centro de Biotecnologia (CBiot), em Porto Alegre (RS).

Sua fala reforça a desigualdade de gênero que ainda impera na criação dos filhos, e a disparidade de oportunidades no mercado de trabalho para homens e mulheres.

Leia o bate-papo com a pesquisadora Fernanda Staniscuaski

Lunetas –  Como surgiu a ideia do Parent in Science? Qual o objetivo?
Fernanda Staniscuaski – O Parent in Science surgiu a partir da minha experiência pessoal, após me tornar mãe. Comecei a enfrentar uma série de dificuldades, principalmente em relação ao tempo de dedicação para o laboratório, mesmo depois da licença-maternidade.  E eu não via ninguém falando sobre isso. O máximo ouvia que “é difícil, mas dá”; comecei a me questionar sobre ser capaz de conciliar ser mãe e cientista.

Um dia, fiz um post em uma rede social, sobre como estava pagando um preço alto (principalmente em relação a conseguir recursos para o laboratório) pela escolha de me dedicar aos meus filhos. E muitas outras pessoas começaram a comentar que estavam passando pela mesma situação. Então, junto a algumas destas pessoas, criamos o Parent in Science.

Nosso objetivo inicial era, de alguma maneira, buscar recursos para criar um fundo de pesquisa específico para cientistas mães. Mas aí nos deparamos com um obstáculo. Não tínhamos dados, principalmente quantitativos, sobre o impacto da maternidade na carreira científica no Brasil. Até mesmo em termos mundiais, a quantidade de dados era limitada.

Então, o Parent in Science virou um projeto de pesquisa, que visa entender o impacto da maternidade, em termos de produção científica e obtenção de financiamento, na carreira das cientistas brasileiras. Para levantar dados, criamos alguns questionários online. Os questionários ainda estão disponíveis para participação.

Como foi a adesão de mulheres do meio? Você recebeu feedbacks sobre a iniciativa?
FS – Houve um engajamento muito grande por parte das pessoas, e não só das que têm filhos. Nunca imaginamos que o projeto cresceria tanto quanto cresceu.  Eu, particularmente, tinha muitas ressalvas em como ele seria recebido. Mas nos surpreendemos com tudo que aconteceu. Primeiro, com a receptividade ao projeto. Muitas portas se abriram para nos receber e conversar sobre o assunto. Claro, encontramos caras fechadas e narizes torcidos, mas foram minoria.

“Recebemos diariamente mensagens de cientistas de todo o Brasil, contando o quanto foi importante para elas encontrarem o nosso projeto, por se sentirem acolhidas”

Recebemos constantemente convites para palestras, entrevistas, artigos em jornais e revistas. Certamente superou nossas expectativas. Tudo isso serviu para mostrar o quanto é importante este assunto no nosso meio, e o quanto as pessoas estavam esperando um canal para discuti-lo.

Qual os principais dados que a pesquisa que você realizou aponta sobre a condição da mulher-mãe no meio acadêmico/científico? Pode destacar alguns?
FS – Algo que já esperávamos era uma queda da produção científica, especificamente na publicação de artigos científicos, depois da maternidade. E isso foi comprovado. Há uma diminuição no número de publicações nos anos seguintes ao nascimento do filho, que perdura por quatro, cinco anos. Obtivemos este dado analisando cerca de 1200 currículos Lattes de cientistas mães.

“Um resultado que chamou bastante a atenção foi que, em mais de 50 % das respostas ao questionário, a mãe se declarou a única cuidadora do filho (for o período que ele está em escola/creche)”

Não esperávamos isso…. Achávamos que a maioria dividia os cuidados com o pai da criança. Esta questão de a mãe ser a única responsável pelos cuidados do filho tem consequências muito grandes. Primeiro, porque isto limita o tempo que a mãe tem, fora do horário que está na universidade, para desenvolver atividades relacionadas a ciência.

“Todos do nosso meio sabem que não trabalhamos das 9h às 17 h. A dedicação é muito maior que isso”

Então, se não temos este tempo extra, para atividades em casa por exemplo, nosso rendimento diminui. Isso ficou claro quando perguntamos se as mães conseguiam desenvolver atividades em casa, relacionado à ciência. E, de novo, mais da metade delas disseram que não. E uma porcentagem alta também disse ter perdido prazos (para submissão de projetos, pedidos de bolsa, entrega de relatórios, etc) em decorrência das obrigações com a maternidade. Todo este cenário agrava a competitividade da mulher mãe por recursos. E, sem dinheiro, a gente não produz!

Qual o principal entrave para as mães no mercado de trabalho de forma geral? Considerando o atual contexto de ameaça aos direitos trabalhistas.
FS- Acho que, independente da área, o que pesa para as mães é a falta de flexibilidade no mercado de trabalho. Isso se reflete no levantamento da pesquisa “Licença-maternidade e suas consequências no mercado de trabalho do Brasil“, realizada pela Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV EPGE). Ela mostra que quase metade das mulheres deixa o mercado de trabalho até 12 meses depois da licença-maternidade.

O contexto atual é mais preocupante ainda, considerando as especulações a respeito da redução de direitos trabalhistas, inclusive sobre a estabilidade da gestante/mãe no trabalho.

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